O Centro Nicaraguense dos Direitos Humanos denuncia repressão do governo de Daniel Ortega e diz que, este ano, sem as procissões, a Semana Santa ficará “incompleta, mutilada…”. Entretanto, a ONU decidiu prologar por mais dois anos o mandato de peritos internacionais que já denunciaram “crimes contra a humanidade” na Nicarágua…
São muitos os exemplos denunciados pelo Centro Nicaraguense de Direitos Humanos [CENIDH] de cerimónias religiosas proibidas pelo governo de Daniel Ortega nesta Semana Santa. Na sua página na Internet, esta organização de defesa dos direitos humanos enumera algumas das situações em que as comunidades cristãs já se viram impedidas de realizar as tradicionais procissões da Semana Santa. Isso aconteceu, segundo o CENIDH, em León, San Benito de Palermo, Grenada ou Masaya, por exemplo, mas houve também outro tipo de repressão, como a ameaça de detenção de um sacerdote que manifestou apoio ao Bispo de Matagalpa, condenado a 26 anos e quatro meses de prisão. Foi o que ocorreu, por exemplo, com o Padre Pedro Méndez, que, segundo o CENIDH, promoveu uma jornada de jejum por D. Rolando Álvarez. Por tudo isto, o Centro Nicaraguense dos Direitos Humanos afirma que a Semana Santa deste ano, sem as procissões, que são uma manifestação da religiosidade popular, “ficará incompleta, mutilada”, e que tudo isto representa uma “flagrante violação da liberdade de consciência, religião e expressão”. E acrescenta: “O regime de Daniel Ortega quer destruir o mais sagrado e solene do povo: a sua fé cristã e as suas tradições”.
Resolução da ONU
Entretanto, na passada segunda-feira, dia 3 de Abril, a ONU aprovou por mais dois anos a extensão do mandato dos peritos internacionais que estão a investigar a situação de direitos humanos na Nicarágua. Este mandato chegava agora ao fim e era necessária a votação de uma resolução para prolongar esse trabalho. No mês passado, recorde-se, este grupo de peritos apresentou um relatório em que se denunciam “violações de direitos humanos que configuram crimes contra a humanidade”, e que estão a ser cometidos “contra civis na Nicarágua”. Segundo o relatório, as alegações de abusos, que incluem “execuções extrajudiciais, prisões arbitrárias, tortura, privação arbitrária da nacionalidade e do direito de permanecer em seu próprio país”, não são casos isolados, mas sim “o produto deliberado do desmantelamento de instituições democráticas e da destruição do espaço cívico-democrático”. Um dos relatores independentes, Jan Simon, disse que essas violações estão a ser cometidas “de forma sistemática e configuram crimes contra a humanidade de assassinato, encarceramento, tortura, violência sexual, deportação e perseguição política”.
Igreja sem embaixada
Um dos alvos principais da repressão das autoridades de Manágua é a Igreja Católica. No mês passado, a Santa Sé deixou, inclusivamente, de ter representação diplomática na Nicarágua com a saída do encarregado de negócios. O fecho da sede diplomática foi pedido pelas autoridades de Manágua que há um ano, recorde-se, já tinham expulsado o núncio apostólico. O encerramento representação do Vaticano fora pedido pelo governo nicaraguense a 10 de Março na sequência de declarações do Papa Francisco a um ‘site’ argentino. Nessa entrevista, o Santo Padre fala do “desequilíbrio da pessoa que lidera” a Nicarágua, referindo-se a Daniel Ortega, e descreve o país como sendo uma “ditadura grosseira”, comparando-a à tirania soviética de 1917 e à de Hitler, em 1935. Com a saída do último representando do Vaticano da Nicarágua, o edifício da Nunciatura Apostólica e os seus bens e arquivos foram confiados à representação italiana, de acordo com a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas. O fecho da embaixada é o culminar do afastamento nas relações entre os dois Estados, depois de há um ano, a 12 de Março de 2022, o núncio apostólico, ou seja, o embaixador do Vaticano, D. Waldemar Stanislaw Sommertag, ter sido expulso do país.
Medidas repressivas
As medidas repressivas contra a Igreja parecem imparáveis. Além da proibição, nesta Semana Santa, das procissões nas ruas, as autoridades da Nicarágua decidiram também o encerramento de duas universidades católicas, a de São João Paulo II e a Autónoma Cristã da Nicarágua e também da Fundação Mariana de combate ao Cancro e de dois escritórios da Caritas. Este clima de perseguição tem afectado também as congregações religiosas. Um dos casos mais recentes é o das Trapistas e de um grupo de irmãs de Porto Rico, que decidiram também deixar o país devido à pressão das autoridades. As religiosas da Congregação das Irmãs Trapistas da Nicarágua informaram no dia 1 de Março, na sua página oficial no Facebook, que deixavam “voluntariamente o país”, rumo ao Panamá, mas que permanecerão “sempre unidas na oração, na amizade e no amor que o Senhor nos deu nestes 22 anos”. Estas religiosas entraram assim na longa lista das vítimas das medidas repressivas tomadas pelo governo de Daniel Ortega contra a Igreja Católica. Anteriormente, recorde-se, as autoridades já tinham provocado a saída das Missionárias da Caridade, a congregação fundada pela Santa Madre Teresa de Calcutá, assim como de outros religiosos e sacerdotes, e provocado também o encerramento do canal de televisão da Conferência Episcopal e de outras seis estações de rádio católicas. Agora, foi a vez de a Santa Sé deixar também o país com o encerramento da representação diplomática…