CAMARÕES: “As armas não vão resolver o problema do Boko Haram”, diz o Bispo de Maroua-Mokolo

A diocese de Maroua-Mokolo, que fica situada no extremo norte dos Camarões, perto da Nigéria, continua a sofrer ataques do Boko Haram, o grupo jihadista que pretende instaurar um califado na região. Os ataques ultimamente têm sido mais esporádicos, mas a ameaça permanece. Para D. Bruno Ateba, a melhor forma de se combater os terroristas é pela educação, especialmente dos jovens e das mulheres. “Quando se educa uma mãe, educa-se uma nação inteira.”

“A situação está mais calma desde há algum tempo, mas continuam a registar-se ataques esporádicos”, é assim que D. Bruno Ateba descreve a situação na sua diocese de Maroua-Mokolo, situada no extremo norte dos Camarões, numa região que faz fronteira com a Nigéria. Os ataques esporádicos a que se refere são do Boko Haram, um grupo jihadista que desde 2009 procura instaurar na região um califado, regido por um Islão muito radical. “A nível militar, o Boko Haram já não tem tanto poder. Antes, tinham todas as armas pesadas. Actualmente, já não é esse o caso, embora alguns ainda as possuam. No entanto, continuam a ser bandidos que vêm roubar comida, gado, dinheiro e até roupa”, descreve.

A situação é, pois, ainda de grande inquietação, especialmente para as populações que vivem mais perto da fronteira. É o caso das duas paróquias, Mutskar e Nguetchewe. “São as que mais sofrem”, explica o prelado. Nessas duas paróquias ocorrem, normalmente, dois ou três ataques por mês, “quando os terroristas procuram alimentos e recursos”. Por causa disso, do sobressalto permanente que a ameaça terrorista representa, “à noite, a maioria das pessoas que vivem perto da fronteira não dormem nas suas casas e algumas passam mesmo a noite nas árvores”, diz ainda o Bispo.

Apesar de o exército estar presente normalmente na região, os terroristas fazem-se sentir sempre que as patrulhas estão ausentes, sempre que não há vestígios de soldados do governo. “As pessoas vivem com medo. Quando visito essas paróquias, sou acompanhado por soldados, a quem chamo os meus ‘anjos da guarda’”, diz D. Bruno Ateba.

A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO

A situação é complexa. O Boko Haram mesmo estando fragilizado, continua a ser uma ameaça e o Bispo de Maroua-Mokolo não tem dúvidas em afirmar que “as armas não vão resolver o problema”. O terrorismo, em especial o Boko Haram, combate-se com educação e trabalho, assegura o Bispo. “Se os jovens tiverem perspectivas de futuro, será difícil para o Boko Haram recrutar novos membros e fazer-lhes uma lavagem cerebral”, acrescenta, lembrando algumas das ideias que tem em mente e que ajudarão a população local.

“O grande projecto que me ficou no coração e que espero concretizar no futuro com a ajuda da AIS é a construção de um centro pastoral de educação humana e espiritual em Mokolo”, afirma. “Este centro será também um lugar para ajudar a compreender a [importância da] educação das jovens raparigas. Na nossa cultura, é comum que uma rapariga tenha de se casar por volta dos 13 anos. Normalmente, ela deixa de ir à escola quando atinge essa idade. Por isso, neste centro vamos começar por educar primeiro os pais. Quando se educa uma mãe, educa-se uma nação inteira.”

D. Bruno Ateba explica ainda, à Fundação AIS, que procurará também desenvolver nesse centro em Mokolo diversos workshops de saúde, em especial relacionados com a alimentação das crianças. “Durante a época das chuvas, temos cólera por aqui porque as pessoas bebem água sem qualquer cuidado”, explica.

A BÍBLIA NA LÍNGUA MAFA

Também entusiasma o Bispo o projecto da tradução da Bíblia para a língua Mafa, a mais falada na diocese. “O povo mafa é maioritariamente cristão. Os primeiros missionários franceses, italianos e belgas fizeram um trabalho de base, traduzindo os textos litúrgicos para a língua Mafa. Mas, até à data, não existia uma Bíblia completa nesta língua. É essencial poder ler a Boa Nova na nossa própria língua, porque toca mais profundamente o coração”, diz o Bispo. “Estamos muito orgulhosos deste projecto de tradução, que levou quatro anos de trabalho. A propósito, não há muitos livros na língua Mafa. A Bíblia é, portanto, um dos poucos livros nesta língua e, embora cerca de metade do povo Mafa seja analfabeto, a nova geração sabe ler. Agradeço do fundo do coração à Fundação AIS por este valioso contributo, afirma D. Bruno Ateba.

A educação é importante até pela capacidade que dá aos cristãos de se afirmarem no tecido social. “Na cidade de Maroua, onde vivo, há dois milhões de habitantes, 95% dos quais são muçulmanos e 5% cristãos. Os muçulmanos têm poder sobre tudo: comércio, transportes, política. Tentamos viver uma pastoral baseada no testemunho. Os muçulmanos respeitam-nos pelas nossas acções. Quando nos ocupamos dos pobres e das crianças da rua, não nos interessa se são muçulmanos ou cristãos; somos todos filhos do mesmo Pai, diz o prelado à Fundação AIS.

E há muitos exemplos de como os cristãos são respeitados pelo trabalho que realizam. É o caso da educação e da saúde. “Os muçulmanos enviam os seus filhos para as nossas escolas porque apreciam a disciplina e o bom ensino. As crianças muçulmanas obtêm frequentemente as melhores notas nas aulas de catecismo. Em casa, rezam o Pai-Nosso e a Avé-Maria, e os pais não têm problemas com isso”, explica o prelado.

TERRORISMO E A AJUDA DA FUNDAÇÃO AIS

Os Camarões [país de África ocidental com fronteiras com a Nigéria, República Centro-Africana, Congo, Gabão e Guiné-Equatorial] vivem tempos de insegurança causados não só por causa do terrorismo do Boko Haram, mas também e da violência separatista que começou há cerca de oito anos e que opõe as províncias anglófonas ao poder central dos Camarões, onde predomina a língua francesa, e que terá causado mais de 6 mil mortos e provocado o deslocamento a cerca de 700 mil pessoas. Tanto o terrorismo como o separatismo estão na origem também de inúmeros casos de raptos neste país africano.

Na diocese de Maroua-Mokolo, a Fundação AIS financia um centro de actividades para jovens no campo de refugiados de Minawao, na paróquia de Zamay, onde vivem cerca de 80 mil pessoas oriundas da vizinha Nigéria, pessoas que fugiram da violência terrorista do Boko Haram. Neste centro, é possível aos jovens adquirirem competências em áreas tão diversas como a reparação de sapatos ou de computadores, ou ainda na costura, ferramentas que facilitarão o trabalho e o sustento para o dia-a-dia.

“A AIS AJUDA-NOS IMENSO…”

Na entrevista à Fundação AIS, D. Bruno Ateba fez questão de agradecer toda a ajuda que tem sido dada à sua diocese, à Igreja dos Camarões.

Gostaria de aproveitar esta oportunidade para expressar mais uma vez a minha profunda gratidão à AIS e aos benfeitores que nos apoiam no nosso trabalho pastoral. Não é fácil no nosso país, especialmente devido às condições climatéricas, à pobreza e ao terror, mas a AIS ajuda-nos imenso: seja na formação de padres, seminaristas ou noutros projectos.

E termina com a afirmação da certeza de que Deus recompensará sempre toda esta solidariedade. “‘Vergelt’s Gott!’ (Que Deus vos recompense), porque não posso dar nada em troca, mas Deus recompensar-vos-á. Rezo por vós, caros benfeitores, que ocupais um lugar especial no meu coração e na nossa diocese”, concluiu.

Paulo Aido e Sina Hartet

Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt

Relatório da Liberdade Religiosa

Historicamente e ainda hoje, a liberdade religiosa nos Camarões é geralmente respeitada e vivida. As ameaças externas à liberdade religiosa, como a do grupo islamista Boko Haram, resultaram numa perseguição aos cristãos e aos muçulmanos que não aderem à agenda fundamentalista. As perspectivas para a liberdade religiosa são, portanto, negativas à medida que a violência aumenta.

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