O responsável pelo Departamento da Pastoral da Migração da Igreja Ucraniana Greco-Católica veio a Portugal para participar no lançamento da Campanha da Quaresma de apoio à Igreja no seu país. Em entrevista à Fundação AIS, o prelado fala no trabalho dos padres e das irmãs no meio da guerra, destaca a religiosidade do povo ucraniano e acredita que Nossa Senhora de Fátima vai ajudar a “vencer esta guerra contra o mal”. D. Stepan Sus alerta para o risco de uma III Guerra Mundial e agradece toda a solidariedade dos benfeitores da Ajuda à Igreja que Sofre que, desde a primeira hora, têm estado ao lado do sofrido povo ucraniano nesta hora tão negra da sua história.
Estamos já no terceiro ano de guerra na Ucrânia. A minha pergunta é: como é ser bispo num país em guerra?
A situação de guerra é um grande desafio para toda a gente e também para a Igreja. Em primeiro lugar os líderes religiosos, os bispos, os padres, as religiosas, os monges, e eu próprio, todos nos damos a toda a gente porque abrimos as nossas igrejas às pessoas necessitadas.
Não perguntámos a ninguém, “Vais à igreja?” ou “Acreditas em Deus?”. Tentamos apenas ser pais, bispos, bons amigos, irmãos de todas as pessoas que precisam, que estão a sofrer, que estão sozinhas, que estão desalojadas por causa da guerra.
Penso que muitas pessoas se abriram à Igreja e à fé em Deus de uma forma nova, porque compreenderam que a Igreja não é apenas o lugar de oração, mas o lugar onde se pode encontrar abrigo, carregar o telemóvel, obter uma refeição, pão e todos os bens que são tão necessários durante a guerra, quando estão sob bombardeamento e são necessitadas.
Agradeço a Deus por estarmos dispostos a mudar de atitude para com as outras pessoas e por tentarmos realmente mostrar a verdadeira face de Deus às pessoas necessitadas.
Acredita que existe mais espiritualidade no povo Ucraniano por causa da guerra?
Claro que sim. Dizemos que durante a guerra não há ateus, quer entre os que estão na linha da frente, quer entre os que vivem nas cidades, os civis.
A guerra é um tempo em que se colocam muitas questões existenciais. Tentamos compreender porque é que os nossos familiares foram mortos por mísseis russos, porque é que a nossa casa foi destruída, porque é que os nossos amigos perderam os filhos, porque é que os nossos pais tiveram de fugir e ser refugiados no séc. XXI, em plena Europa, depois de dois anos de sofrimento devido à COVID-19, quando as pessoas começaram a recuperar a sua vida e a gostar de viver num mundo pacífico e a construir relações, a tentar ser felizes, a criar novas famílias, a construir novas igrejas ou a encontrar diferentes métodos de trabalhar com as pessoas e tornar este mundo melhor.
Em todas estas necessidades normais e humanas, vemos a realidade da guerra que está a destruir tudo e vemos o rosto do mal. Às vezes perguntamos qual é a aparência do mal. Às vezes o mal tem um rosto humano.
Será o rosto dos soldados russos?
Não sabemos, mas podemos imaginar que o rosto do mal é o rosto da pessoa que vem até nós, à nossa casa, para destruir a paz, roubar os bens mais necessários e matar a nossa família. E hoje, para nós, é importante não nos permitirmos aceitar esse mal. Por isso, apesar de tudo o que vem com a guerra e nos desilude e nos faz sofrer, não podemos ser como os nossos inimigos.
Durante a guerra, aqueles que estão a sofrer têm de ser seres humanos. Têm de fazer tudo para manter o rosto humano, o rosto da pessoa que viu tanto sofrimento e tantas coisas más, que viu o rosto do mal, mas que, ao mesmo tempo, decidiu ficar do lado do bem e de Deus.
Como interpreta hoje a mensagem de Nossa Senhora de Fátima aos três pastorinhos, quando falou da necessidade de rezar para que a Rússia se convertesse. Como é que interpreta hoje essa mensagem?
Compreendemos que a Virgem Maria em Fátima sabia mais do que nós sabemos agora. Nas primeiras semanas desta guerra, confiámos e colocámo-nos sob a proteção da Virgem Maria de Fátima, toda a nação ucraniana. Fizemos uma oração comum em todas as igrejas da Ucrânia, pedindo à Virgem Maria que estivesse connosco e nos ajudasse a encontrar a solução, de modo a que a paz pudesse regressar à Ucrânia.
Ao mesmo tempo, estamos a rezar pelos nossos inimigos. Compreendemos que não podemos alterar as fronteiras entre a Ucrânia e a Rússia. Compreendemos que os russos serão nossos vizinhos durante os próximos séculos. Mas queremos perceber porque é que eles começaram esta guerra e qual é a razão para esta guerra estúpida de hoje.
Quando percebemos que as armas que estamos a usar para nos defendermos não são suficientes, acreditamos verdadeiramente na oração, na devoção à Virgem Maria e na oração com a Virgem Maria, porque Nossa Senhora de Fátima ainda está a segurar o Rosário nas suas mãos, ainda está a rezar por todas as nações, tanto pela Ucrânia como pela Rússia, apenas para pedir ao seu Filho que pare esta guerra e que ajude a curar as feridas das pessoas que sofrem com a guerra e que afaste o mal das nossas vidas.
Esperamos e acreditamos que a Virgem Maria de Fátima nos ajudará a derrotar e a vencer esta guerra contra o mal.
D. Stepan Sus
Poderemos estar na véspera de uma Terceira Guerra Mundial?
Claro que vemos que tudo pode causar uma nova guerra na Europa e no mundo inteiro, e esperamos que esses sentimentos estejam errados e nunca se concretizem, mas quando vemos o comportamento, as atitudes da Rússia em relação aos outros actualmente, percebemos que ela não vai parar até à ocupação da Ucrânia.
Querem mudar a história da Europa, a história após a Segunda Guerra Mundial, querem reescrever ou corrigir os erros, de acordo com as diferentes declarações feitas pelas autoridades russas. Querem reescrever muitas coisas.
É muito perigoso quando as pessoas no séc. XXI começam a pensar em mudar a história actual e querem mudar essa história usando armas, matando pessoas, destruindo a paz e a vida de mulheres e crianças.
Qual é a importância desta campanha da Fundação AIS, aqui em Portugal e em todo o mundo, para apoiar a Igreja na Ucrânia? Como é que vocês, na Ucrânia, vêem esta campanha aqui em Portugal?
Para nós, todo o apoio e toda a ajuda são muito importantes, porque há muitas igrejas, mosteiros e locais religiosos que foram destruídos por mísseis russos ou drones iranianos e precisamos de restaurar, precisamos de reconstruir todas essas igrejas e locais.
Também durante a guerra abrimos as portas de todos os mosteiros e igrejas, tal como foi feito em Portugal e noutros países para os refugiados. Ainda temos refugiados ucranianos internos que se deslocaram do leste da Ucrânia para a região central ou para o oeste, por isso precisamos de alimentar estas pessoas, dar-lhes refeições, comida e todas as coisas necessárias.
Precisamos de restaurar as igrejas ou de construir algo novo para mulheres, crianças e órfãos, pessoas necessitadas, como abrigos e locais temporários onde possam ficar quando as suas casas, cidades ou aldeias onde viviam anteriormente estiverem sob ocupação. Essas pessoas não podem regressar a casa. Têm de ficar nalgum sítio.
Normalmente, para muitas dessas pessoas, os nossos mosteiros e igrejas tornam-se os locais onde podem ter essa protecção e abrigo. Assim, o apoio da Fundação AIS e todos os projectos que são chamados a apoiar ajudam as pessoas necessitadas na Ucrânia e também nos ajudam a curar as feridas das pessoas que estão a sofrer com a guerra, especialmente mulheres e crianças, e pessoas mais idosas ou que precisam de alguma assistência e apoio especiais.
O sucesso desta campanha depende dos nossos benfeitores. Por isso, peço-lhe que dirija uma palavra aos nossos benfeitores aqui em Portugal.
Caros benfeitores que apoiam a Fundação AIS aqui em Portugal e que, desta forma, estão a apoiar a Ucrânia. Gostaria de expressar a minha gratidão a todos, a todos vós. Obrigado por estarem com os Ucranianos, a nação ucraniana e os Católicos ucranianos nesta Via Sacra Ucraniana especial.
Para nós, é muito importante ver, durante esta Via Sacra, pessoas que estão dispostas a estar ao nosso lado, pessoas que estão dispostas a apoiar-nos na reconstrução dos nossos mosteiros e igrejas, a curar as feridas da guerra, que foram causadas pela guerra, e também a ajudar as pessoas necessitadas, mulheres e crianças.
Obrigado pela vossa generosidade. Obrigado por tudo o que estão a fazer pela Ucrânia para acabar com esta guerra, pelas vossas orações, pelo vosso apoio material, pela vossa abertura e por estarem prontos a apoiar a Ucrânia e o povo Ucraniano em necessidade.
Que Deus vos conceda e vos enriqueça, a vós e às vossas famílias, com as Suas graças, e que a Virgem Maria, Mãe de Deus, que reza permanentemente por todos nós em Fátima, nos acompanhe na nossa Via Sacra, dando-nos força e ajudando-nos a chegar ao dia da vitória, que é o dia da ressurreição de Jesus, quando todos juntos celebraremos com alegria. Não estamos sós, mas Deus está sempre connosco. Obrigado.
Paulo Aido | Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt