HAITI:  “Existe o perigo real de eclosão de uma guerra civil no país”, alerta o presidente da Conferência Episcopal

É um retrato assustador do Haiti. Para D. Max Leroy Mésidor, Arcebispo Metropolitano de Port-au-Prince e presidente da Conferência Episcopal, o país está mesmo à beira da guerra civil, com bandos armados a controlarem quase tudo, uma epidemia de raptos a que não escapa a Igreja e com muita violência e pobreza à mistura. O prelado não consegue visitar sequer dois terços da sua diocese e há dois anos que não vai à catedral. A última celebração terminou aos sons de tiros… “Toda a gente tem medo, incluindo os religiosos”, diz D. Leroy à Fundação AIS.

No dia 23 de Fevereiro foram raptados seis religiosos da Congregação dos Irmãos do Sagrado Coração que se encontravam na missão escolar João XXIII, bairro Bicentenaire, em Port-au-Prince, a capital do Haiti. No passado domingo, dia 10, quatro deles foram libertados, enquanto dois permanecem em cativeiro.

Este é o mais recente desenvolvimento relacionado com sequestros e violência contra elementos da Igreja Católica neste país caribenho. Mas houve muitos outros incidentes. Ao princípio da tarde de terça-feira, 5 de Março, por exemplo, três irmãs de São José de Cluny foram raptadas por homens “fortemente armados” num orfanato na capital do Haiti, sendo libertadas no dia seguinte. Em Janeiro, outras seis irmãs foram também raptadas e no mês seguinte, Fevereiro, seriam mais seis religiosos e um padre. Em Março, outro sacerdote seria também sequestrado. Todos foram entretanto libertados com excepção dos seis religiosos que permanecem nas mãos dos criminosos.

Este é um breve retrato da violência contra a Igreja no Haiti, um país que parece estar a afundar-se de dia para dia mergulhado no caos, às mãos de grupos armados que controlam tudo e todos, bloqueando estradas e acessos a tal ponto que D. Max Leroy Mésidor confessa a Sina Hartert, da Fundação AIS, que não consegue sequer visitar dois terços da sua diocese e há dois anos que não entra na catedral.

Com as estradas bloqueadas resta-lhe o avião para estar com os fiéis. A situação é de tal forma grave que hoje, terça-feira, 12 de Março, o primeiro-ministro, Ariel Henry, apresentou a demissão após duas semanas de tumultos com gangues armados a incendiarem esquadras, prisões e a cercarem inclusivamente o aeroporto da capital.

OUVIR TIROS NO FINAL DA MISSA

Na entrevista a Sina Hartert, da Fundação AIS, o arcebispo metropolitano de Port-au-Prince e presidente da Conferência Episcopal descreve um país onde ninguém está em segurança.

Não posso visitar dois terços da minha diocese porque as estradas estão bloqueadas. Para chegar ao sul da diocese, tenho de apanhar um avião. Há dois anos que não vou à catedral. Uma vez, quando estava no meu gabinete, houve muitos tiros e tive de ficar lá durante quatro horas antes de poder sair para celebrar Missa. As balas atingiram a janela do meu gabinete. A última celebração que pude fazer na catedral foi a Missa Crismal. Estava cheia. Estavam presentes 150 sacerdotes, imensas religiosas e muitos fiéis. Mas, desde o Agnus Dei até ao final da Missa, ouviram-se tiros; via-se o fumo a subir nas proximidades. Desde então, não pude voltar à catedral nem à Sé Episcopal.”

A última celebração que pude fazer na catedral foi a Missa Crismal. Estava cheia. Estavam presentes 150 sacerdotes, imensas religiosas e muitos fiéis. Mas, desde o Agnus Dei até ao final da Missa, ouviram-se tiros; via-se o fumo a subir nas proximidades. Desde então, não pude voltar à catedral nem à Sé Episcopal”, acrescenta o prelado.

A “DITADURA” DOS RAPTOS

Toda a entrevista é marcada pela palavra medo. “Toda a gente tem medo, incluindo os religiosos. Assim que saímos de Port-au-Prince, corremos perigo. O seminário fica num bairro onde há muitos tiroteios e combates. Os bandos [armados] chegam mesmo a entrar nas igrejas para raptar as pessoas que lá estão. Algumas paróquias fecharam porque os padres foram forçados a sair. Na semana passada, um pároco teve de fugir com a sua congregação. Caminharam durante 15 horas!”

Num país onde “não há nenhum sítio realmente seguro”, a epidemia dos raptos é uma ameaça permanente sobre todas as pessoas. O Bispo fala mesmo em ditadura… “Há raptos por todo o lado… quer seja rica ou pobre, intelectual ou analfabeta, qualquer pessoa pode ser raptada. É uma ditadura, uma praga que tem de ser combatida. Está a sufocar o povo Haitiano”, diz.

BANDOS MELHOR ARMADOS QUE A POLÍCIA

Os grupos armados, autênticos gangues de criminosos, impõem as suas regras e desafiam as próprias autoridades como se viu recentemente, no início de Março, quando duas prisões foram invadidas e com a libertação de milhares de reclusos e as autoridades a decretar por 72 horas o estado de emergência e o recolher obrigatório. 

Para D. Max Leroy Mésidor há o risco real de o Haiti cair na guerra civil.

Sim, existe um perigo real de eclosão de uma guerra civil no país. Os bandos armados actuam como um exército organizado. Estão muito bem equipados e muito bem armados. A polícia não consegue estar à altura deles. Em algumas regiões, por exemplo na minha, há grupos de cidadãos que tentam fazer frente aos bandos. Assim, há frequentemente confrontos entre esses grupos e os bandos, e também entre a polícia e os bandos. Há muitas armas em circulação. Sim, é como uma guerra civil.”

UM POVO HABITUADO A SOFRER

Neste contexto, como é que os haitianos sobrevivem ao dia-a-dia? “O nosso povo é um povo que quer viver. É um povo que mostra resiliência apesar do seu sofrimento… Está habituado a sofrer, mesmo quando, como agora, o sofrimento é de uma dimensão terrível”, explica o presidente da Conferência Episcopal.

E se é assim para o comum das pessoas, como é o Bispo olha para tudo isto, onde ganha coragem para cumprir com a sua missão? “Estou a iniciar o meu sexto ano como Arcebispo de Port-au-Prince e é realmente muito difícil”, reconhece o prelado à Fundação AIS. “Até agora, não consegui realizar nem um quarto do que pretendia, porque é preciso lidar com a vida quotidiana, e esta vida quotidiana consiste em sofrimento, violência, tiroteios, pobreza e privação. É muito difícil. É preciso ter um estado de espírito muito estável. Mas nós, bispos, tentamos trabalhar em conjunto e dar testemunho em conjunto. Não é fácil, mas temos de carregar a nossa cruz e seguir Cristo, especialmente durante este tempo de Quaresma. Perseveramos e contamos com as orações e a solidariedade do povo”, diz D. Max Mésidor.

A RESILIÊNCIA DOS FIÉIS

Um povo que se mantém corajoso apesar da adversidade, que se mantém unido, apesar das ameaças, que continua a ir à Igreja, apesar do risco enorme que isso pode significar. E o Bispo fica até sem palavras com a ousadia dos fiéis.

“Sim, as pessoas estão a viver a sua fé nestas circunstâncias e apesar destas circunstâncias. Pode ter havido tiroteio no bairro a noite anterior. Mas no dia seguinte, mesmo às 6 horas da manhã, a igreja está cheia. Há pessoas que vão visitar os doentes, apesar do perigo. Para as procissões ou para a Via-Sacra, mesmo no centro de Port-au-Prince, estão até cerca de 50 mil pessoas. Por vezes, fico sem palavras”, diz o Bispo à Fundação AIS.

Num país empobrecido, mergulhado na violência e no caos, os próprios padres e religiosas vivem situações limite. “Os padres quase não recebem salário e muitos dos fiéis estão a empobrecer. Os ricos saíram do país. Quase não temos rendimentos”, confessa o prelado.

“NÃO SE ESQUEÇAM DE NÓS…”

Neste contexto ganha importância o apoio de instituições como a Fundação AIS. Em regiões ou países como o Haiti onde tudo parece estar a falhar, sobra a esperança alicerçada na oração e na solidariedade dos benfeitores e amigos da Ajuda à Igreja que Sofre.

Sem a ajuda da Fundação AIS, seria muito difícil a Igreja funcionar. Se algumas paróquias ainda conseguem continuar a trabalhar, é em parte graças à Fundação AIS. É também graças à vossa ajuda que posso proporcionar actividades educativas aos fiéis e aos seminaristas, e que podemos dar-lhes um pouco de esperança.”

“A Fundação AIS faz muito por nós. Gostaria de agradecer a todos os benfeitores. Estão nas nossas orações e pedimos ao Senhor que os proteja. Não se esqueçam de nós. Que Deus vos abençoe a todos”, conclui.

No ano passado, a Fundação AIS apoiou a Igreja no Haiti com cerca de 60 projectos. São projectos que incluem o apoio à formação de seminaristas, religiosos, catequistas e leigos, programas para jovens e pessoas deslocadas das suas casas, equipamento para três estações de rádio diocesanas, a instalação de painéis solares para a Conferência Episcopal Haitiana e a Arquidiocese de Port-au-Prince, entre outros, bem como retiros e Estipêndios de Missa para padres e ajuda de emergência para religiosas.

Paulo Aido | Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt

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Relatório da Liberdade Religiosa

O Haiti está à deriva em direcção a tornar-se um Estado falhado. A crise política e económica alimentou um aumento da violência dos gangues territoriais, provocando uma crise social e humanitária catastrófica. Os raptos para exigir resgate, incluindo do clero, e os assassínios relacionados com gangues aumentaram exponencialmente. A insegurança generalizada do país tem afectado todos os direitos fundamentais, incluindo a liberdade religiosa.

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