A apresentação do Relatório da Fundação AIS sobre a Liberdade Religiosa no Mundo, que decorreu ontem à tarde em Lisboa, ficou marcado pelo lançamento de uma petição internacional, promovida pela Ajuda à Igreja que Sofre, de apelo aos governos e organizações internacionais para assegurarem a efectiva liberdade de pensamento, consciência e religião de todas as pessoas. D. Rui Valério, que participou na apresentação do Relatório, aplaudiu a iniciativa, sublinhando que “nada pior para a proliferação do mal do que tapar a cara, fechar os olhos” à realidade.
Casa cheia, ontem à tarde, 21 de Outubro, no Centro Nacional da Cultura, ao Chiado, em Lisboa, para a apresentação em Portugal do Relatório da Fundação AIS sobre a Liberdade Religiosa no Mundo. O documento, produzido por uma equipa internacional de especialistas, foi comentado por Nuno Rogeiro, analista político, mas a sessão ficou marcada pelas palavras de D. Rui Valério.
O Patriarca de Lisboa, que agradeceu o trabalho da Fundação AIS, disse que a leitura do Relatório “escandaliza-nos”. “Em pleno século XXI, somos surpreendidos, escandalosamente surpreendidos, com o relatório, pois percebemos que não são só números, aquilo que está publicado, não são só cores, vermelho e laranja – que identificam os graus de perseguição nos vários países –, mas são pessoas reais, são seres humanos”, referiu.
E cada história, cada história de perseguição, cada história de recusa da liberdade para alguém viver a sua fé, para se expressar livremente enquanto crente, cada uma dessas histórias é uma história de martírio escrita a sangue.”
D. Rui Valério
Lembrando que a dimensão religiosa é, porventura, a dimensão de maior intimidade de cada pessoa, porque se situa no âmbito da consciência, o Patriarca de Lisboa recordou que, “quando se persegue Deus, acaba-se sempre por perseguir o ser humano”.
D. Rui Valério concluiu a sua intervenção com uma palavra de esperança, invocando “uma grande máxima da Igreja, que diz que sangue de mártires é semente de cristãos, de homens livres”.
“Esta é uma petição profética”
No final da sessão, falando aos jornalistas presentes, o Patriarca de Lisboa destacou ainda a importância da petição lançada também ontem, e a nível global, pela Fundação AIS, para que os governos e as organizações internacionais tenham um papel mais activo na defesa das populações no que diz respeito à prática livre da sua fé.
“É muito importante a petição para nos tirar da indiferença, porque nos compromete, nos obriga a fazer uma assinatura, a colocarmos ali o nosso nome, a darmos a cara nesta questão que é tal fulcral”, referiu. “É uma maneira também de nos sentirmos ainda mais comprometidos com a defesa e salvaguarda do outro enquanto outro. Ninguém pode ser indiferente a este drama”, e por isso, esta petição “tem um carácter profundamente pedagógico”, referiu, concluindo que “nada pior para a proliferação do mal do que tapar a cara, voltar para o lado, fechar os olhos”.
“Esta petição tem esse mérito, levando-me a concluir que é bem mais do que um simples acto de cidadania. Esta petição tem um carácter profético, é uma petição profética.”
Aumento de intolerância em África
Nuno Rogeiro, que apresentou o Relatório, começou por explicar que trata sempre a fundação pontifícia por “ais”, não soletrando as letras como normalmente acontece, porque assim, diz, soa mais próximo ao seu verdadeiro significado, por parecer “um pedido de socorro”.
Durante a sua intervenção, Rogeiro sublinhou que o Relatório apresenta vários exemplos do que considera ser “o aumento da intolerância” no mundo face à prática livre da religião, e apontou o continente africano como a zona do globo onde isso está a ser mais acentuado, levando-o a falar no jihadismo e na perseguição armada contra os cristãos.
Este é um tema a que Nuno Rogeiro tem dedicado a sua própria investigação – exemplo disso é o livro ‘O Cabo do Medo’, sobre a violência jihadista em Cabo Delgado, no norte de Moçambique – o que lhe permitiu falar no “financiamento” dos grupos armados que reivindicam um Islão radical.
“A grande questão é saber se alguns Estados não estão a financiar esses grupos” através, por exemplo, de organizações estatais, “as chamadas fundações de caridade”, ou por “negócios ilícitos”, através de “fundos secretos”, embora Nuno Rogeiro tenha recordado que é necessário separar aquilo que é a “jihad espiritual”, que busca um melhoramento pessoal, da jihad terrorista que se traduz em actos violentos.
O comentador sublinhou ainda a importância de haver um estudo como o da Fundação AIS, “credível”, que analisa de forma “equilibrada e objectiva” a questão da perseguição religiosa em todo o mundo e sobre todas as crenças, apesar de ter criticado a inclusão da Ucrânia, como um dos países onde, no período em análise, segundo a AIS, se registaram violações à liberdade de culto. “É uma injustiça a Ucrânia estar na mesma categoria ‘laranja’ – uma das cores, a par do vermelho, em que os países estão assinalados face ao grau de perseguição religiosa – em que está a Rússia”, justificando as decisões tomadas pelo governo de Kiev contra a Igreja Ortodoxa, ligada ao Patriarcado de Moscovo, como “uma defesa perante uma agressão”, e não como uma questão que possa ser entendida de liberdade religiosa.
Cultivar a hospitalidade, combater a indiferença
A apresentação do Relatório ficou marcada ainda pelas palavras do Padre José Frazão, jesuíta, director da Revista Brotéria, que assinalou a importância de se combater a “indiferença”. “O Relatório da Fundação AIS ajuda-nos a tomar consciência das coisas e a fazer-nos sair da ‘bolha’ em que vivemos, até porque hoje somos confrontados com o acolhimento de pessoas de outras comunidades religiosas”.
Para isso, disse o sacerdote, é preciso “cultivar a hospitalidade do diferente”, de forma que se possa “acolher e integrar as minorias culturais e religiosas” em Portugal. “A questão da liberdade religiosa leva-nos a ter de entender, compreender também a fatia de verdade que o outro traz consigo”, sublinhou.
Catarina Martins de Bettencourt, directora do secretariado nacional da Fundação AIS, destacou, por sua vez, que o Relatório funciona como “um alerta para o mundo”, no que diz respeito à liberdade de culto. “Ao publicarmos este Relatório – disse –, temos como objectivo apresentar informações factuais e objectivas sobre a situação global e actual da liberdade religiosa no mundo, mas também as perspectivas sobre este direito para os próximos anos”.
Catarina Bettencourt, que apresentou nas linhas gerais a Petição que a fundação pontifícia lançou também ontem a nível global, lembrou a importância da mobilização de todos para que os governos e as organizações internacionais “assegurem a protecção efectiva do Artigo 18º da Declaração Universal dos Direitos Humanos”, que garante a todas as pessoas, a liberdade de pensamento, de consciência e também de religião. “Não podemos continuar a ignorar esta grave crise de Direitos Humanos”, concluiu.
No dia de ontem a apresentação do Relatório da Fundação AIS registou uma grande atenção mediática, com destaque para o programa “Contra Corrente”, na Rádio Observador, que debateu durante cerca de duas horas as implicações da questão da liberdade religiosa. Catarina Martins de Bettencourt e D. Alexandre Palma, participaram no programa que teve o título, sugestivo, de que vivemos num “mundo onde ser cristão é cada vez mais perigoso”.
Na ocasião, o bispo auxiliar no Patriarcado de Lisboa, saudou a Fundação AIS “porque não desiste de trazer este tema para a praça pública”, e lembrou que “todos nós perdemos sempre quando uma das liberdades é diminuída”. “E isso acontece especialmente com a liberdade religiosa”, referiu.
Paulo Aido | Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt