A guerra no Sudão está a provocar a mais grave crise humanitária no mundo, com mais de 12 milhões de deslocados, afectando já vários países da região. Um deles é o Sudão do Sul. Ainda recentemente, o Papa alertava para “as consequências dramáticas” que este conflito está a provocar neste país, que é o mais jovem do mundo. Na Diocese de Wau, a Irmã Beta Almendra confirma que estes são “tempos difíceis de fome, guerra e insegurança”, mas, apesar disso, consegue ver sinais de esperança: “Deus não nos abandona”, garante.
Desde Abril de 2023, quando começou a guerra no Sudão, que não tem parado de crescer o número de deslocados, de refugiados, de pessoas que fogem dos combates e procuram abrigo em países da região. Um deles é o Sudão do Sul. As Nações Unidas calculam que mais de 1 milhão de pessoas já cruzaram esta fronteira por causa do conflito armado entre as tropas sudanesas e grupos paramilitares.
No último Domingo de Janeiro, o Papa Francisco alertou para a situação, lembrando que a guerra no Sudão “está a provocar a mais grave crise humanitária do mundo, com consequências dramáticas também no Sudão do Sul”. O Santo Padre apelou à paz, ao fim das hostilidades e exortou a comunidade internacional para “fazer tudo o que estiver ao seu alcance” para que a ajuda humanitária chegue às pessoas deslocadas.
A situação é grave e a Irmã Elisabete Almendra, uma comboniana portuguesa de 53 anos de idade, é testemunha disso. A religiosa, oriunda da Ericeira, Patriarcado de Lisboa, está na Diocese de Wau. “O ano começou com grandes conflitos, grandes actos de violência porque a guerra continua no Sudão e esta guerra tem consequências aqui no Sudão do Sul”, explica, dando o exemplo do que se passa na diocese. “Aqui, em Wau, não temos campos de refugiados como noutros lugares no Sudão do Sul. A estas pessoas que vieram do Sudão – e temos imensa gente –, podemos chamá-los de retornados, porque primeiro estavam aqui, fugiram da guerra daqui, do Sudão do Sul, e foram para o norte, e agora, vêm do norte para o sul porque há guerra por lá…”
FAMÍLIAS ACOLHEM REFUGIADOS
São milhares de pessoas assim, fugindo de um lado para o outro, fugindo da guerra, da violência e da morte. Na Diocese de Wau, diz a Irmã, não há campos de acolhimento para estes refugiados, mas há a solidariedade do povo, das famílias que abrem, mesma na maior pobreza, as portas das suas casas. “Uma casa que tinha 10 pessoas, ficou com 15, com vinte pessoas…” Alojam-se como podem, pelos cantos da casa, pelos terrenos.
Esta solidariedade tem ainda mais valor pois acontece “num tempo muito difícil, de insegurança”, em que, recorda a Irmã Almendra, o Estado deixou de pagar salários.
O governo não paga salários há 18 meses, salários públicos… As escolas públicas não funcionam, a universidade, os hospitais… o que funciona é a Igreja Católica e outras instituições e organizações não-governamentais, que vão ajudando este povo a sobreviver.
Irmã Elisabete Almendra
A situação dos refugiados no Sudão do Sul é acompanhada com preocupação pela Ajuda à Igreja que Sofre. Na Diocese de Wau, onde se encontra a Irmã Elisabete Almendra, não há nenhum campo de acolhimento, ao contrário do que acontece por exemplo em Malakal. Aí, a estrutura lançada pela Igreja para os que fogem da guerra no Sudão tem o apoio da Fundação AIS e foi objecto até, no ano passado, de uma campanha em Portugal, destinada a auxiliar a sobrevivência de cerca de 500 famílias, ou seja, de aproximadamente três mil pessoas, na sua maioria mulheres e crianças.
CONTINUAR O PROCESSO DE PAZ
A vida no Sudão do Sul é muito difícil. A história do mais jovem país do mundo – a independência foi proclamada a 9 de Julho de 2011 – está marcada também pela violência e sofrimento. Uma desavença política entre o presidente Salva Kiir e o então vice-presidente Riek Machar transformou-se, em 2013, num conflito aberto que degenerou também em guerra. As origens dos dois dirigentes ajudarão a explicar um pouco o que aconteceu, pois Kiir pertence à etnia dinka e Machar ao povo nuer, as duas principais etnias do Sudão do Sul.
No início de Fevereiro de 2023, há precisamente dois anos, o Papa visitou o Sudão do Sul acompanhado pelo então líder da Igreja Anglicana, o Arcebispo de Cantuária, Justin Welby, e de Jim Walace, da Igreja Presbiteriana da Escócia. A visita foi muito importante pois trouxe para a ordem do dia a necessidade da paz e da reconciliação e permitiu, por isso, alimentar todas as ilusões para esta jovem nação africana.
Passaram dois anos e o futuro continua incerto. Mas apesar de todas as dificuldades, é sempre possível olhar para o dia de amanhã com esperança. É a certeza da fé, diz-nos a Irmã Elisabete Almendra. “Vivemos com esperança, a esperança de que Deus nunca nos abandona, isso realmente é a nossa fé e a nossa certeza: Deus não nos abandona mesmo nestas dificuldades, nestes tempos difíceis de fome, de guerra, de insegurança, mas há coisas lindas a acontecer e há a presença de Deus em cada um de nós e em cada irmão e irmã que encontramos, que ajudamos, que abraçamos, e é esta a vida aqui no Sudão do Sul. Realmente precisamos muito das vossas orações para continuarmos neste processo de paz, de desenvolvimento, e que possamo-nos ajudar uns aos outros e a construir realmente um mundo melhor, um mundo mais fraterno, um mundo cheio de amor”, concluiu a Irmã na mensagem enviada para a Fundação AIS em Lisboa.
Paulo Aido | Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt