PORTUGAL: Exposição do Museu Diocesano de Santarém sobre os cristãos perseguidos, “não vai deixar ninguém indiferente”

Abanar consciências, comover, fazer pensar. Rezar. A exposição “Liberdade Garantida”, inaugurada no sábado, dia 20, no Museu Diocesano de Santarém, é como um murro na nossa indiferença. Lá dentro, no Museu, está à vista de todos o sofrimento de milhões de pessoas retratadas em histórias concretas de homens, mulheres e crianças vítimas da perseguição religiosa nos dias de hoje. Miguel Cardoso, o autor deste trabalho artístico – que tem o apoio da Fundação AIS – garante que é impossível sair indiferente da exposição e que “ela própria é uma oração”.

A exposição “Liberdade Garantida”, do artista plástico Miguel Cardoso, foi inaugurada na tarde de sábado no Museu Diocesano de Santarém. Umas horas antes da abertura, o autor apresentou-a aos funcionários, aos colaboradores do próprio Museu.

Apresentou as peças, uma a uma, falou delas, do seu significado, do que elas representam. No final, houve quem ficasse em lágrimas. Miguel Cardoso não se surpreendeu com isso. “O objectivo da exposição é que seja um abanar de consciências. Eu não espero que as pessoas se sintam chocadas de forma gratuita, espero que as pessoas pelo menos vejam e tenham consciência do que está a acontecer.” E o que está a acontecer – acrescenta – é trágico.

“É verdadeiramente dramático. Nunca, como nos dias de hoje, os cristãos foram tão perseguidos. É por isso natural que as pessoas se sintam comovidas. São crianças, são famílias destruídas, são pais que ficam sem filhos, são filhos que ficam sem mães…”

Miguel Cardoso quer, com esta exposição, mostrar que a Liberdade é demasiadamente preciosa para ser negligenciada. Numa altura em que Portugal está mobilizado para as comemorações dos cinquenta anos do 25 de Abril, esta exposição no Museu Diocesano de Santarém – curiosamente situado a algumas dezenas de metros do quartel de onde partiram as tropas comandadas por Salgueiro Maia nessa madrugada de há meio século – fala da urgência de nunca se negligenciar a liberdade. Ninguém pode dizer que a sua liberdade está sempre garantida…

CONSCIÊNCIA DA IMPORTÂNCIA DA LIBERDADE

“Há muitas gerações que já nasceram [depois do 25 de Abril] e que não têm noção do que é viver sem liberdade e de facto isso é um drama que acontece nos dias de hoje. Ou seja, há muita gente a viver sem liberdade por causa da fé que tem, daquilo em que acredita.”

Foi por causa disto, da consciência disto, que nasceu a ideia da exposição. Miguel Cardoso garante que a “exposição não vai deixar ninguém indiferente”, mas o objectivo nem é o de fazer com que as pessoas se sintam comovidas. “A ideia é que as pessoas tenham consciência daquilo que está a acontecer”, diz, em entrevista, à Fundação AIS/Agência Ecclesia. De qualquer forma, acrescenta, esta “não é uma exposição fácil…”

No meio das peças do próprio Museu – que merece uma visita atenta – estão, como intrusas, as peças imaginadas por Miguel Cardoso. O artista fala em ousadia e louva a coragem do director do Museu, o Padre Joaquim Ganhão.

“Houve uma ousadia enorme do Museu Diocesano e do padre Joaquim Ganhão, em terem aceitado estas ideias. Eu penso que para algumas pessoas isto fere um pouco a sua sensibilidade. Como é que nós, no meio de peças clássicas, e de uma iconografia tão forte que o Museu tem, fomos colocar aqui peças tão fora da caixa, tão modernas, digamos assim? Mas tivemos o cuidado de gerir com pinças essa coabitação das peças do museu já existentes.”

ABRIR OS OLHOS PARA VER O SOFRIMENTO

O resultado é extraordinário. Há um escândalo no que é mostrado. Um escândalo que acontece debaixo dos nossos olhos e que tantos insistem em não querer ver. No entanto, a exposição obriga o visitante a abrir os olhos, abana as consciências. São, no total, 11 instalações. Há um colete salva-vidas laranja vivo, com frases bíblicas.

A réplica do Sudário de Turim com a imagem do menino sírio Alan Kurdi, de dois anos de idade, e que morreu afogado numa praia da Turquia em Setembro de 2015. Um sem-abrigo a dormir, num saco-cama, por baixo da imagem em tamanho real de Cristo ensanguentado, descido da Cruz. Um bote de borracha ao lado de barcos precários e sobrelotados no Mediterrâneo, onde podemos ver pessoas prestes a afogarem-se… Uma cruz queimada, junto a imagens vídeo de pessoas enfurecidas a destruírem igrejas…

A exposição “Liberdade Garantida”, do artista plástico Miguel Cardoso é toda assim e faz desfilar à nossa frente histórias de cristãos vítimas de intolerância, de violência. Numa das salas há uma pequena cruz em azulejos com os rostos de alguns dos mártires da Igreja. Todos eles morreram, foram mortos, foram assassinados nos últimos anos. São recordados ali 25 rostos de leigos, bispos, padres e irmãs. Todos eles deram a vida por Cristo da China a França, de Moçambique ao Paquistão… Todos eles foram vítimas da perseguição religiosa.

“SENTIMO-NOS CÚMPLICES DESTE PROJECTO”

Miguel Cardoso pensou a exposição ao pormenor. Não só se preocupou com cada peça em si mas também na sua colocação junto dos quadros, das esculturas, de todo o património cultural de excelência que faz parte do Museu Diocesano de Santarém. Cada peça foi pensada, foi estudada ao pormenor para que o visitante possa vivenciar o mais possível a realidade brutal em que milhões de pessoas estão encurraladas, vítimas da intolerância, da perseguição religiosa.

“Esta é uma exposição com sofrimento incluído, de pessoas concretas, de pessoas com nomes. Nós tivemos muito essa preocupação de dar nomes às situações, de dar nomes às pessoas. São pessoas concretas, são famílias concretas. Acho que ninguém vai sair daqui indiferente. É impossível sair daqui indiferente, atrevo-me a dizer. E espero que essa indiferença traga frutos. Que essa indiferença seja uma mão que lavra a terra e planta alguma coisa e que depois essa coisa venha a dar frutos de alguma forma”, diz Miguel Cardoso.

Da mesma forma que os funcionários do Museu ficaram comovidos quando viram a exposição pela primeira vez, será possível ver alguém a rezar, tocado pelas histórias, pelas situações, pelo drama que é contado em Liberdade Garantida? “Se eu acho que é possível? Eu acho que é possível, e nem sei até se a própria visita à exposição não é um convite (a isso) e não é, ela própria, uma oração. Até porque existem chaves de leitura para cada peça, textos escritos pelo Padre Rui Santiago, missionário redentorista, e elas próprias são uma ajuda, uma chave de leitura para que haja essa releitura das próprias peças. Se calhar, só fazer essa leitura por si já é uma oração…”, conclui Miguel Cardoso.

“LIBERDADE GARANTIDA” DEVE SER EXPOSIÇÃO ITINERANTE

A esperança de que a exposição não vai deixar ninguém indiferente foi comungada pelo Bispo de Santarém, que esteve presente na cerimónia de inauguração e fez questão de destacar também o trabalho desenvolvido pela Fundação AIS em todo o mundo. “Quero agradecer à AIS pelo seu trabalho, pela sua missão de ajuda aos cristãos perseguidos, e esta iniciativa é uma boa oportunidade para sermos todos construtores da paz”, disse D. José Traquina.

Antes dele, falou também o director do Museu Diocesano de Santarém. “Esta exposição incomoda, choca-nos, faz-nos pensar. Há toda uma gramática antiga no Evangelho que nunca deixou de existir: a gramática do sacrifício, do sofrimento”, disse o Padre Ganhão, acrescentando: “Sentimo-nos cúmplices deste projecto e sobre o qual a Fundação AIS nos chama a atenção diariamente. Nunca seremos suficientemente agradecidos à AIS por esta missão.”

Presente também na inauguração da exposição, a nova directora do Secretariado Nacional dos Bens Culturais da Igreja, Fátima Eusébio, sublinhou a importância desta temática, “sobretudo para os mais novos, que não têm mesmo a noção do que é a liberdade”. A responsável sugeriu que, depois do final do ano, após a exibição ao público em Santarém, “Liberdade Garantida” deve iniciar um percurso de itinerância por outros museus, por outras dioceses do país.

Catarina Martins de Bettencourt, directora do secretariado nacional da Fundação AIS, também esteve presente na cerimónia de inauguração da exposição e explicou que a parceria com o Museu e com o artista plástico Miguel Cardoso “fazia todo o sentido”. “Sinto-me tocada pela exposição”, confessou, lembrando que quando a liberdade religiosa não está assegurada “é porque todas as outras liberdades também não o estão”. E deixou um desejo: “Que esta exposição nos abane…”

Paulo Aido | Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt

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