A conquista de Alepo por grupos jihadistas no final da semana passada está a levar à fuga da população. “Há muita gente nas estradas”, descreve à Fundação AIS a irmã Maria Lúcia Ferreira. A religiosa portuguesa, que vive num mosteiro na vida de Qara, diz que o ataque veio desmoralizar bastante a população que teme agora “voltar de novo aos tempos da guerra”. Também a irmã Annie Demerjian, que está em Damasco, e que é parceira de longa data de projectos da AIS na Síria, fala numa situação “muito triste” e pede ajuda e as nossas orações…
Medo, angústia, cansaço. A vida, na Síria, quase que se podia resumir a estas três palavras. A conquista de Alepo no final da semana passada por grupos armados jihadistas, lançou o medo de que os tempos de guerra, da brutal guerra civil estejam de volta.
A irmã Maria Lúcia Ferreira, que pertence à congregação das Monjas de Unidade de Antioquia, e que vive no Mosteiro de São Tiago Mutilado, na vila de Qara, descreveu para a Fundação AIS o ambiente que se vive no país onde a angústia e o cansaço das populações está presente em quase todos os rostos. A situação na região de Alepo permanece incerta, havendo relatos de que as forças governamentais se preparam para tentar desalojar os grupos armados desta que é a segunda maior cidade síria. E o medo de uma escalada militar está a levar à fuga das populações. “Nestes últimos dias há muita gente, muita gente nas estradas a sair de Alepo”, garante a religiosa portuguesa que é mais conhecida apenas como Irmã Myri.
Sobre o que está a acontecer em Alepo, as informações são ainda muito escassas. Isso percebe-se também nas palavras, cautelosas, da Irmã Maria Lúcia Ferreira.
Exactamente o que está a ser perpetrado não se sabe muito bem, mas, pronto, ninguém está à-vontade, parece que não estão a acontecer ainda coisas muito más, mas é [tudo] muito recente.
Irmã Myri
OS RECEIOS DA IRMÃ ANNIE
Também a irmã Annie Demerjian, que pertence à Congregação de Jesus e Maria, e que é parceira de projectos da Fundação AIS na Síria desde há vários anos, acompanha com preocupação o que se passa em Alepo, cidade que conhece bem e onde tem desenvolvido um trabalho notável de ajuda às populações mais carenciadas.
Mas quando se deu a conquista, na semana passada, desta que é a segunda metrópole mais importante do país, a irmã estava em Damasco. E foi desde a capital da Síria que enviou uma mensagem à directora do secretariado nacional da Fundação AIS. Uma mensagem de voz em que não esconde o desalento e o cansaço. “Nós estamos em Damasco, todas as irmãs. Não porque tenhamos fugido recentemente. Nós saímos antes [da conquista de Alepo], mas ainda temos lá um grupo de voluntários a dar assistência aos idosos. Rezamos e esperamos que isto termine rapidamente. Eles precisam de ajuda, especialmente os mais idosos, os que ficaram sem qualquer ajuda, isso é o mais importante. Deus vos abençoe e obrigada por perguntarem”, disse a religiosa, terminando a mensagem dizendo que tudo isto “é muito triste, muito triste…” “De um momento para o outro, no espaço de uma hora, invadiram tudo, tudo…”
“O PAÍS ESTÁ CANSADO DE CRISE…”
A tomada da cidade de Alepo está a ter consequências também ao nível económico em todo o país. Exemplo disso é o aumento exponencial do custo de vida. Os preços, explica a irmã Myri, “subiram 50 por cento nestes dias” e tudo isto está a levar a um enorme cansaço das populações.
Ao medo do regresso generalizado da guerra, que continua a ser como que um fantasma que paira sobre todo o país, soma-se a crise económica que está a arrastar as famílias para a miséria. E os que podem, especialmente os mais novos, abandonam a Síria. “Toda a gente está cansada. Esta invasão desmoralizou bastante as pessoas, é como voltar de novo à guerra, ao tempo da guerra, e o país está cansado da situação económica”, afirma a irmã portuguesa. Antes da tomada de Alepo, com tudo o que isso representa de ameaça de um conflito de grande dimensão, “já a maioria das pessoas pensava em partir, em viver uma nova vida fora do país”. “Com os jovens é a 100 por cento, querem partir”, assegura a religiosa.
ATÉ AS CRIANÇAS TÊM MEDO DE TRABALHAR
Neste contexto, as famílias lutam como podem para a sobrevivência no dia-a-dia. Mas é tudo muito difícil e as pessoas estão fatigadas. “Em relação à energia, à electricidade, ao mazout [combustível usado para o aquecimento das casas], à gasolina… todas essas coisas são uma dor de cabeça. O governo deu 50 litros de mazout para as famílias para todo o Inverno. Isso dá, no máximo, para 10 dias… O resto é comprado a 15 mil libras o litro [cerca de 1 euro]”, esclarece a irmã.
Mas os salários, diz também, podem oscilar entre as 100 mil libras [cerca de 7,3 euros], e as 300 mil [cerca de 22 euros]. “As pessoas estão realmente cansadas, há pessoas que têm dois e três trabalhos e dizem que não dá para viver dizem, e toda a gente que pode trabalhar vai trabalhar e até mesmo as crianças. Se a família tem necessidade, tira-as da escola para que elas vão trabalhar para poder ajudar no sustento”, finaliza a religiosa portuguesa.
“TODA A AJUDA É BEM-VINDA”
É neste contexto de enorme incerteza e medo, que a Fundação AIS acaba de lançar um apelo urgente aos seus benfeitores e amigos em Portugal e em todo o mundo para rezarem pela paz e para ajudarem a comunidade cristã que reside na região de Alepo. São cerca de 25 mil cristãos e estão agora como que encurralados na cidade que se poderá transformar num feroz campo de batalha.
“A situação é mesmo crítica”, explica Catarina Bettencourt, directora do secretariado nacional da fundação pontifícia. “Ninguém sabe como tudo isto vai evoluir, mas a comunidade cristã tem sido terrivelmente penalizada pela guerra que começou em 2011 e que, como se está a ver agora, com este avanço jihadista na região de Alepo, ainda não terminou”, diz ainda.
A Síria é um dos países prioritários para a Fundação AIS. Exemplo disso, ao longo dos últimos seis anos, houve sempre, em Portugal, uma campanha ou uma iniciativa especial durante a época de Natal em apoio à sofrida comunidade cristã. “Este ano, por causa do que está a acontecer em Alepo, é mais do que uma simples campanha de Natal. É mesmo uma campanha de emergência humanitária”, sublinha Catarina Bettencourt.
Paulo Aido | Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt