O novo Bispo de Bafatá, cuja ordenação episcopal vai acontecer amanhã, dia 28, tem pela frente uma tarefa imensa. A diocese, tal como o país, é muito pobre e as necessidades são básicas, quer ao nível da sobrevivência no dia-a-dia, quer mesmo no que diz respeito à promoção humana, à formação das pessoas. O frade franciscano Victor Luís Quematcha conhece bem Bafatá e nesta entrevista à Fundação AIS fala dos desafios que vai enfrentar e conta, muito, com o apoio da Ajuda à Igreja que Sofre. “Aprecio muito o que a AIS tem estado a fazer”, diz.
A notícia de que o Papa Francisco tinha escolhido Victor Luís Quematcha para Bispo de Bafatá, apanhou o frade franciscano de 58 anos completamente de surpresa. E nem sequer estava na Guiné-Bissau, mas sim em Lomé, como conselheiro-geral da Ordem dos Frades Menores para África. Foi em Março.
“Foi uma surpresa. Estava em Lomé, capital do Togo, a exercer as minhas funções como Definidor-Geral para África, isto é, Conselheiro-Geral para África. E tinha encontro com os ministros provinciais… Então, não estava à espera de nenhuma notícia vinda do Vaticano. Foi uma surpresa, foi uma surpresa. Mas, ao mesmo tempo, senti o peso do pedido do Papa para ser Bispo de Bafatá. E isso implicava também para mim deixar tudo o que estava a fazer, o que tinha programado. E isso não foi fácil. Mas tive de aceitar com fé”, diz, em entrevista à Fundação AIS na semana em que vai ser ordenado Bispo.
POBREZA ECONÓMICA, SOCIAL E CULTURAL
A Guiné-Bissau é um dos países mais pobres e frágeis do mundo. Calcula-se que cerca de 26% da população sobrevive com menos de dois euros por dia. É assim também em Bafatá. O novo Bispo, que vai suceder ao missionário brasileiro D. Pedro Carlos Zilli, que morreu de Covid19 em 2021, reconhece isso.
“A nossa diocese tem muitas carências económicas, sociais e culturais”. A maior parte das famílias pratica uma agricultura de subsistência e há uma área, na diocese, a leste, que é praticamente desértica ou caminha para isso. E a sul, assiste-se à destruição da floresta. “A floresta está a ser devastada e isso complica também a produção agrícola”, diz o frade franciscano. “E com a monocultura da castanha-de-caju, a situação tem estado a piorar”, acrescenta.
Mas não há apenas pobreza económica em Bafatá. Há também pobreza social e cultural. “Não temos pessoas formadas, não temos boas escolas, não temos, aliás, escolas”, reconhece o novo responsável da diocese de Bafatá. “Sobretudo, as mulheres precisam de formação, precisam de educação. E a nossa igreja, digamos, a nossa diocese é uma diocese que precisa verdadeiramente de ajuda em todos os sentidos”, conclui.
APOSTAR NA FORMAÇÃO DAS PESSOAS
Ideias não faltam. Para já, o propósito do novo Bispo é apostar na formação dos jovens, das crianças e adolescentes e também das mulheres. “Por exemplo, podemos criar cooperativas para mulheres, sobretudo cooperativas agrícolas, com projectos de transformação também de produtos locais”, explica. “Infelizmente, não temos meios, mas são ideias que gostaríamos de realizar. Mas o mais importante e urgente neste momento é a formação das pessoas, sobretudo nas escolas”, diz, referindo outros casos igualmente essenciais para a promoção humana das populações da sua diocese. “É preciso a criação de poços para água, criar melhores condições de higiene, poços sanitários, e ver como ajudar a melhorar a dieta alimentar, investindo na formação das mulheres”, acrescenta.
“TEMO UMA ESCALADA DA VIOLÊNCIA”
A Guiné-Bissau foi surpreendida, em 2022, com a notícia da destruição de imagens e a profanação de uma igreja em Gabu, na Diocese de Bafatá. Nunca algo do género tinha ocorrido neste país africano. Passaram três anos e continua a não se saber quem esteve por trás daquele ataque inédito a uma Igreja Católica. O novo Bispo acredita ser improvável vir a saber-se o que realmente aconteceu. “Acho que vai ser difícil chegarmos a uma conclusão”, diz.
Nos últimos tempos, a Guiné-Bissau tem vivido também tempos de agitação social e política, algo que se poderá agravar com as próximas eleições, legislativas e presidenciais, agendadas já para Novembro deste ano. E D. Victor Luís Quematcha teme alguma instabilidade. “Claro que temo, porque as eleições na Guiné-Bissau constituem sempre um foco de tensão. As pessoas pensam que a solução talvez seja as eleições, mas não é bem assim. Então, há sempre essa luta pelo poder, que cria tensão. Depois disso, vem a acalmia, mas temo uma escalada de violência. Por isso é que acho que devemos trabalhar muito para a prevenção de uma escalada de violência por causa das eleições.”
EMISSORA CATÓLICA APOIADA PELA AIS
Em Março de 2023, na primeira visita do actual Núncio Apostólico à Guiné-Bissau, D. Stanislaw Sommertag visitou as instalações da Rádio SolMansi, a emissora católica local, que é apoiada pela Fundação AIS, e afirmou que ela desempenha um papel importante como instrumento de paz e de diálogo. O novo Bispo de Bafatá não só concorda como vê aqui um bom exemplo do apoio que a fundação pontifícia pode dar não à sua diocese e a todo o país.
“Como já disse, a nossa diocese é uma diocese pobre. E acho que a Fundação AIS pode ajudar, por exemplo, na parte da educação, com a formação dos professores, porque precisamos de preparar melhor os nossos professores. E também se pode pensar nos edifícios, na construção.”
Há aldeias que não têm escolas. E eu acho que Ajuda à Igreja que Sofre poderá ajudar nesse sentido. E também a nível da evangelização, apoiando na formação de agentes pastorais, não só o clero, ou os religiosos, mas também os nossos catequistas, os animadores e as comunidades que também precisam de uma formação.”
D. Victor Luís Quematcha
“A GUINÉ-BISSAU PRECISA DE MUITA AJUDA”
D. Victor Luís Quematcha fez questão de deixar uma mensagem para os benfeitores e amigos da AIS em Portugal e espalhados pelo mundo e que permitem, com a sua generosidade, que dioceses pobres como a de Bafatá possam ter melhores condições para a realização do trabalho pastoral.
“Devo dizer que aprecio muito o que a AIS tem estado a fazer em prol da promoção humana. É uma mensagem de apreço, ao mesmo tempo de encorajamento para se continuar essa obra de evangelização. Sabemos que é uma instituição voltada para os mais necessitados, [e espero] que continuem a olhar com um bom olhar para a Guiné-Bissau, que precisa muito de ajuda”, diz. “Acho que é o meu dever agradecer e encorajar a Fundação AIS a continuar essa colaboração com a Igreja de Guiné-Bissau através da Rádio SolMansi”, conclui.
A ordenação episcopal de D. Victor Luís Quematcha está marcada para o próximo sábado, 28 de Junho, na Sé Catedral de Bafatá, e contará com a presença de doze bispos de várias partes do mundo, como Cabo Verde, Brasil, Senegal e Portugal. Quematcha escolheu como lema episcopal a expressão evangélica “Sois todos irmãos”, sublinhando o seu compromisso com a fraternidade e a unidade dentro da Igreja e da sociedade.
Paulo Aido e Casimiro Cajucam
Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt