SÍRIA: “Fomos expulsos por causa da nossa fé”, lembra médico cristão de Alepo em iniciativa da AIS de Espanha

SÍRIA: “Fomos expulsos por causa da nossa fé”, lembra médico cristão de Alepo em iniciativa da AIS de Espanha

Foi um dos momentos mais marcantes da Noite dos Testemunhos que a Fundação AIS de Espanha organizou em Madrid na noite de 24 de Fevereiro. Freddy Hanna, um médico cristão que vive com a família em Valência, recordou como foi forçado a deixar o seu país em 2012, quando os grupos jihadistas controlavam já a maior parte das cidades e vilas da Síria.

“Nós, católicos, éramos felizes e tínhamos tudo; as nossas igrejas, as nossas escolas, os nossos escoteiros e participávamos em todos os eventos católicos nacionais e internacionais com total liberdade.” Esta Síria, que o médico Freddy Hanna descreveu na noite de 24 de Fevereiro na catedral de Almudena, em Madrid, já não existe mais. Acabou com a guerra civil que destruiu grande parte do país, arruinou cidades e forçou milhões de pessoas a fugir. A guerra, que começou em 2011 e ainda não terminou completamente, provocou cerca de 6,9 milhões de deslocados dentro do próprio país e outros 6,6 milhões de refugiados, que procuraram abrigo fora das fronteiras da Síria. Freddy Hanna e a sua família fazem parte desse grupo. Conseguiram aguentar ainda um ano até que se tornou impossível permanecer na terra onde tinham nascido. Com a guerra tudo muda, explicou o médico fisiatra. “Começa uma dura perseguição aos Cristãos. Uma perseguição cruel. Todos se recordarão das terríveis imagens de homens crucificados que foram difundidas nas redes sociais para espalhar o terror de Raqqa, no norte do meu país. Eram cristãos, são mártires, e desde então tenho pensado comigo mesmo: ‘Poderia ter sido eu, não sou diferente de todos estes homens que foram mortos’. Eram homens comuns e morreram por seguirem Jesus e isso poderia ter acontecido comigo.”

Fugir para viver
Antes da guerra, em 2010, os Cristãos eram uma das principais comunidades religiosas, apesar de representarem apenas cerca de 12 por cento da população total do país. Vivia-se em harmonia e tolerância. A guerra, porém, alterou esta convivência. Os Cristãos passaram a ser um dos alvos dos grupos jihadistas que espalharam o seu reino de terror a praticamente todo o lado. A família de Freddy Hanna não foi excepção. O pai era agricultor e tinha um campo de trigo numa aldeia perto de Alepo. “Quando chegaram às nossas terras agrícolas, sabendo que somos católicos, pediram-nos que pagássemos um imposto. O imposto chama-se Yizia. Ou pagávamos uma taxa mensal ou eles prejudicariam a família. Eles conheciam-nos. Os meus pais tiveram de decidir e nós fugimos para continuarmos vivos. Fomos expulsos da nossa terra por causa da nossa fé.” Apesar de tudo, quando olha para trás, Freddy ainda considera que teve sorte. Alguma sorte. “A nossa história é simples se a compararmos com a de outras pessoas, muitos amigos e familiares que tiveram de deixar os seus apartamentos, as suas aldeias, as suas vilas, as suas cidades de um dia para o outro, sem poder preparar nada, para além do custo de chegar a um país seguro ou de partir como refugiados.”

Pobreza generalizada
Partiram em 2012 rumo à Europa, mas as memórias do tempo em que viveram sob o jugo dos jihadistas não desaparecerá tão cedo da memória. “Estando em solo ocupado pelo Estado Islâmico, a minha mãe teve de usar um véu e evitar possíveis perguntas ou ameaças enquanto fugíamos. A minha mãe estava muito assustada e durante toda a viagem não parou de rezar, sempre agarrada ao seu terço.” O médico aproveitou também esta oportunidade de participar na Noite dos Testemunhos, da Fundação AIS, para lembrar ao mundo que a Síria atravessa um tempo terrível, com uma crise económica brutal que está a conduzir a sua população para a quase indigência. “Actualmente, a Síria encontra-se numa situação muito má. Noventa por cento da população, 9 em cada 10 pessoas, vivem com 1 euro por dia, 30 euros por mês. Toda a população é pobre e carece de tudo: electricidade, água potável, aquecimento, comida, leite para as crianças, medicamentos… É uma situação muito complicada e difícil.”

Sustentar a fé
Desde 2012 que a família Hanna deixou a Síria. Agora vivem todos em Valência. O encontro organizado pela Fundação AIS na catedral de Almudena, na capital espanhola, foi uma oportunidade para este médico cristão agradecer também toda a ajuda que tem sido dada à Igreja da Síria, uma ajuda agora evidenciada também pelo dramático terramoto que atingiu principalmente a região norte do país. “Durante estes anos de guerra, e agora com esta catástrofe, muitas organizações como a Fundação AIS em contacto com a Igreja síria ajudam os padres, religiosas e famílias que lá se encontram. Sem a Igreja, nós, Cristãos, não poderíamos viver na Síria”, disse Freddy Hanna. “Sem a grande família que a Igreja é, poderíamos deixar de existir mas, graças a Deus, o Senhor colocou-os no nosso caminho e com as suas orações ajudam a sustentar a nossa fé”, acrescentou. Além do testemunho deste médico, o encontro promovido pelo secretariado espanhol da Ajuda à Igreja que Sofre contou também com o depoimento de um sacerdote oriundo do Burkina Faso, um país africano onde a comunidade cristã tem sofrido também uma perseguição cada vez mais intensa por parte de grupos terroristas ligados aos jihadistas do Daesh, o Estado Islâmico, que tanto mal causaram na Síria.

PA | Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt

Relatório da Liberdade Religiosa

Mais de 11 anos após o início da guerra na Síria, o país continua a ser fortemente afectado. Embora os combates tenham diminuído significativamente e o autoproclamado Estado Islâmico tenha sido expulso como força territorial, a Síria continua dividida a nível regional, o que afecta profundamente a liberdade religiosa.

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