Publicado pela primeira vez há 45 anos, traduzido já em cerca de 200 idiomas, o livro a “Bíblia das Crianças”, editado pela Fundação AIS, já ultrapassou os 51 milhões de exemplares. É um caso de sucesso e popularidade ímpar em todo o mundo. E agora, prepara-se mais uma edição numa nova língua, o Pazande, falado pelo povo Azande em algumas regiões do Sudão do Sul, mas também na República Centro-Africana e República Democrática do Congo. O Padre Stefaan Lecleir lidera a equipa que está a fazer a tradução.
É mais do que apenas um livro. Em muitas casas, por vezes, é mesmo o único livro que se pode encontrar. Por isso, é sempre muito importante quando há notícia de que se prepara mais uma edição da obra “Deus fala aos seus filhos”, mais popularizada como a “Bíblia das Crianças”. Desta vez, trata-se de uma edição para a língua Pazande, que é falada em regiões do Sudão do Sul, mas também na República Centro-Africana e República Democrática do Congo.
O Padre Stefaan Lecleir, natural de Antuérpia, Bélgica, é o responsável por este projecto fundamental para o combate também ao analfabetismo nesta região de África. No caso concreto da paróquia de Sakure, onde o sacerdote está actualmente em missão, e que pertence à Diocese de Tombura-Yambio, quase 95% da população é analfabeta. Por isso, este livro assume uma importância acrescida pois vai permitir ensinar as crianças a ler e a rezar na própria língua materna.
“Essa abordagem é amplamente adoptada por organizações educacionais. Ler e rezar no próprio idioma tem um impacto positivo e as crianças respondem muito bem”, explicou o sacerdote numa visita recente à sede internacional da Fundação AIS na Alemanha. A equipa responsável pela tradução do livro é constituída por pessoas não só muito empenhadas na vida da comunidade como também são profundamente conhecedoras da língua e da cultura Zande, garantindo assim que qualidade de mais uma edição da “Bíblia das Crianças”.
Para a Igreja, nomeadamente para os catequistas, este livro é uma óptima ferramenta de trabalho, pois alia vertente educativa e aviva a identidade cultural destas crianças, aproximando-as assim mais de Jesus.
VÁRIOS LIVROS TRADUZIDOS
A diocese de Tombura-Yambio é uma das maiores do Sudão do Sul, com 22 paróquias – uma das quais é Sakure – mas com um número muito limitado de sacerdotes. A guerra civil marcou muito a vida comunitária, a tal ponto que sacerdotes e catequistas enfrentam ainda enormes obstáculos na sua missão de serviço à comunidade, pois têm ao seu dispor recursos limitados e muitas vezes infraestruturas danificadas. Tudo o que se puder fazer para facilitar o trabalho da Igreja é sempre bem-vindo.
A ideia de oferecer literatura religiosa na língua local é assumida claramente como uma opção prioritária pelos responsáveis da Diocese. Até ao momento, já foram publicados um missal, um leccionário e um Novo Testamento em Pazande. Estes textos permitem aos fiéis participar mais plenamente na vida litúrgica e oferece uma melhor compreensão das Escrituras, dando assim um grande contributo para a revitalização espiritual da região. É, pois, neste contexto que surgiu a ideia de se avançar também com a publicação de uma Bíblia para Crianças no idioma Pazande.
COMBATER O ANALFABETISMO
O Padre Stefaan Lecleir está no Sudão do Sul desde há três anos. Foi designado para a Paróquia de Sakure, onde atende cerca de 70 mil pessoas em quatro vilarejos e 11 pequenas comunidades. Crianças e jovens são o foco do seu trabalho pastoral. “Temos um centro juvenil e uma escola no coração da paróquia”, explica. O centro promove a oração e a educação, atendendo 23 crianças e jovens entre 13 e 18 anos. Com o apoio da Fundação AIS, foi também recentemente construída uma capela na paróquia.
Já conhecendo o trabalho da AIS, o Padre Stefaan iniciou o projecto para traduzir a “Bíblia das Crianças” para a língua Pazande. “Três falantes nativos de Pazande, incluindo sacerdotes e um director universitário, fizeram a tradução”, conta. Após a tradução, professores nativos reviram o texto em voz alta para garantir fluidez e naturalidade ao livro. Com a aprovação do bispo, a “Bíblia das Crianças” em Pazande foi enviada para a sede internacional da Fundação AIS e está agora em fase de impressão e distribuição.
A maioria dos paroquianos do padre Stefaan Lecleir pertence ao povo Azande e fala Pazande como primeira língua. Ele inclusive celebra missas no idioma local. Embora o inglês seja importante, o missionário acredita que o ensino da leitura deve começar na língua materna.
Aprender a ler no próprio idioma facilita a aprendizagem de outras línguas, como o inglês, pois cria uma base sólida de alfabetização.
Padre Stefaan Lecleir
Além disso, ler na própria língua valoriza a cultura e identidade das crianças. O Padre Stefaan destaca ainda um benefício inesperado da iniciativa para si próprio: “Ensinar as crianças a ler em Pazande também está me ajudando a aprender melhor o idioma. Não há forma mais eficaz de aprender algo do que ensinar…”.
UM PAÍS MARCADO PELA VIOLÊNCIA
O Sudão do Sul ganhou a sua independência sobre o Sudão em 2011, mas na sua curta existência como país tem vivido quase sempre debaixo do drama da violência e da pobreza. Em 2013 eclodiu uma guerra civil que durou até 2018, quando foi firmado um acordo de paz que se tem revelado demasiado frágil.
O Papa Francisco tem procurado promover activamente a paz para este país africano. Sinal disso, foi a visita ao Sudão do Sul em 2023 e encontro, que ficou célebre, anos antes, em 2019, no Vaticano, em que beijou os pés do presidente e do vice-presidente do país, pedindo-lhes que fizessem as pazes.
Além dos projectos ligados à edição de livros como a “Bíblia das Crianças”, a Fundação AIS está muito empenhada no apoio à Igreja local, nomeadamente em projectos relacionados com infraestruturas, mas também ao nível do suporte das dioceses que enfrentam graves problemas humanitários.
A guerra no vizinho Sudão, que teve início em Abril de 2023, tem dado origem à fuga de milhões de pessoas, muitas das quais têm procurado refúgio em campos de deslocados, como é o caso do que existe na Diocese de Malakal. Essa estrutura lançada pela Igreja, tem o apoio da Fundação AIS e foi objecto até, no ano passado, de uma campanha em Portugal, destinada a auxiliar a sobrevivência de cerca de 500 famílias, ou seja, de aproximadamente três mil pessoas, na sua maioria mulheres e crianças.
Paulo Aido e Conn McNally
Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt