Em discurso ao Corpo Diplomático, o Santo Padre lembrou que “em cada sete cristãos, um é perseguido” por causa da sua fé, e que a defesa da liberdade religiosa está intimamente ligada à defesa da paz. Francisco elencou, perante os embaixadores creditados na Santa Sé, os países que mais o preocupam na actualidade, não só por causa de guerras e violência, mas também pelos conflitos que nascem de governos autoritários.
Ontem, 9 de Janeiro, num discurso marcado por uma III guerra mundial “que está em curso”, o Papa Francisco enumerou, perante os embaixadores creditados na Santa Sé, algumas das suas principais preocupações sobre o rumo da humanidade. E a questão da liberdade religiosa teve um destaque significativo. “A paz exige também que se reconheça universalmente a liberdade religiosa”, disse o Santo Padre, acrescentando: “É preocupante que haja pessoas perseguidas apenas porque professam publicamente a sua fé; e são muitos os países onde a liberdade religiosa é limitada. Cerca de um terço da população mundial vive nesta condição. Juntamente com a falta de liberdade religiosa, há também a perseguição por motivos religiosos. Não posso deixar de mencionar, como mostram algumas estatísticas, que, em cada sete cristãos, um é perseguido.”
O papel da União Europeia
No seu discurso, o Papa lembrou que a União Europeia tem um novo Enviado Especial, para a promoção da liberdade de religião ou de credo fora da União Europeia. Trata-se do académico e político italiano Mario Mauro, designado para o cargo em Julho do ano passado. O Papa disse esperar que ele “possa dispor dos recursos e meios necessários para desempenhar adequadamente o seu mandato”, tanto mais que, acrescentou, “é bom não esquecer que a violência e as discriminações contra os cristãos aumentam também em países onde eles não são uma minoria”. E desenvolveu o tema. “A liberdade religiosa é ameaçada também onde os crentes veem reduzida a possibilidade de expressar as próprias convicções no âmbito da vida social, em nome duma equivocada noção de inclusão. A liberdade religiosa, que não se pode reduzir à mera liberdade de culto, é um dos requisitos mínimos necessários para se viver dignamente, e os governos têm o dever de a proteger e de garantir a toda a pessoa, de modo compatível com o bem comum, a oportunidade de agir segundo a própria consciência inclusive no âmbito da vida pública e no exercício da própria profissão.”
As guerras pelo mundo
O Papa Francisco aproveitou este discurso perante o Corpo Diplomático para elencar alguns dos países e das situações que mais o preocupam na actualidade, nomeadamente a guerra na Ucrânia com “o seu rasto de morte e destruição” com “ataques a infraestruturas civis” que levam as pessoas a perder a vida “à fome e ao frio”. A questão dos conflitos armados levou o Papa a referir também a ameaça nuclear, reiterando que a simples posse destas armas “é imoral”. Esta III guerra mundial em pedaços, como voltou a referir, estende-se por muitas latitudes. É o caso, por exemplo, da Síria, “a terra martirizada”, mas também do Líbano, do “aumento da violência entre palestinianos e israelitas”, da situação no Cáucaso, no Iémen e na Etiópia, e das “tragédias vividas pelas populações do Burkina Faso, do Mali e da Nigéria”, sem esquecer o Sudão do Sul, Mali, Chade e Guiné. A situação em Myanmar, “que já há dois anos sofre violência, tribulação e morte”, e na Península coreana, mereceram também a reflexão do Santo Padre, sempre com o propósito de se avançar para caminhos de paz. Também o Irão mereceu palavras de preocupação e de condenação. “O direito à vida é ameaçado também onde se continua a praticar a pena de morte, como está a acontecer nestes dias no Irão, na sequência das recentes manifestações que pedem maior respeito pela dignidade das mulheres.”
Respeitar a pessoa humana
No discurso, de quase 40 minutos, o Papa Francisco falou ainda do Brasil, que vive tempos politicamente conturbados, referiu as viagens do Sudão do Sul e República Democrática do Congo, que visitará daqui a poucas semanas, de 31 de Janeiro a 5 de Fevereiro, e fez uma menção especial à República Popular da China e ao acordo provisório entre Santa Sé e Pequim para a nomeação dos bispos católicos, rubricado em 2018 e que foi prorrogado por mais dois anos. “Espero que esta relação de colaboração se possa desenvolver em prol da vida da Igreja Católica e do bem do povo chinês”, disse. No discurso ao Corpo Diplomático – a Santa Sé mantém relações diplomáticas com 183 países a que se acrescentam ainda a União Europeia e a Soberana Militar Ordem de Malta –, Francisco lembrou, São João Paulo XXIII, o “Papa bom”, autor da encíclica ‘Pacem in terris’, de que se assinala este ano o sexagésimo aniversário, para dizer que a paz é sempre possível à luz de quatro bens fundamentais, a verdade, a justiça, a solidariedade e a liberdade. “Construir a paz na verdade significa, antes de tudo, respeitar a pessoa humana”, sublinhou o Papa, alertando ainda para que não se esqueça o papel das mulheres, que em muitos países são ainda “consideradas cidadãos de segunda classe”.