Foi uma batalha jurídica que durou cerca de dois anos. A população não queria, mas, no final, venceu a Lei da Laicidade do Estado que obrigou à retirada de uma estátua da Virgem Maria do espaço público em Flotte-de Ré. No entanto, noutro local de França, em Sables-d’Olonne, a autarquia local conseguiu contornar uma decisão semelhante perante uma outra estátua, do Arcanjo São Miguel. Nesse caso, apesar da decisão do Tribunal, a vontade popular foi, de alguma forma, respeitada.
A estátua da Virgem Maria que estava colocada em Flotte-en Ré, foi retirada do local a 30 de Outubro por decisão do Conselho de Estado.
Apesar de toda a mobilização que este caso provocou – cerca de vinte mil pessoas subscreveram a petição para que a imagem da Virgem pudesse permanecer no local – tendo havido até a criação de uma associação, a “não mexam na estátua”, acabou por vencer o lado legalista que impõe a retirada de símbolos religiosos do espaço público por incompatibilidade com a Lei da Laicidade do Estado.
Este caso remonta a 12 de Janeiro, quando o Tribunal Administrativo de recurso de Bordéus ordenou a remoção da estátua, secundando a decisão tomada em Março do ano passado pelo tribunal administrativo de Poitiers.
Tudo teve início numa queixa apresentada por uma associação de defesa do laicismo, que contestou a existência de uma imagem religiosa no espaço público o que contraria a lei de 1905 sobre a separação da Igreja e do Estado. A estátua de Nossa Senhora foi erigida em 1945 por uma família em reconhecimento pelo regresso, sãos e salvos, de um pai e de um filho que combateram na Segunda Guerra Mundial.
UM CASO DIFERENTE
No entanto, por vezes a vontade popular consegue contrariar a Lei da Laicidade. Foi o que aconteceu em Sables-d’Olonne. Em Abril, a autarquia local foi intimada a retirar a estátua do Arcanjo São Miguel do lugar onde se encontrava, um espaço público frente à igreja local. Era a consequência também aqui da aplicação da lei da laicidade.
Mas, em resultado da vontade da autarquia que assumiu a luta pela manutenção deste símbolo religioso contra “os ayatollahs do laicismo” em França, a estátua acabou por permanecer quase no mesmo sítio, mas num terreno adjacente.
Tal como a Fundação AIS noticiou em Abril deste ano, a autarquia tinha apresentado um recurso para o Conselho de Estado, o mais alto tribunal administrativo francês, para impedir a remoção da estátua mas essa pretensão foi indeferida.
Vencidos, mas não convencidos, os responsáveis autárquicos decidiram contornar esta decisão, avançando com um plano alternativo, um ‘plano B’, como explicou, no final de Agosto, a revista Família Cristã.
O presidente da Câmara, fervoroso defensor da manutenção da estátua de Saint-Michel em frente à sua igreja, vendeu à paróquia um terreno de 53 m2 onde, para além da estátua, será instalada uma rampa para pessoas com mobilidade reduzida.”
ESTUPEFAÇÃO E REVOLTA
Esta polémica teve início em 2021 com uma queixa apresentada pela Federação do Livre Pensamento de Vendée, que em Novembro desse ano fez um apelo ao tribunal pedindo a retirada da estátua de São Miguel Arcanjo e invocando para isso a lei da laicidade.
O tribunal tomou a primeira decisão semanas depois, em 16 de Dezembro, e nesse mesmo dia o presidente da autarquia decidiu que iria recorrer da sentença, tendo convocado também um referendo para que a população local tivesse oportunidade para se exprimir sobre esta polémica. Nessa consulta, que decorreu entre os dias 25 de Fevereiro e 5 de Março do ano passado, 94,5 % dos populares [4.593 votos] manifestaram-se pela permanência da estátua, que estava colocada frente à Igreja que tem o nome do arcanjo.
Não obstante este resultado, o Tribunal Administrativo de Nantes confirmou, a 16 de Setembro de 2022, a decisão que obriga a retirar do espaço público a imagem de São Miguel Arcanjo. O recurso da autarquia para o Conselho de Estado não conseguiu alterar nada. No passado dia 7 de Abril, que coincidiu com a Sexta-Feira Santa, o Conselho de Estado rejeitou o recurso colocando um ponto final na disputa judicial.
Yannick Moreau, presidente da câmara municipal local, manifestou de imediato estranheza e revolta por esta decisão. Num comunicado de Imprensa, o autarca disse que, “como presidente da câmara”, não iria “contestar a decisão do mais alto tribunal administrativo” de França, mas que, “como eleito empenhado” tinha de dizer que estava “estupefacto e revoltado”.
Yannick Moreau prometeu, no entanto, que iria encontrar uma solução para que a estátua possa permanecer no bairro em frente à igreja de Saint-Michel. Essa solução foi encontrada com a venda à Igreja de um terreno onde agora a estátua pode permanecer ao abrigo da Lei da laicidade.
ACTOS DE VANDALIZAÇÃO
Estes casos, que atingem de alguma forma a sensibilidade da comunidade cristã francesa, ocorrem num tempo em que se verificam um pouco por todo o país, actos de vandalização em igrejas, a que não escapou sequer, em Janeiro, o santuário de Nossa Senhora de Fátima, que congrega a comunidade portuguesa na capital, e que foi alvo de uma tentativa de incêndio.
Segundo dados do Ministério do Interior foram cometidos 1.659 actos anti-religiosos em França em 2021, incluindo 857 actos anticristãos. Esta aparente crescente onda de insegurança levou mesmo recentemente um grupo de autarcas a apresentar à edilidade da capital francesa algumas propostas para a protecção dos edifícios religiosos não só pela polícia municipal, mas também pela polícia nacional. Uma das ideias passa, por exemplo, pela utilização de câmaras de vigilância nas igrejas.
Paulo Aido | Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt