NIGÉRIA: “Em muitos casos, os membros da Igreja são o primeiro alvo” dos terroristas, diz responsável de projectos da AIS

Após o massacre de Natal, com quase 200 cristãos assassinados na Diocese de Pankshin, na Nigéria, Kinga von Schierstaedt, responsável de projectos da Fundação AIS para este país de África, falou com o semanário católico espanhol Alfa & Omega, e destacou a importância da ajuda à comunidade cristã local, que enfrenta, desde há vários anos, um dos mais temíveis grupos terroristas da actualidade e também a violência de gangues armados que espalham o terror entre as populações.

Quase duas centenas de cristãos foram “sumariamente mortos” por militantes Fulani que atacaram 26 aldeias no estado de Plateau, no centro da Nigéria, entre os dias 23 e 26 de Dezembro. A violência foi enorme. Casas e colheitas foram destruídas, as igrejas e os postos de saúde incendiados.

Ainda no rescaldo deste ataque que surpreendeu pela dimensão da violência, a responsável de projectos da Fundação AIS para a Nigéria, Kinga von Schierstaedt, falou com o semanário espanhol católico Alfa & Omega sobre a importância do trabalho e da missão da fundação pontifícia no apoio à Igreja deste país onde actua, especialmente no nordeste, um grupo terrorista, o Boko Haram, que se tem revelado como uma ameaça existencial para a comunidade cristã. Mas não só. Outros grupos terroristas estão também em actividade.

Nessa região do país, militantes do Boko Haram e do Estado Islâmico da África Ocidental (ISWAP) praticam violência há quase 15 anos. No entanto, em Maiduguri, onde foi criado o Boko Haram, a situação tornou-se menos tensa nos últimos dois ou três anos devido à diminuição dos ataques e das mortes. Muitas pessoas, mas não todas, conseguiram regressar às suas terras e a cidade de Maiduguri está segura. Mas ainda existem locais nas zonas rurais onde não é assim.”

“Segundo o Governo, entre 80 mil e 85 mil membros do Boko Haram arrependeram-se (incluindo esposas e filhos) e entregaram as suas armas. Eles vivem em três campos especiais. O desarmamento foi implementado pelo Governo anterior, mas ainda hoje continuam a render-se. Contudo, algumas organizações presentes no Nordeste pensam que os que saíram podem representar apenas um terço dos membros. Não há números oficiais. A isto acrescenta-se que as campanhas militares deslocaram os combatentes para alguns pontos nas margens do Lago Chade (onde o ISWAP é mais activo), para o coração da floresta de Sambisa (onde o Boko Haram é mais activo) e para algumas aldeias”, diz ainda Kinga von Schierstaedt.

OUTRAS AMEAÇAS AOS CRISTÃOS

Este é o retrato da ameaça terrorista essencialmente no nordeste do país. Mas, infelizmente, como se viu agora no Natal, com o massacre de quase duas centenas de cristãos na Diocese de Pankshin por militantes fulani, a ameaça é mais vasta e inclui ainda o sequestro de membros da Igreja, fenómeno que tem vindo a ganhar uma dimensão preocupante nos últimos tempos.

No final do ano passado, a Fundação AIS fez um levantamento sobre os casos conhecidos e constatou que, até ao dia 13 de Novembro, ascendia já a 23 o número total de padres, religiosas e seminaristas raptados ao longo de 2023, o que permitia concluir que esta é, de facto, uma das maiores ameaças à segurança do clero e dos religiosos neste país africano. Dos 23 raptados, um acabaria por ser brutalmente assassinado e os outros 22 libertados.

“Embora os sequestros tenham aumentado extremamente em todo o país nos últimos sete anos, a maior concentração está no noroeste e no norte”, explica Kinga. “Os resgates que obtêm, alguns deles enormes, tornaram-se uma forma de negócio para gangues criminosos, uma maneira fácil e confortável de ganhar dinheiro. Nem sempre é fácil determinar a razão exacta de um rapto, quer seja obra de islamitas ou de grupos armados por interesses políticos ou económicos”, acrescenta ainda a responsável de projectos da AIS.

“Poderemos ficar tentados a dizer que a maioria dos casos no Norte – onde os cristãos são perseguidos são de motivação religiosa, enquanto na cintura central [Middle Belt], com os seus conflitos tribais, as causas são mais políticas ou culturais e, no Sul, puramente criminosas. Mas seria demasiado fácil e não reflectiria a realidade. Há relatos de ligações entre criminosos armados e grupos terroristas islâmicos por razões económicas”, diz ainda Kinga ao semanário espanhol.

Patricia Hissa de Goza (na cadeira) dá o seu testemunho, no campo de deslocados em Dalmari: Quando o Boko Haram chegou à sua aldeia, fugiu com o bebé às costas. Voltou mais tarde para salvar os outros filhos, que demorou dois dias a encontrar. Voltou a reunir-se com o marido enquanto fugia para Yola. Querem regressar assim que for seguro, pois não vêem futuro aqui.

AS RAZÕES DA VIOLÊNCIA

Toda esta violência tem uma explicação complexa, que vai desde a crise económica até a questões ambientais, como o que tem levado ao confronto criminoso dos pastores nómadas fulani com os agricultores cristãos e que resultou no massacre de quase duas centenas de pessoas na Diocese de Pankshin.

“Os nossos parceiros no terreno explicam-nos que esta realidade dramática é o resultado de muitos factores diferentes: económicos, como a inflação elevada; ambiental, levando ao confronto entre pastores e agricultores, e políticos, com a alta tensão antes das eleições presidenciais do ano passado. Isto conduz a um elevado grau de frustração entre os civis, alguns deles sem formação, o que, juntamente com condições de vida muito precárias, facilita o recrutamento de pessoas por terroristas e grupos criminosos. Outra razão frequentemente citada é o fracasso do Governo em resolver esta situação. Segundo algumas fontes cristãs, isso deve-se principalmente à corrupção e à falta de vontade ou apatia dos políticos para acabar com o conflito”, explica a responsável de projectos da Fundação AIS para a Nigéria.

“Não confiam nas autoridades políticas nem acreditam que delas se possa esperar qualquer melhoria”, acrescenta. Tudo isto, toda esta violência tem tido um impacto enorme na vida da Igreja neste país que é o mais populoso de África.

A Igreja e o seu pessoal sofrem o mesmo que o resto [do país] e, em muitos casos, são mesmo o primeiro alvo. Por outro lado, a Igreja Católica procura estar presente ‘onde Deus chora’ e enxugar as lágrimas de quem sofre. Quando perguntei a um bispo de uma área com muita violência e sequestros se não era perigoso para os seus padres viver em áreas tão remotas, ele disse-me: ‘Se os nossos paroquianos ficam nas aldeias, como podemos pedir aos padres que venham para uma cidade mais segura e abandoná-los lá? Que imagem da Igreja daríamos?’ Ele falou com todos os seus sacerdotes sobre o risco e os seus medos, mas todos concordaram em permanecer nas aldeias, apesar do risco diário. Eles veem que sua missão é ficar com quem sofre.”

O APOIO ESSENCIAL À IGREJA

Por tudo isto, é absolutamente relevante a ajuda que instituições como a Fundação AIS dão à Igreja nigeriana. Até porque os padres e as religiosas são, muitas vezes, as únicas pessoas que, no terreno, conseguem apoiar as populações vítimas dos ataques terroristas, populações que precisam de auxílio até ao nível psicológico.

“Em muitos lugares do Norte não há psicólogos ou psicoterapeutas. Mas há milhares e milhares de pessoas profundamente feridas e traumatizadas e é a Igreja, os padres e as irmãs, que devem intervir e tentar curar as suas feridas. E quem está mais bem preparado do que eles? Eles sabem combinar espiritualidade e fé profunda com psicologia e compreensão de como funciona a alma humana. Isso abre a porta para a cura”, explica ainda a responsável de projectos da Fundação AIS.

Um dos encontros mais impressionantes que tive na vida foi quando conheci algumas viúvas em Maiduguri. Os seus maridos foram assassinados das formas mais horríveis, muitos deles na frente delas. E estas mulheres, muito simples, que não tinham frequentado o ensino secundário, disseram-me: ‘O Boko Haram pode tirar-nos tudo: as nossas casas, as nossas igrejas, os nossos maridos e os nossos filhos. Eles podem até tirar nossas vidas, mas não podem tirar nossa fé’. E dizem-no com uma fé muito profunda, que lhes permite continuar a dizer sim à vida dia após dia, apesar dos desafios”

O apoio da Fundação AIS à Igreja da Nigéria, explica a responsável de projectos, “depende um pouco de cada diocese”. “No Norte, onde os cristãos são perseguidos e o Boko Haram destruiu muitas igrejas e casas de padres, recebemos muitos pedidos para reconstruir infra-estruturas destruídas. Mas também nos enchemos de alegria e de esperança pelo facto de recebermos tantos pedidos para contribuir na formação dos seminaristas. Apesar do perigo, as vocações crescem no norte do país e muitos jovens descobrem a sua chamada ao sacerdócio sabendo o que isso significa: arriscar a vida. Da faixa central recebemos projetos de uma Igreja que tem de lidar com muitos deslocados internos e, portanto, enfrenta muita pobreza e sofrimento. E do Sul recebemos pedidos de iniciativas relacionadas com o aprofundamento da fé, por exemplo através do financiamento de material para catecismo ou oficinas de pastoral familiar”, diz Kinga.

No total, no ano passado, acrescenta a responsável, a Fundação AIS financiou, em média, “entre 120 e 145 projectos” que ascendem a “mais de dois milhões de euros”. “Em 2022, o maior montante foi destinado a projectos de construção, tanto de reconstrução como de novas construções, porque a fé está a crescer. Também distribuímos muitos estipêndios de missa, que ajudam os padres nas áreas rurais a sobreviver. A AIS contribuiu para a formação de seminaristas, noviças e também leigos. Estamos tremendamente gratos a tantos doadores em todo o mundo que tornam isto possível”, disse ainda.

Paulo Aido | Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt

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