PAQUISTÃO: Somam-se os apelos à comunidade internacional por jovem cristão condenado à morte por blasfémia

O presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz da Igreja Católica no Paquistão criticou duramente a condenação à morte de um cristão considerado culpado de blasfémia por um tribunal num caso relacionado com uma das maiores atrocidades cometidas contra as minorias na história recente do país. D. Samson Shukardin, que é também Bispo de Hyderabad, e que descreveu este processo como “doloroso”, apela à comunidade internacional para se mobilizar em defesa da vida de Ehsan Shan.

D. Samson Shukardin, Bispo de Hyderabad e presidente da Comissão Nacional de Justiça e Paz [CNJP] do Paquistão, descreveu como “muito, muito dolorosa” a sentença do Tribunal Antiterrorismo de Sahiwal, em que Ehsan Shan, de 22 anos, foi considerado culpado de blasfémia por, alegadamente, ter republicado nas redes sociais conteúdos considerados insultuosos ao Islão.

O caso remonta a Agosto do ano passado. Na altura, alguns moradores acusaram dois homens cristãos de terem profanado em Jaranwala páginas de um exemplar do Alcorão, o livro sagrado do Islão. Isso bastou para desencadear um dos momentos mais graves de violência contra os cristãos no Paquistão na história recente do país, com ataques em que dezenas de igrejas foram incendiadas e aproximadamente uma centena de casas foram saqueadas ou destruídas.

Ehsan Shan não foi acusado de ter participado nesse acto de profanação mas sim de ter divulgado imagens do livro que tinha sido objecto do acto desrespeitoso. Por causa disso, Ehsan Shan foi ainda multado em 1 milhão de rúpias paquistanesas, aproximadamente 3.300€.

“AS PESSOAS ESTÃO DECEPCIONADAS”

Em declarações à Fundação AIS, D. Shukardin referiu que esta sentença deixou “muitas pessoas decepcionadas” e apelou à comunidade internacional para agir exigindo justiça em mais este caso relacionado directamente com a perseguição religiosa no Paquistão.

“As grandes ONGs internacionais e organizações de direitos humanos devem sair e dizer algo opondo-se a esta decisão. Isso causará um grande impacto no governo”, afirmou. Por seu turno, o Padre Khalid Rashid, diretor da CNJP da diocese de Faisalabad, explicou, também à Fundação AIS, que Ehsan apenas “compartilhou a imagem com uma pessoa, mas essa imagem já havia sido compartilhada por milhares e milhares de pessoas, incluindo autoridades como membros da polícia e do governo”.

Desta forma, e segundo este sacerdote, Shan está a ser um alvo. “Condenamos este julgamento. Ele é inocente porque não tem formação. Ele vem de uma família muito pobre. Às vezes, as pessoas não entendem essas coisas — ele não tinha ideia de que compartilhar esse conteúdo seria considerado prejudicial. Durante aqueles dias [após os ataques em Jaranwala], todos compartilharam a notícia”, acrescentou. O Padre Rashid disse ainda estar convencido de que o tribunal de Sahiwal foi pressionado a tomar esta decisão. “É por causa de terroristas, extremistas e outros grupos fundamentais que esta decisão foi tomada. Esses grupos ameaçaram o juiz e é por isso que o juiz deu este tipo de sentença”, explicou.

Este caso é conhecido após uma sucessão de eventos que demonstram a fragilidade em que se encontra a comunidade cristã no Paquistão. Como a Fundação AIS tem noticiado, ocorreu em 25 de Maio, em Sargodha, outro grave incidente de que resultou o espancamento e posterior morte, a 3 de Junho, no hospital, de Nazir Masih, um cristão de 70 anos de idade. Este caso ganhou nova actualidade com a notícia de que a viúva, Alla Rahki, que se encontrava num estado de profunda depressão após o ataque, tinha também falecido e que o Tribunal Antiterrorista de Sargodha havia concedido fiança a todos os acusados dos actos de violência e que estavam de alguma forma envolvidos no assassínio de Nazir Masih. Todos eles receberam ordem de libertação imediata da prisão.

O ATAQUE EM JARANWALA, EM AGOSTO DE 2023

O caso que conduziu agora à condenação à morte de Ehsan Shan, ocorreu em Agosto do ano passado em Jaranwala, no distrito industrial de Faisalabad. Na ocasião, e na sequência da acusação da profanação de um exemplar do Corão, uma multidão de muçulmanos enfurecidos e armados com bastões e pedras lançou-se num ataque descontrolado contra igrejas e casas de cristãos. Mais de duas dezenas de igrejas e aproximadamente uma centena de casas foram destruídas. Milhares de pessoas tiveram de fugir. Até um cemitério foi atacado e profanado.

Os incidentes de Jaranwala tiveram uma repercussão enorme a nível global e foram considerados como dos mais graves ocorridos no Paquistão motivados pelo ódio religioso. A situação foi tão grave que exigiu mesmo uma resposta ao nível humanitário. A Fundação AIS Internacional, por exemplo, avançou logo com um pacote de ajuda de emergência com a distribuição de primeiros socorros para cerca de 500 famílias cristãs vítimas dos ataques. D. Sebastian Shaw, Arcebispo de Lahore, visitou o bairro de Jaranwala logo após o ataque de 16 de Agosto de 2023 e falou em “destruição terrível”. 

As pessoas estão desesperadas, não têm nada. Cabe a nós trazer um pouco de conforto, tornando-nos testemunhas do amor de Jesus. A proximidade humana, psicológica e material é necessária e estamos a organizar toda a ajuda possível através da Cáritas e também graças aos voluntários e às diferentes congregações religiosas”, disse o prelado, assegurando, com a sua presença, que os cristãos de Jaranwala nunca estarão sozinhos neste sofrimento e que a Igreja cuidará deles.

A MANIPULAÇÃO DAS MULTIDÕES

A questão de Jaranwala, que agora regressa à ordem do dia em face da condenação à morte de Ehsan Shan, revela muito de um Paquistão onde as minorias religiosas vivem tempos de grande incerteza. A facilidade com que grupos extremistas conseguem atacar comunidades cristãs, também preocupa o Cardeal Joseph Coutts.

No final do ano passado, no Vaticano, quando participava numa das sessões do Sínodo dos Bispos, o prelado falou para o secretariado português da Fundação AIS e denunciou o que diz ser a manipulação das multidões…

Quando a zona cristã [de Jaranwala] foi atacada por muçulmanos, pensamos que havia alguém por trás a instigar. Para nós não é como na Europa. A religião está muito viva e quando se diz alguma coisa contra a religião de alguém, todos ficam muito zangados.”

O Arcebispo emérito de Karachi, cargo que ocupou desde 2012 até 2021 – anteriormente, foi Bispo de Faisalabad – recordou que as questões relacionadas com a religião são vividas no seu país com uma intensidade muito grande. Quando ocorrem acusações de blasfémia, por exemplo, as multidões são instigadas a agir. E muitas vezes, a violência torna-se descontrolada. Foi assim também em Jaranwala. “Alguém usou o altifalante da mesquita para anunciar que alguns cristãos tinham insultado o Corão”, explicou o Cardeal Coutts. “Foi assim que começou.”

Paulo Aido e John Pontifex

Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt

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