SÍRIA: “Peço a vossa oração para que não haja guerra civil”, diz Irmã Maria Lúcia Ferreira, que vive num mosteiro em Qara

Desde a queda do regime sírio, com a tomada das principais cidades pelos grupos armados e fuga do país de Bashar al-Assad, que há uma enorme expectativa sobre o que vai acontecer ao país. Para já, diz a Irmã Maria Lúcia Ferreira, a única religiosa portuguesa a viver na Síria, “está tudo bem, mas os cristãos tiveram muito medo”. Ontem, o Papa pediu a intercessão da Virgem Maria para que o povo sírio “possa viver em paz e segurança na sua amada terra”, neste momento delicado da sua história…

Esperança e medo. Os cristãos acompanham todas as mudanças que estão a ocorrer na Síria com um sentimento misto de receio de que os tempos de guerra civil possam regressar, mas também de esperança de que as famílias consigam viver sem o sufoco económico e material em que se encontram.

A mudança de poder na Síria surpreendeu praticamente todo o mundo pela rapidez com que os grupos armados foram conquistando cidade após cidade até entrarem na própria capital e levando à fuga do ditador, Bashar al-Assad, e à queda do regime. No espaço de pouco mais de uma semana, entre o final de Novembro e o princípio de Dezembro, o poder mudou de mãos. O grupo islâmico Hayat Tahiri al-Cham lidera agora o país e até ao momento essa transição tem ocorrido sem sobressaltos de maior, “sem a carnificina que se temia”, como sublinhou recentemente o Cardeal Mario Zenari, o Núncio Apostólico em Damasco.

Também o Papa Francisco se referiu ontem à importância de a Síria não cair novamente numa espiral de violência. No final da Audiência Geral das quartas-feiras, o Santo Padre compartilhou a esperança de que se possa continuar no caminho da “estabilidade” e da “unidade”, sem mais violência. “Espero que se chegue a uma solução política que, sem mais conflitos nem divisões, promova de forma responsável a estabilidade e a unidade do país”, referiu Francisco que deseja que o povo sírio, a quem confia a intercessão da Virgem Maria, “possa viver em paz e segurança na sua amada terra”.

“ESTÁ TUDO BEM”, DIZ A IRMÃ MYRI

De facto, existe esperança, mas também muito receio. Isso mesmo foi referido, uma vez mais, pela Irmã Maria Lúcia Ferreira, que é também conhecida como Irmã Myri, a única religiosa portuguesa na Síria e que, desde o Mosteiro de São Tiago Mutilado, onde vive, na vila de Qara, tem sido uma observadora privilegiada da revolução em curso neste país do Médio Oriente. A religiosa explicou a situação numa mensagem de voz enviada ontem para a Fundação AIS em Lisboa:

Posso dizer que está tudo bem, os cristãos tiveram muito medo, a lembrança da guerra está muito presente e o perigo de entrar de novo nela fez muito medo a muita gente, já que foram rebeldes que fizeram este avanço e a memória dos massacres está ainda muito presente na memória das pessoas.

CRIAR UM CLIMA DE CONFIANÇA

No princípio, até pela surpresa que representou a tomada de Alepo, a segunda cidade mais importante da Síria, e onde vive ainda uma importante comunidade cristã, o medo instalou-se na população e muitos partiram. Mas agora estão a regressar a suas casas, garante a religiosa. “Os cristãos fugiram das suas casas, mas graças a Deus já estão a voltar”, refere a irmã, explicando que a atitude de respeito que os novos responsáveis da Síria têm manifestado pelas várias comunidades religiosas existentes na Síria tem ajudado a criar um clima de confiança. O perigo mesmo, diz a religiosa, é que tudo possa cair no caos, com grupos armados a digladiarem-se uns aos outros, como aconteceu nos anos mais duros da guerra civil que começou em 2011.

O único perigo, e é para isso que peço realmente a vossa oração, é que a Síria não caia no caos, e que as coisas se resolvam de maneira calma e, pouco a pouco, a ordem volte ao país porque, por exemplo em Alepo, começou a desordem, os roubos, porque, claro, a polícia já não está presente, o exército também não e tudo precisa de voltar a estar sob uma organização e autoridade.”

Atitude expectante é também a do Cardeal Pietro Parolin. “Penso que estamos todos preocupados com o que está a acontecer na Síria também por causa da velocidade com que se deram estes acontecimentos. É difícil compreender o que está a suceder”, sublinha o secretário de Estado do Vaticano. “Impressiona-me que um regime que parecia tão forte, tão sólido, [e que] num curto espaço de tempo tenha sido completamente varrido”, disse também o prelado em declarações citadas ontem pelo Vatican News. De qualquer forma, o Cardeal Parolin manifestou a esperança de que os novos responsáveis pelo poder na Síria sejam capazes de criar “um regime aberto a todos e que respeite a todos”.

AIS PEDE RESPEITO PELA LIBERDADE DE CULTO

A preocupação manifestada pelo Cardeal Pietro Parolin é partilhada também pela Fundação AIS. Regina Lynch, a presidente executiva internacional da fundação pontifícia, emitiu na segunda-feira, dia 9 de Dezembro, um comunicado em que se pede precisamente à comunidade internacional e às novas autoridades do país para assegurarem os direitos fundamentais de todas as comunidades religiosas. “A queda do regime de Assad e a tomada de Damasco pelos rebeldes marcam um momento histórico. Embora as minorias religiosas tenham sido amplamente respeitadas durante esta transição, a nossa experiência passada recorda-nos como as liberdades religiosas podem ser severamente restringidas em tempos de instabilidade na região”, disse Regina Lynch, pedindo aos novos responsáveis do país que garantam a liberdade de culto de todas as comunidades.

“Apelamos à comunidade internacional e às novas autoridades da Síria para que assegurem a protecção dos direitos fundamentais de todas as comunidades religiosas, garantindo a sua liberdade de culto, a sua educação e o seu direito a viver em paz”, referiu a presidente executiva internacional da fundação pontifícia.

PAZ E DIGNIDADE PARA TODOS

No comunicado, Regina Lynch reafirma ainda o compromisso da Fundação AIS na reconstrução da Síria e na continuação da ajuda essencial, na educação e apoio espiritual para a comunidade cristã. Como fundação católica, continuamos empenhados em apoiar os esforços de ajuda e reconstrução na Síria. Os nossos projectos continuarão a centrar-se na prestação de ajuda essencial, educação e apoio espiritual à minoria cristã mais vulnerável, promovendo simultaneamente a reconciliação e a esperança. Exortamos todas as pessoas de boa vontade a juntarem-se em oração pelo povo da Síria e a reforçarem os esforços para garantir que esta transição conduza à justiça, à paz e à dignidade para todos”, disse Regina Lynch.

Paulo Aido | Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt

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Mais de 11 anos após o início da guerra na Síria, o país continua a ser fortemente afectado. Embora os combates tenham diminuído significativamente e o autoproclamado Estado Islâmico tenha sido expulso como força territorial, a Síria continua dividida a nível regional, o que afecta profundamente a liberdade religiosa.

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