Os graves incidentes ocorridos a 16 de Agosto de 2023 em Jaranwala, com a destruição de 26 igrejas e numerosas casas de habitação, foram já considerados como a pior agressão da história do Paquistão contra a comunidade cristã. Um ano depois, o medo continua a fazer parte do quotidiano destas famílias que reclamam justiça e mais segurança.
Num único dia, a 16 de Agosto do ano passado, milhares de pessoas queimaram e saquearam pelo menos 26 igrejas e 85 casas de cristãos em Jaranwala, no Paquistão. Nunca, nos 77 anos de história do país, havia ocorrido um incidente com tanta gravidade relacionado com a comunidade cristã. Um ano depois, os líderes da Igreja dizem que as pessoas estão ainda aterrorizadas e também indignadas porque os responsáveis não foram responsabilizados pelo que aconteceu. Além disso, a situação permanece instável.
Clérigos proeminentes da diocese católica de Faisalabad dizem que os serviços de segurança alertaram os cristãos em Jaranwala para que não realizassem eventos ao ar livre assinalando o primeiro aniversário das atrocidades. Em declarações à Fundação AIS, o Bispo de Faisalabad, D. Indrias Rehmat, fala em pessoas desesperadas e que reclamem por justiça.
As pessoas estão assustadas e desesperadas porque até agora não lhes foi feita justiça. Algumas pessoas estão com raiva e querem protestar. Exigem que actuemos para que a justiça seja feita, mas o que podemos fazer? Somente o governo pode fazer justiça. A maioria dos culpados está em liberdade sob fiança, o que perturba a comunidade.”
D. Indrias Rehmat
SENTIMENTO DE INSEGURANÇA
O Padre Yaqub Yousif, pároco de Jaranwala, e o Padre Boniface Mendes, sacerdote sénior da Diocese de Faisalabad, expressaram o mesmo sentimento de consternação do Bispo de Faisalabad face ao fracasso das autoridades em levar à justiça os envolvidos na violência dos incidentes do ano passado.
O Padre Yousif assegura mesmo que “as pessoas estão perturbadas pela falta de justiça e sentem-se inseguras”. “Se as instituições responsáveis pela aplicação da justiça não podem ajudar, o que podem fazer as pessoas, enquanto minorias fracas? Eles estão com medo”, acrescenta.
De acordo com os últimos relatórios da Comissão Nacional de Justiça e Paz (CNJP) da Igreja Católica do Paquistão, apenas cinco das 305 pessoas presas após as atrocidades de 16 de Agosto de 2023 permanecem atrás das grades. A única pessoa condenada é Ehsan Shan, um jovem cristão que cumpre pena de prisão perpétua por blasfémia depois de ter sido considerado culpado por ter partilhado uma imagem do livro do Alcorão profanado nas redes sociais, incidente que desencadeou toda a violência em Jaranwala. “Gostaria de deixar claro que nós, cristãos, nunca pensamos em desrespeitar o Alcorão ou o profeta e não veríamos absolutamente nenhum valor em actos de profanação”, disse o padre Yousif.
OUTROS INCIDENTES…
O sentimento de medo e de inquietação que prevalece entre a comunidade cristã de Jaranwala é o resultado também de actos contínuos de violência que se vão registando um pouco por todo o país. Ainda recentemente, em 25 de Maio, um cristão, Nazir Gill Masih, foi violentamente espancado por uma multidão enfurecida em Sargodha, após mais um caso de falsa acusação de blasfémia. A agressão foi de tal forma violenta que ele acabaria por sucumbir aos ferimentos apesar de ter sido transportado para um hospital.
No seguimento deste incidente, D. Samson Shukardin, presidente da Conferência Episcopal do Paquistão, disse mesmo, em declarações à Fundação AIS, que se está a viver no Paquistão “uma situação alarmante” e que os incidentes “estão a aumentar de dia para dia”. Joel Amir Sohatra, antigo membro do Parlamento Provincial do Punjab, referiu também, na ocasião, que “é muito fácil acusar alguém e depois matá-lo”.
“Isto continua a acontecer e os incidentes aumentam de dia para dia. Sinceramente, não há segurança para as minorias religiosas. Nem sequer há esperança de protecção no futuro”, referiu, concluindo que, face a tudo isto e à sucessão de casos envolvendo membros da comunidade cristã, “a situação continua a ser de pânico em todo o país”.
INJUSTIÇA E ABANDONO
Os cristãos do Paquistão vivem com sentimentos de medo, insegurança e abandono. Cerca de 17 das 25 queixas apresentadas em relação aos incidentes de Jaranwala foram registadas por cristãos, mas o Padre Yousif assegura que os fiéis foram gradualmente retirando as acusações face às ameaças violentas.
Numa visita ao secretariado da Fundação AIS no Reino Unido, o Padre Boniface Mendes fala num governo fraco incapaz de agir. “Não se fez justiça nos últimos 12 meses. Os verdadeiros culpados deveriam ter sido condenados, mas não foi o caso. O governo tem sido muito fraco. Tem medo de agir. Cada vez mais temos a sensação de que o governo não pode fazer nada. A comunidade cristã tende cada vez mais a fechar-se em si mesma e a querer sair do país…”, lamenta o sacerdote.
O director executivo da CNJP, Naeem Youssif Gill, alerta para a necessidade de implementação efectiva da lei. “A justiça deve ser realizada num espírito de rectidão, igualdade e baseado na lei. Medidas como a de acabar com as provocações nos altifalantes [das mesquitas], de proibir grupos extremistas e de confiscar literatura de ódio devem ser intensificadas e avaliadas, e o seu sucesso deve ser assegurado”, disse.
APOIO AOS CRISTÃOS
Após os incidentes de 16 de Agosto de 2013, o governo paquistanês agiu rapidamente para compensar as pessoas afectadas pelos ataques, mas a Comissão Nacional de Justiça e Paz assegura que apenas 26 das 86 casas danificadas nos ataques foram reabilitadas. Sobre todo este processo há também queixas, nomeadamente de D. Indrias Rehmat, que terá mandado suspender as reparações nas igrejas, obras patrocinadas pelo governo, alegando que os empreiteiros estavam a fazer um trabalho deficiente, nomeadamente ao nível dos telhados, deixando os edifícios inseguros.
A violência em Jaranwala foi de tal ordem que a Fundação AIS decidiu logo, a nível internacional, avançar com um pacote de ajuda de emergência para as 464 famílias mais atingidas, que incluiu primeiros socorros mas também apoio, por exemplo, para a reparação dos danos causados nas habitações e ainda a aquisição de veículos. Na altura, a diocese pedia apoio para vestuário, electrodomésticos de cozinha, roupas de cama e colchões, material escolar para crianças e até mesmo veículos, nomeadamente motorizadas e riquexós, que haviam sido destruídos nos ataques e eram o instrumento de trabalho de muitos cristãos que se dedicam, por exemplo, à distribuição e venda de produtos.
D. Indrias Rehmat elogiou a Fundação AIS por ter fornecido esta ajuda de emergência às famílias afectadas permitindo-lhes o regresso a casa. “Em nome da comunidade de Jaranwala – aqueles que foram vítimas naquele dia – e de toda a diocese, quero agradecer à AIS e aos generosos benfeitores que responderam às nossas necessidades ”, disse o prelado. “Do fundo do meu coração, quero agradecer a cada membro da AIS. A vossa solidariedade incessante, continuam a auxiliar as pessoas mais necessitadas.”
SOLIDARIEDADE DOS PORTUGUESES
Nesta campanha global de ajuda para com os cristãos paquistaneses, o secretariado português da Fundação AIS revelou-se mesmo um dos mais activos.
Logo depois dos incidentes, numa carta enviada para milhares de benfeitores e amigos da instituição em Portugal, Catarina Martins de Bettencourt explicava a dimensão da tragédia que se tinha abatido sobre a comunidade cristã de Jaranwala e apelava à solidariedade de todos. “Foi um dos mais cruéis ataques contra os Cristãos a que este país alguma vez assistiu”, escreveu a directora do secretariado português da Fundação AIS. “Muitos não têm ainda para onde ir, dormem no chão, sem luz eléctrica, sem nada para cozinhar… A situação é dramática.”
A carta de Catarina Bettencourt terminava com um apelo à solidariedade para com estas famílias cristãs, lembrando que o tempo urgia, principalmente para quem ficou sem nada…
Paulo Aido e John Pontifex | Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt