Foi um apelo ao “verdadeiro desarmamento”. O Papa Francisco assinalou no Domingo de Páscoa a urgência da paz para todos os países do mundo onde a violência da guerra marca o quotidiano. Uma mensagem em que lembrou que há cristãos que, em muitos lugares, “não podem professar livremente a fé”. Palavras que agora ganham um relevo especial, pois foi o seu último texto…
Era para ser apenas mais uma mensagem Urbi et Orbi – para a cidade de Roma e para o mundo, mas ganhou um relevo especial com a notícia, na manhã desta segunda-feira, dia 21, da morte do Santo Padre.
Escrita pelo Papa Francisco e lida por D. Diego Ravelli, mestre das Celebrações Litúrgicas Pontifícias, a mensagem – a última de Francisco – foi um verdadeiro roteiro pelas guerras que atormentam a humanidade neste mês de Abril de 2025, e também por alguns dilemas que se colocam sempre à humanidade.
“Sinto-me próximo dos cristãos que sofrem na Palestina e em Israel, bem como do povo israelita e palestiniano. É preocupante o crescente clima de antissemitismo que se está a espalhar por todo o mundo. E, ao mesmo tempo, o meu pensamento dirige-se ao povo, em particular, à comunidade cristã de Gaza, onde o terrível conflito continua a gerar morte e destruição e a provocar uma situação humanitária dramática e ignóbil. Apelo às partes beligerantes que cheguem a um cessar-fogo, que se libertem os reféns e se preste assistência à população faminta, desejosa de um futuro de paz”, disse o Papa.
“Rezemos pelas comunidades cristãs do Líbano e da Síria – este último país a atravessar uma fase delicada da sua história –, que anseiam por estabilidade e participação no futuro das respetivas nações. Exorto toda a Igreja a acompanhar com atenção e oração os cristãos do amado Médio Oriente. Dirijo também um pensamento especial ao povo do Iémen, que está a viver uma das piores crises humanitárias ‘prolongadas’ do mundo devido à guerra, e convido todos a encontrar soluções através de um diálogo construtivo”, acrescentou o Santo Padre.
LUGARES DE GUERRA E MORTE
Na mensagem, Francisco lembrou “a martirizada Ucrânia” e apelou às partes envolvidas a prosseguirem com os esforços no sentido de se alcançar “uma paz justa e duradoura”, mas não deixou de lembrar outros países onde a paz é também urgente.
Pediu, por exemplo, orações para uma “rápida assinatura” de um definitivo acordo de paz entre Arménia e Azerbaijão, assim como rogou que se evitasse uma “escalada de tensões e crises” nos Balcãs Ocidentais.
Neste périplo por um mundo onde a violência tem primazia, o Papa não deixou de referir alguns dos conflitos armados que estão a provocar as maiores crises humanitárias da actualidade mas que, no entanto, muitas vezes passam simplesmente despercebidos aos olhos do mundo. E muitos desses conflitos ocorrem em África.
“Que Cristo ressuscitado, nossa esperança, conceda paz e conforto aos povos africanos vítimas de violência e conflitos, especialmente na República Democrática do Congo, no Sudão e no Sudão do Sul, e apoie todos quantos sofrem devido às tensões no Sahel, no Corno de África e na Região dos Grandes Lagos, tal como os cristãos que em muitos lugares não podem professar livremente a fé. Não é possível haver paz onde não há liberdade religiosa ou onde não há liberdade de pensamento nem de expressão, nem respeito pela opinião dos outros”, escreveu o Papa nesta mensagem para o dia de Páscoa.
Uma mensagem em que a guerra em Mianmar e o sofrimento causado pelo recente e devastador sismo não foram também esquecidos, pedindo a solidariedade do mundo para com este povo. “Neste momento, não falte a nossa ajuda ao povo do Mianmar que, atormentado por anos de conflito armado, enfrenta com coragem e paciência as consequências do devastador sismo em Sagaing, causador da morte de milhares de pessoas e de sofrimento para muitos sobreviventes, incluindo órfãos e idosos. Rezemos pelas vítimas e pelos seus entes queridos e agradeçamos de todo o coração a generosidade dos voluntários que levam a cabo as operações de socorro. O anúncio do cessar-fogo por parte de vários intervenientes no país é um sinal de esperança para todo o Mianmar”, pediu o Papa.
TODAS AS VIDAS SÃO PRECIOSAS
Mas para além do roteiro das guerras e da urgência de paz, neste último texto, nesta mensagem ‘Urbi et Orbi’, Francisco falou também no direito à vida, em todas as fases da vida, e no fim da violência, de toda a violência. Uma mensagem escrita para ser lida no Domingo de Páscoa.
“Cristo ressuscitou! Neste anúncio encerra-se todo o sentido da nossa existência, que não foi feita para a morte, mas para a vida. A Páscoa é a festa da vida! Deus criou-nos para a vida e quer que a humanidade ressurja! Aos seus olhos, todas as vidas são preciosas! Tanto a da criança no ventre da mãe, como a do idoso ou a do doente, considerados como pessoas a descartar num número cada vez maior de países. Quanto desejo de morte vemos todos os dias em tantos conflitos que ocorrem em diferentes partes do mundo! Quanta violência vemos com frequência também nas famílias, dirigida contra as mulheres ou as crianças! Quanto desprezo se sente por vezes em relação aos mais fracos, marginalizados e migrantes!”
LIBERTEM OS PRISIONEIROS
Francisco voltou a sublinhar também a urgência de um “verdadeiro desarmamento”, sem o qual não será possível a verdadeira paz. “A necessidade que cada povo sente de garantir a sua própria defesa não pode transformar-se numa corrida generalizada ao armamento. A luz da Páscoa incita-nos a derrubar as barreiras que criam divisões e que acarretam consequências políticas e económicas. Incita-nos a cuidar uns dos outros, a aumentar a solidariedade mútua, a trabalhar em prol do desenvolvimento integral de cada pessoa humana”, escreveu o Papa Francisco nesta última mensagem que é um retrato de um planeta dilacerado por uma guerra mundial em pedaços, como alertou também tantas vezes.
“Que o princípio da humanidade nunca deixe de ser o eixo do nosso agir quotidiano. Perante a crueldade dos conflitos que atingem civis indefesos, atacam escolas e hospitais e agentes humanitários, não podemos esquecer que não são atingidos alvos, mas pessoas com alma e dignidade. E, neste ano jubilar, que a Páscoa seja também uma ocasião propícia para libertar os prisioneiros de guerra e os presos políticos”, escreveu na mensagem em que desejou ainda a todos uma “Feliz Páscoa”.
Palavras que agora ganham um relevo especial, pois foi o seu último texto…
Paulo Aido | Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt