A situação humanitária extremamente difícil que se vive em Gaza, na Terra Santa, e a perseguição aos Cristãos na Nigéria estiveram em foco no Jubileu dos Cristãos Perseguidos, que a Fundação AIS organizou este fim-de-semana em Arouca, na Diocese do Porto. O evento, que assinala também os 30 anos da presença da fundação pontifícia no nosso país, contou ainda com diversas conferências e uma exposição de objectos religiosos profanados pelo Daesh, no Iraque e na Síria.
A mensagem vídeo de aproximadamente vinte minutos que o Padre Gabriel Romanelli enviou desde a Paróquia da Sagrada Família, em Gaza, onde vivem os cerca de 500 Cristãos deste enclave na Terra Santa, marcou o Jubileu dos Cristãos Perseguidos que a Fundação AIS organizou neste fim-de-semana em Arouca, na Diocese do Porto.
O sacerdote argentino do Verbo Encarnado, a quem o Papa Francisco tem telefonado tantas vezes, pediu aos portugueses e a todas as pessoas de boa vontade para rezarem pela paz nesta região tão conturbada do globo, e apelou também para que a ajuda material possa chegar a esse pequeno território onde milhares de pessoas vivem em “extrema pobreza”.
“Na minha opinião, para vós, em Portugal, ou para todas as pessoas de boa vontade, a primeira coisa a fazer é rezar”, disse o Padre Romanelli já no final da sua mensagem. “Rezar, rezar a Nossa Senhora, a Nossa Senhora de Fátima, a quem temos muita devoção e a quem rezamos o terço todos os dias com as crianças e os adultos diante do Santíssimo”, explicou o sacerdote, concluindo: “Deus conceda que a paz chegue de verdade, o fim desta guerra”.
“MAIS UM DIA DE GUERRA SÓ PIORA AS COISAS…”
O Padre Romanelli – a quem o Papa Francisco tem telefonado tantas vezes nos últimos tempos, sempre preocupado sobre a situação em que se encontram as cerca de 500 pessoas que vivem na paróquia da Sagrada Família –, diz que rezar é importante também para que todas as pessoas se convençam “que mais um dia de guerra não vai resolver a situação, só a vai piorar”.
E o sacerdote insiste na importância da oração também para a “libertação de todos os reféns e prisioneiros”, para que se chegue a um acordo “e quanto mais depressa melhor”.
Pedimos ajuda humanitária consistente para mais de 2 milhões de pessoas que vivem aqui e que, na sua maioria, perderam tudo, perderam as suas casas, perderam os seus locais de trabalho, as escolas dos filhos, as suas casas, os seus bens, muitos estão desesperados. É uma vida miserável, a da maioria da população. E essa tensão sente-se, evidentemente, em toda a Terra Santa.”
Padre Gabriel Romanelli
SITUAÇÃO DE POBREZA EXTREMA
Na sua intervenção, o Padre Gabriel Romanelli explicou ainda a importância de haver uma ajuda humanitária sólida para estas populações, lembrando que a Igreja tem estado muito activa no apoio aos que estão em maior dificuldade.
Embora o sacerdote não o tenha referido directamente na sua intervenção, a Fundação AIS, quer a nível global, quer em Portugal, tem promovido campanhas junto dos seus benfeitores e amigos precisamente para o envio de ajuda de emergência para a paróquia da Sagrada Família em Gaza.
“É graças à Igreja Católica que pudemos ajudar e continuamos a ajudar milhares e milhares de famílias”, disse, explicando que essa solidariedade é “instrumento de paz, através da caridade” para com todos “aqueles que sofrem, sejam eles palestinianos, israelitas, judeus, cristãos, muçulmanos, drusos, até ateus”. E sublinhou a urgência da ajuda material “a todos aqueles que realmente precisam, a todos os pobres, porque a situação em Gaza é uma situação de extrema pobreza”, afirmou o sacerdote na mensagem vídeo enviada para o encontro promovido pela Fundação AIS em Arouca.
Neste momento, na paróquia da Sagrada Família, em Gaza, estão cerca de 500 pessoas que o Padre Gabriel Romanelli classifica como “refugiados”.
50 MIL MORTOS E 110 MIL FERIDOS
E quem são estes refugiados? A maior parte, explicou o sacerdote, é da comunidade cristã, quase toda a comunidade católica e a maior parte da comunidade greco-ortodoxa, que é a maior comunidade da Faixa de Gaza e que também tem uma paróquia, uma igreja chamada San Porfirio.
“Depois, temos as crianças, os adolescentes e os adultos acamados das Irmãs da Caridade da Madre Teresa, que são mais de 50 pessoas”, detalhou o padre argentino, lembrando que a vida mudou muito desde o “fatídico dia 7 de Outubro” de 2023. Apesar de dizer que as pessoas que estão na paróquia estão bem, “o perigo continua por todo o lado”, pois a guerra reacendeu-se “e há muitos bombardeamentos, muitas mortes”.
Não é possível falar-se nesta guerra sem haver uma referência às crianças. “Nesta parte da Palestina, que é Gaza, até há pouco tempo, só as crianças mortas pela guerra eram mais de 17 mil, mais de 17 mil, o que é, de facto, uma coisa terrível, uma coisa terrível. Cerca de 50 mil mortos nesta parte da guerra e mais de 110 mil feridos, muitos deles feridos graves, com amputações…”
DESCENDENTES DOS PRIMEIROS CRISTÃOS
No entanto, apesar da brutalidade destes números, de toda a destruição, mesmo assim, assegura o sacerdote, ainda são muitos os que querem ficar na Palestina. É o apelo das origens a falar mais alto. “Muitos partiram, tinham vistos ou a possibilidade de partir quando ainda podiam. Uns querem partir, outros não. Muitos querem ficar porque nasceram aqui, é a sua terra, por isso consideram-se, e são, descendentes dos primeiros cristãos, como todos os Cristãos da Palestina, sejam de Gaza, de Jerusalém ou da Cisjordânia”, diz.
Desde Outubro de 2023, a paróquia da Sagrada Família transformou-se num lugar de abrigo, num refúgio. A vida de todos os dias agravou-se bastante, apesar de que já era muito dura, muito difícil antes de a guerra ter começado. “Tínhamos um acesso muito limitado, serviços muito limitados, tínhamos entre 4 horas a 8 horas de electricidade por dia”, recorda, para dizer que, agora, a sobrevivência ainda é mais dura.
“Podem imaginar que não é fácil viver com 500 pessoas fechadas, mas consideramo-nos pessoas afortunadas. Como costumamos dizer, junto de Jesus e cheios de Jesus. Pois, apesar de tudo, não só conseguimos sobreviver como também ajudar milhares e milhares de famílias com alimentos, água e medicamentos, embora seja tudo muito limitado e de nas últimas semanas as fronteiras tenham estado encerradas para permitir a entrada de ajuda humanitária”, diz, concluindo: “Tentamos ter uma vida normal”.
NIGÉRIA, PAÍS DE MARTÍRIO PARA OS CRISTÃOS
O Jubileu dos Cristãos Perseguidos contou também com o depoimento do Padre Simon Ayogu, sacerdote nigeriano a viver em Portugal há vários anos. Um depoimento também muito aguardado, até porque a Nigéria tem sido palco, nos últimos meses, de vários episódios de violência contra a Igreja, nomeadamente o rapto e o assassinato de sacerdotes e de seminaristas, tal como a Fundação AIS tem repetidamente noticiado.
Lembrando alguns casos notórios de violência contra a comunidade cristã, nomeadamente o rapto em Fevereiro de 2018 da jovem estudante Leah Sharibu, então com apenas 14 anos de idade, e que por ter recusado renunciar ao cristianismo, como os terroristas do Boko Haram, que a levaram, exigiam, ficou em cativeiro e em cativeiro continua.
E também lembrou o caso do Padre Sylvester Okechuckwu, seu familiar, e que acabou assassinado horas depois de ter sido raptado da sua residência em 4 de Março deste ano.
MENSAGEM DO BISPO DO PORTO
Não podendo estar presente por absoluta incompatibilidade de agenda, o Bispo do Porto quis, no entanto, associar-se “plenamente e de coração” a este evento, enviando uma mensagem.
Nessa mensagem, o responsável pela Diocese do Porto, que abrange geograficamente o distrito de Aveiro, de que Arouca faz parte, fez questão de sublinhar que o cristianismo é a religião mais perseguida no mundo e que isso implica sacrifício e coragem para os fiéis que vivem nos países onde não há liberdade de culto.
“Hoje, o cristianismo é a organização mundial – chamemos assim – mais perseguida em qualquer parte do Planeta Terra. Há tanta gente que não entende esta religião do amor, e, portanto, muitos cristãos têm de viver escondidamente. Não só não podem passar a Porta Santa como até têm de esconder exteriormente aquilo que é a sua convicção profunda”, afirmou D. Manuel Linda.
Lembrar o sacrifício na fé destes Cristãos é algo que, diz o Bispo do Porto, devemos ter presente de forma activa. “Nós lembramo-nos, solidarizamo-nos com eles, rezamos por eles e colhemos também o seu exemplo de fortaleza. Então, que este Jubileu dos Cristãos Perseguidos seja uma forma também de nos dar ânimo a nós, os que vivemos em liberdade, para que como eles possamos testemunhar Cristo em qualquer circunstância da vida”, diz D. Manuel Linda, concluindo: “este é o verdadeiro Jubileu”.
30 ANOS DA FUNDAÇÃO AIS EM PORTUGAL
Durante o fim-de-semana houve ainda duas conferências, uma sobre o que é um ano jubilar, pelo Padre Pedro Novais, responsável por diversas paróquias em Arouca, e a outra, da responsabilidade da directora da Fundação AIS em Portugal, Catarina Martins de Bettencourt, de apresentação do relatório “Perseguidos e Esquecidos”, sobre a perseguição aos cristãos no mundo.
O Jubileu dos Cristãos Perseguidos contou ainda com diversos momentos culturais, como a exposição de objectos religiosos profanados pelo Daesh, o grupo jihadista Estado Islâmico, na Síria e Iraque, exposição que esteve presente ao público na Basílica dos Mártires, em Lisboa, durante a Jornada Mundial da Juventude. Além disso, houve ainda dois concertos musicais, pelo Conjunto Etnográfico de Moldes de danças e corais arouquenses e pelo Grupo Coral de Urrô e pelo Grupo de Metais da Academia de Música de Arouca.
Outro momento alto do Jubileu foi a celebração da Eucaristia, presidida pelo Padre Ayogu, da Nigéria, com transmissão em directo pela RTP1. Esta iniciativa marcou também o arranque das comemorações dos 30 anos da Fundação AIS em Portugal. No final da celebração, a directora do secretariado nacional da AIS agradeceu “aos benfeitores e amigos” da instituição que com a sua generosidade têm permitido levar “esperança e amor ao próximo, ajudando a transformar vidas em comunidades cristãs marcadas pela pobreza, pela discriminação, pela perseguição e por desafios inimagináveis”.
Referindo alguns dos países onde a violência contra os Cristãos é mais acentuada nos dias de hoje, Cataria Martins de Bettencourt finalizaria a sua intervenção sublinhando a presença, na Igreja, de um cálice destruído por uma bala – um dos objectos da exposição – e que é “uma testemunha silenciosa do que foi a perseguição aos cristãos no Iraque e na Síria”, nos anos tenebrosos em que o Estado Islâmico controlou vastas regiões destes dois países, “há apenas 11 anos”. “É por eles, por todos os cristãos perseguidos”, disse a responsável, que a Fundação AIS existe.
“Para que eles não se sintam sós e sintam o conforto e a força das nossas orações, e também para podermos continuar a apoiar a Igreja a permanecer junto da sua comunidade”, disse, concluindo: “não os podemos abandonar!”.
O Jubileu dos Cristãos Perseguidos terminou com um concerto no Mosteiro de Arouca pelo grupo Coral de Urrô, dirigido pelo maestro Paulo Bernardino e em que participou também o quinteto de sopro da Academia de Música de Arouca.
Paulo Aido | Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt