SÍRIA: Um ano depois do terramoto, a maioria dos afectadas ainda não regressou a casa, diz religiosa portuguesa

O sismo que abalou o norte e o oeste da Síria no dia 6 de Fevereiro de 2023 foi já considerado como o mais violento terramoto a atingir o país desde meados do século XIX. Calcula-se que terão morrido mais de 6 mil pessoas e muitos milhares ficaram feridos, perderam tudo o que tinham. Um ano depois, a maioria da população mais afectada ainda não conseguiu regressar a casa, diz a irmã Maria Lúcia Ferreira que vive num mosteiro em Qara. “A maior parte das pessoas está junto de família próxima ou emigrou”, diz a irmã, descrevendo um país onde a pobreza cresce de dia para dia.

O terramoto que sacudiu o norte e o oeste da Síria e também vastas áreas da Turquia no dia 6 de Fevereiro de 2023, ficará para sempre registado como um dos piores desastres naturais de que há registo na região. No total, nos dois países, mais de 60 mil pessoas perderam a vida, mais de cem mil ficaram feridas e milhões foram afectadas, vendo as suas casas ruírem ou ficarem tão danificadas que se tornou impossível a sua habitabilidade.

Um ano depois, na Síria, constata-se que a maior parte das populações afectadas pelo terramoto ainda não conseguiram refazer as suas vidas. Segundo a irmã Maria Lúcia Ferreira, mais conhecida como Irmã Myri, e que vive num mosteiro na vila de Qara, a maioria das pessoas continua a viver em casa de familiares ou amigos, ou simplesmente abandonou o país. O terramoto, explica a religiosa numa mensagem enviada para Lisboa, para a Fundação AIS, veio agravar ainda mais a pobreza em que se encontra a Síria.

Em primeiro lugar é preciso dizer que, para toda a gente aqui na Síria, as coisas estão muito más no que concerne a viver, a simplesmente viver no dia-a-dia. Com as pessoas que foram mais atingidas pelo terramoto, menos de 40 por cento puderam voltar às suas casas.”

A religiosa portuguesa explica que “a maior parte” não consegue realizar as obras necessárias para a reabilitação dos seus edifícios “porque não tem meios económicos para o fazer”. O sismo veio agravar a situação de profunda crise em que a Síria está mergulhada e funcionou, de certa forma, diz ainda a irmã Myri, como pretexto para muitas famílias emigrarem.

“A maior parte das pessoas está a viver ou junto de família próxima ou emigrou. O terramoto foi mais uma desculpa acrescida ao que se passa. Ultimamente, muita gente tem emigrado porque tornou-se muito difícil viver no dia-a-dia”, explica a religiosa que vive no Mosteiro de São Tiago Mutilado, na vila de Qara, e pertence à Congregação das Monjas de Unidade de Antioquia.

“MUITA GENTE JÁ NÃO TEM COMO VIVER…”

A questão da emigração das famílias é uma realidade cada vez mais comum no quotidiano da Síria. E isso ficou agora particularmente visível entre as populações mais afectadas pelo sismo. “Procuram um lugar onde ao menos sabem que podem ter uma vida um bocadinho melhor e se não o conseguirem inscrevem-se junto dos governos e sempre têm alguma ajuda que, aqui, já não há”, descreve a irmã Myri.

As condições de vida na Síria têm-se degradado continuamente, como, aliás, a Fundação AIS tem denunciado. A religiosa portuguesa fala num imenso contraste com o país que existia antes de a guerra ter começado, há cerca de uma dúzia de anos. “Antes da guerra, a Síria era um lugar fácil para se viver. Havia poucos pobres, etc., agora tudo é dificílimo, tudo é muito difícil.”

E se é assim para a população em geral, mais grave é a realidade para os que vivem nas zonas que sofreram mais pelo abalo sísmico, nomeadamente Hama, Ideleb, Alepo, Latakia. “Muita gente já não tem como viver”, diz a irmã.

PREÇOS PROIBITIVOS

As consequências do sismo para o acentuar da degradação da vida das populações sírias, foi denunciado também pela directora do secretariado português da Fundação AIS que, no final do ano passado, visitou este país numa viagem de trabalho com responsáveis de outros secretariados da instituição.  Uma viagem que serviu para a fundação pontifícia se aperceber do andamento no terreno dos diversos projectos de apoio à comunidade cristã e para fazer com que essa ajuda se torne ainda mais eficaz junto de uma população que vive em quase calamidade após mais de 12 anos de guerra.

Tal como agora diz a irmã Myri, também Catarina Bettencourt escutou muitos lamentos da população, com as pessoas a dizerem que se chegava a viver melhor durante os anos em que a guerra civil foi mais aguda do que agora, o que dá bem a ideia do desespero em que se encontram as famílias num país cuja economia está em colapso. 

Em Homs, por exemplo, antes do sismo de Fevereiro, alugar uma casa poderia custar cerca de 200 mil liras sírias. Agora, esse valor subiu para 600 mil ou mesmo 1 milhão. Ninguém consegue pagar isso… Neste momento, muitos cristãos estão a vender os seus bens, os que ainda têm alguma coisa com algum valor, para tentarem sair do país. É preciso mesmo apoiar os que estão na Síria, os que querem ficar na Síria, para que a comunidade cristã simplesmente não desapareça.”

“CONTINUEM A AJUDAR O NOSSO POVO…”

Para ajudar precisamente a comunidade cristã a permanecer no território, nestas terras bíblicas da Síria, a Fundação AIS tem vindo a lançar diversas iniciativas, a mais recente ocorreu no Natal do ano passado em parceria com a irmã Annie Demerjian, da Congregação de Jesus e Maria.

Graças à solidariedade dos benfeitores e amigos da AIS em Portugal e em todos o mundo foi possível entregar a mais de 27 mil crianças oriundas de famílias particularmente vulneráveis camisolas quentes para sobreviverem ao rigoroso inverno que se faz sentir todos os anos na Síria. Uma campanha simples que fez toda a diferença junto destas crianças que vivem em Damasco, Alepo, Homs, Hama e Lattakia, entre outras vilas e cidades da Síria.

“Queremos agradecer a todos os benfeitores da Fundação AIS as orações e a ajuda que temos recebido de todos vós. Peço-vos que continuem a ajudar o nosso povo que sofre e que o Senhor vos abençoe infinitamente”, disse na altura a irmã Annie Demerjian, uma das principais parceiras de projectos da Fundação AIS na Síria.

Paulo Aido | Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt

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