RD CONGO: “Ninguém se interessa por este povo”, relata missionário português após bombardeamento a campo de refugiados

O padre comboniano Marcelo Oliveira alerta para a violência sem fim na República Democrática do Congo, país que continua mergulhado em conflitos armados especialmente na região leste, com milhares de pessoas deslocadas e uma crise humanitária de enormes proporções. Numa mensagem enviada para Lisboa, para a Fundação AIS, comentando o bombardeamento em Maio a um campo de deslocados em Goma, este missionário português diz mesmo que neste país “todos os dias há gente que morre, há mulheres massacradas, crianças torturadas, pessoas violadas…”

A violência na República Democrática do Congo continua na ordem do dia. Na semana passada, a 7 de Junho, ataques atribuídos a militantes da ADF, Forças Democráticas Aliadas, causaram cerca de 40 mortos em Beni, na região do Kivu Norte, este do país. Tem sido assim com uma frequência assustadora. No espaço de apenas alguns dias, em Maio, houve a notícia também de um ataque a um campo de refugiados na mesma região e também uma tentativa frustrada de golpe de estado. Dezassete mortos, na sua maioria mulheres e crianças, e mais de trinta feridos, muitos em estado grave, foi o balanço do ataque a 3 de Maio – na verdade tratou-se quase de um bombardeamento – ao campo de refugiados de Mugunga, perto de Goma, a capital da província do Norte-Kivu, na República Democrática do Congo.

 

A notícia foi divulgada como uma tentativa de “massacre” das populações locais e o Papa chegou a referir-se ao que aconteceu como um “ataque cobarde”. Mas para o Padre Marcelo Oliveira, um missionário comboniano presente na República Democrática do Congo, a única estranheza é o relevo que se deu a este acontecimento. É que, diz à Fundação AIS, “falar de massacres ou de atentados a campos de refugiados é o pão nosso de cada dia”. “Todos os dias neste país há gente que morre, há mulheres que são massacradas, há crianças que são torturadas, há pessoas que são violadas, há militares que morrem, civis… todos os dias. E isto sobretudo na parte este do país, que é a mais rica, onde encontramos ouro, o cobalto, o coltan, matérias bem necessárias para que os nossos telefones possam funcionar e que são roubadas, que são levadas para fora do país de maneira fraudulenta”, denuncia o missionário na mensagem enviada para Lisboa.

 

“Esse último ataque que a comunicação social passou, a esse campo de refugiados, atingiu muitas mulheres e crianças, e por isso, se calhar, foi notícia”, diz ainda, procurando uma explicação para o relevo dado pelos jornais e agências de notícias ao ataque em Goma no dia 3 de Maio. “Mas é temível e triste saber quantas pessoas morrem todos os dias”, acrescenta, lembrando que muitos dos ataques, muita desta violência que acontece no país nunca chega a ser conhecida. São notícias “que não saem, que ficam escondidas, ficam no silêncio, não interessam”. É um contraste terrível, lembra o Padre Marcelo, com o que se passa com a guerra na Ucrânia, que “é página de abertura do telejornal”, ou a guerra em Gaza. “Mas a guerra no Congo é uma guerra silenciosa”, constata.

Todos os dias neste país há gente que morre, há mulheres que são massacradas, há crianças que são torturadas, há pessoas que são violadas, há militares que morrem, civis… todos os dias. E isto sobretudo na parte este do país, que é a mais rica, onde encontramos ouro, o cobalto, o coltan, matérias bem necessárias para que os nossos telefones possam funcionar e que são roubadas, que são levadas para fora do país de maneira fraudulenta

GUERRAS COM INTERESSES ESCONDIDOS…

Na República Democrática do Congo, denuncia o missionário comboniano, há uma guerra silenciosa, uma guerra que é escondida aos olhos do mundo. Porquê? Na resposta, o Padre Marcelo Oliveira fala de um mundo hipócrita que se desinteressa pela sorte destas populações indefesas. “A guerra tem muitos interesses escondidos. Esconder esta guerra é permitir que se possa continuar a levar as grandes riquezas deste país para fora, de maneira fraudulenta. O Papa, quando veio a Portugal no ano passado, disse: ‘Tirai a vossa mão do Congo e de África. Retirai as vossas mãos’. O grande ladrão das riquezas deste país é a comunidade internacional. Que continua a silenciar, continua a olhar para a realidade deste país de uma maneira passiva, sem interesse”, diz.

 

A guerra, ou melhor, as muitas guerras que acontecem na República Democrática do Congo provocam mortos, feridos e muito sofrimento nas populações. Os mais pobres, os mais fragilizados são as principais vítimas de toda a violência que tomou conta essencialmente da região este do país. “O Congo é o país no mundo que tem mais refugiados internos. A quantidade de campos de refugiados que existe neste país, a quantidade de pessoas que têm de abandonar as suas casas, a quantidade de pessoas que têm de fugir todos os dias, que andam de um lado para o outro, escondem-se, cai uma bomba lá perto, fogem…. Ontem – acrescenta, na mensagem enviada para a Fundação AIS –, uma paróquia católica foi atingida. Uma bomba perto de um complexo escolar… é assim todos os dias. E [isso] não é notícia. Porque ninguém tem interesse. Ninguém se interessa por este povo.”

POBRE POPULAÇÃO QUE TANTO SOFRE

Há um desalento evidente nas palavras deste missionário comboniano. Também recentemente houve a notícia de uma tentativa de golpe de estado em Kinshasa, a capital do país contra o presidente Felix Tshisekedi. Foi no dia 19 de Maio. Houve pelo menos 6 mortos e cerca de meia centena de suspeitos foram detidos. O sacerdote desvaloriza o que aconteceu, fala num “teatro mal organizado”, mas que deixa “um sinal de que a situação no país não está muito bem”. Mas, apesar de a realidade ser dura, com toda a violência, com toda a incerteza, sobra sempre espaço para alguma esperança. “Olhamos para tudo isto com muita esperança, acreditando que, apesar de os políticos serem tão corruptos, possam também pensar na pobre população que tanto, tanto, tanto sofre…”

 

Os combonianos têm uma presença significativa na República Democrática do Congo, acompanhando comunidades cristãs em 11 paróquias e em diversas dioceses. “Uma das grandes preocupações é a formação de novos missionários”, esclarece o Padre Marcelo Oliveira. “Temos jovens que procuram entrar na congregação, porque estão abertos e dispostos a serem formados, mas tudo isso exige pessoas bem preparadas, exige estruturas e exige meios que por vezes são difíceis de encontrar para poder levar para a frente a sua formação, aquilo que é necessário para que um dia também eles, como nós, possam continuar a obra de levar o Evangelho, que é luz, que é esperança e que mostra o caminho para nos levar a Jesus”, diz o sacerdote.

 

A República Democrática do Congo é um dos países de África onde a presença da solidariedade da Fundação AIS é mais visível. Em 2023, foram financiados 251 projectos para 42 das 48 dioceses do país. A fundação tem feito um esforço especial para fortalecer a presença da Igreja nas regiões mais abandonadas e esquecidas pelas autoridades. A formação religiosa foi o principal foco dessa ajuda que se destina não só ao clero mas também e de forma significativa para os seminários. O apoio à subsistência dos sacerdotes, através dos estipêndios de missa, é também relevante.

Paulo Aido | Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt

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