Em Setembro de 2022, os jihadistas que atormentam Cabo Delgado entraram na Diocese de Nacala, assassinaram a Irmã Maria de Coppi, uma religiosa italiana de 83 anos, e destruíram a missão de Chipene. Passaram já quase dois anos e meio, mas não só ninguém a esquece como o povo já a considera santa, garante, à Fundação AIS, D. Alberto Vera. Moçambique vive actualmente tempos de incerteza, com a ameaça terrorista e a revolta por causa dos resultados eleitorais, mas por ali cresce a fama de santidade não só desta religiosa como de um catequista martirizado há 30 anos, em plena guerra civil…
A Irmã Maria de Coppi e o catequista Cipriano são dois mártires que o povo de Moçambique já santificou. Ambos foram assassinados em contextos de muita violência. A religiosa italiana, de 83 anos de idade, foi morta a tiro num ataque violento de um grupo jihadista à missão de Nacala na noite de 6 de Setembro de 2022. O catequista foi martirizado à catanada a 28 de Agosto de 1984, por guerrilheiros da Renamo, num dos episódios mais cruéis da longa guerra civil neste país africano de língua oficial portuguesa.
Foram 16 anos de terror que causaram, entre 1977 e 1992, cerca de 1 milhão de mortos. Um deles foi Cipriano. A Irmã e o catequista são hoje, especialmente na Diocese de Nacala, onde ambos perderam a vida, lembrados com um fervor que não deixa ninguém indiferente. Nem o Bispo. De passagem por Portugal, D. Alberto Vera diz à Fundação AIS que há mesmo um culto popular que tem crescido com o passar do tempo.
Ambos são profundamente queridos, lembrados, e até já têm culto, com peregrinações a ambos os túmulos por pessoas que vão [até lá] com frequência para rezar, e por isso é necessário que comecemos com estes processos e sobretudo porque são dois mártires, dois grandes mártires.
D. Alberto Vera
Recentemente, em Setembro do ano passado, os bispos de Moçambique estiveram no Vaticano em visita ‘ad limina’ e estes casos foram abordados. Neste momento, explica D. Alberto Vera, o processo da Irmã Maria de Coppi aguarda pelos cinco anos necessários para prosseguir, o que acontecerá em 2027.
Em relação ao catequista Cipriano, a vontade é de fazer o seu processo avançar este ano, tanto mais que já passaram 40 anos desde a sua morte. “E ele morreu na defesa da fé e da verdade”, esclarece o Bispo. “Cipriano foi um catequista da cabeça aos pés e é ainda hoje exemplo para os nossos catequistas, nos quais se fundamenta a Igreja de Moçambique”, diz D. Alberto Vera. “A maioria das comunidades vivem graças aos catequistas e ele é um exemplo de bom catequista, de santo catequista. E a Irmã é um exemplo de mãe, de uma boa mulher, de uma santa mulher que esteve sempre muito próxima ao povo e o povo sente a sua perda de coração, sente que a Irmã Maria de Coppi realmente é uma santa”, acrescenta.
PROTESTOS POPULARES ALIMENTADOS PELOS JIHADISTAS
As histórias destes dois mártires a que o povo cristão de Moçambique já presta culto espontaneamente, são um sinal de esperança num país que tem vivido tempos muito duros, especialmente nos últimos meses. Houve eleições gerais, a 9 de Outubro, mas os resultados oficiais, que deram a vitória aos candidatos da Frelimo – no poder há meio século –, desencadearam uma onda de protestos e de violência já com mais de 300 mortos e muita destruição.
Além disso, dois ciclones atingiram, em Dezembro e agora em Janeiro, a região norte do país, deixando atrás de si também uma imensa desolação e mais de uma centena de vítimas. A somar a tudo isto, os grupos jihadistas, que operam especialmente na província de Cabo Delgado, continuam a lançar ataques mantendo as populações aterrorizadas.
Tudo isto preocupa muito D. Alberto Vera. O prelado suspeita mesmo que muitas das manifestações convocadas pelo candidato Venâncio Mondlane, que ficou em segundo lugar nas eleições presidenciais, mas reclama a vitória, tenham sido alimentadas pelos grupos jihadistas – que reclamam pertencer ao Daesh, a organização Estado Islâmico – para assim lançaram ainda mais caos e sofrimento no país.
“Realmente, esta situação é muito preocupante devido a se terem juntado os protestos populares e suspeito que também iniciados ou alimentados por pequenos grupos de terrorismo jihadista”, diz o Bispo de Nacala. “Não é normal que tantos lugares fiquem destruídos em dois dias, em quatro dias… E também não é normal que as pessoas que seguem o líder, Venâncio Mondlane, que pede manifestações pacíficas, vão contra escolas, bancos, lojas, polícias, e assassinem e matem polícias, e inclusivamente que, em alguns lugares, persigam os próprios funcionários do Governo, enfermeiros, professores, que tiveram de sair e abandonar as suas casas. Portanto, suspeito que por detrás disso há algo mais do que simplesmente manifestações populares ou vandalismo”, acrescenta ainda D. Alberto Vera.
Quanto ao futuro, tudo vai depender da forma como o governo actuar, diz. Mas não vai ser um processo fácil. “Penso que a violência se pode controlar porque as pessoas também são inteligentes e vão descobrir que estavam a ser manipuladas. Mas vai demorar um certo tempo. Não vai ser de uma forma assim rápida. Vai custar recuperar as estruturas de Governo, os comandos da polícia, os centros de saúde… porque muitas pessoas fugiram, e fugiram com muito medo. Penso que vai ser difícil regressar aos seus postos de trabalho, mas imagino que com um Governo inteligente se irá pouco a pouco recuperando a calma e pacificando todos os lugares. Mas vai ser difícil”, adverte o prelado.
“PROFUNDAMENTE AGRADECIDO” PELA AJUDA DA AIS
Perante tudo isto, o trabalho da Igreja Católica revela-se muito exigente em Moçambique. A desordem social resultante dos protestos eleitorais, juntamente com a ameaça jihadista em Cabo Delgado, podem ser um travão para o desenvolvimento neste que é um dos países mais pobres do mundo.
Por isso, a ajuda de instituições como a Fundação AIS revela-se crucial. E D. Alberto Vera faz questão de o dizer, agradecendo toda a solidariedade dos benfeitores da fundação pontifícia não só em Portugal, mas em todo o mundo. “Sinto-me profundamente agradecido e também me sinto muito unido a todos os que colaboram com a AIS, com a Ajuda à Igreja que Sofre, e colaboram com a oração, com o seu pequeno donativo económico, sinto-me profundamente agradecido”, conclui D. Alberto Vera.
De facto, a Fundação AIS acompanha de perto a situação em Moçambique, mas com especial atenção no norte de Moçambique, onde a insurgência terrorista já provocou a destruição de inúmeras capelas e igrejas, levando à fuga de centenas e centenas de fiéis. Isso mesmo está documentado no relatório “Perseguidos e Esquecidos?”, lançado em Lisboa em Novembro do ano passado e que elucida para o “recrudescimento dos ataques do autoproclamado Estado Islâmico em Moçambique”, sendo descritos alguns dos episódios recentes considerados como mais graves, como em Fevereiro de 2024 em que foram incendiadas “18 igrejas no distrito de Chiúre” , e em que os terroristas foram avançando para sul tendo levado a cabo “a maior campanha sustentada contra os Cristãos da região”.
Tal como a Diocese de Nacala, que a Fundação AIS apoia em diversas áreas, como a formação de seminaristas e o apoio à subsistência de sacerdotes, também a Diocese de Pemba, situada precisamente na região de Cabo Delgado, o epicentro da violência jihadista em Moçambique, tem recebido apoio. Além da ajuda de emergência por causa da destruição causada em Dezembro pela passagem do ciclone Chido na região, a AIS tem em curso na Diocese de Pemba diversos projectos de apoio aos deslocados internos e ajuda de subsistência para 60 religiosas e 17 padres, e apoio à formação de 48 seminaristas, bem como projectos relacionados com a assistência espiritual às vítimas do terrorismo e programas de evangelização via rádio.
Paulo Aido | Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt