Shagufta Kiran, uma mulher cristã paquistanesa de 40 anos, foi condenada à morte por um tribunal de Islamabad por blasfémia, por ter, alegadamente, enviado uma mensagem desrespeitosa para o profeta Maomé nas redes sociais. A antiga enfermeira, mãe de quatro filhos, vai recorrer da sentença com a ajuda da Comissão Nacional (Católica) de Justiça e Paz do Paquistão, instituição que é apoiada pela Fundação AIS.
É mais um caso relacionado com a tenebrosa Lei da Blasfémia no Paquistão. Shagufta Kiran, de 40 anos de idade, uma antiga enfermeira cristã que é mãe de quatro filhos, foi condenada à morte no passado dia 18 de Setembro por ter partilhado mensagens alegadamente blasfemas no WhatsApp. O tribunal da Agência Federal de Investigação (FIA), em Islamabad, condenou-a ainda ao pagamento de uma multa no valor de 300 mil rupias, aproximadamente 950 euros. A sentença foi proferida mais de três anos depois de os agentes da FIA terem invadido a sua casa em Rawalpindi e de a terem detido na sequência da queixa de que ela teria partilhado uma mensagem alegadamente com conteúdos considerados desrespeitosos para com o Profeta Maomé num grupo de discussão no WhatsApp, algo que os seus advogados sempre rejeitaram. Shagufta foi condenada ao abrigo da secção 295-C da controversa lei que regula a questão da blasfémia, segundo a qual um insulto ao Profeta implica uma pena de morte. O caso está a ser acompanhado pela Comissão Nacional (Católica) para a Justiça e a Paz (CNJP) do Paquistão. O director-executivo desta instituição, Naeem Yousaf Gill, comentou para a Fundação AIS a decisão do tribunal referindo que Shagufta Kiran vai recorrer da sentença.
Estamos profundamente decepcionados. Não foi feita justiça no caso de Shagufta. Ela vai levar o seu caso ao Supremo Tribunal. A sentença é dura"
Naeem Yousaf Gill
O responsável da CNJP – organização que é parcialmente financiada pela Fundação AIS – explicou ainda que a sua instituição tem vindo a prestar apoio jurídico à família desta mulher cristã, nomeadamente suportando os custos dos honorários dos seus advogados, e apela às autoridades para um maior rigor nos casos envolvendo a questão polémica da blasfémia. “O Estado tem de combater a radicalização crescente que desencadeia este tipo de incidentes”, disse, exortando o governo paquistanês a “atacar com rigor” os indivíduos que fabricam alegações com intenções maliciosas. Naeem Gill apelou ainda, através da Fundação AIS, às orações de todos por esta família que vive um verdadeiro pesadelo. “Apelamos a todos os nossos amigos e apoiantes para que rezem por ela e pela sua família”.
INCIDENTES CRESCEM DE DIA PARA DIA
A queixa contra Shagufta Kiran foi apresentada em Setembro de 2020 pelo muçulmano Shiraz Ahmed Farooqi, que acusou a mulher cristã de ter partilhado um conteúdo alegadamente blasfemo num grupo do WhatsApp que ele próprio administrava. Depois de o juiz ter proferido a sentença, a 18 de Setembro, o advogado de Shagufta, Rana Abdul Hameed, esteve com a sua cliente, detida actualmente na prisão central de Adyalaa, em Rawalpindi, tendo referido à comunicação social local que ela sente muito a falta da família e acredita numa decisão favorável que ainda venha a ser tomada por um tribunal superior. “Encontrei-me com [Shagufta] depois de o juiz ter proferido a sentença e posso confirmar que ela está muito esperançada num resultado positivo por parte dos tribunais superiores. No entanto, ela sente muito a falta da família e quer reunir-se a ela o mais depressa possível.” O marido e o filho de Shagufta foram detidos juntamente com Shagufta em 2021, mas foram rapidamente libertados.
Shagufta está muito esperançada, no entanto, ela sente muito a falta da família e quer reunir-se a ela o mais depressa possível”
Rana Abdul Hameed
Este caso vem demonstrar, uma vez mais, a situação de enorme precariedade em que se encontra a comunidade cristã no Paquistão. Em mensagem enviada para a Fundação AIS em Lisboa, Joel Amir Sahotra, um antigo membro do Parlamento Provincial do Punjab, manifesta a sua preocupação e recorda o caso ocorrido em Jaranwala, em 16 de Agosto do ano passado, em que mais de duas dezenas de igrejas e numerosas casas de cristãos foram destruídas num dos mais graves incidentes de que há memória contra esta comunidade religiosa no Paquistão, na sequência também de uma falsa acusação de blasfémia. Esses incidentes levaram então à prisão dois irmãos, ambos cristãos, que, entretanto, foram absolvidos e libertados por um tribunal. E é precisamente sobre a situação destes dois cristãos que Joel Amir Sahotra se refere, denunciando o facto de eles se encontrarem numa situação muito delicada. “Não conseguimos encontrar um lugar seguro para os dois irmãos cristãos de Jaranawala que foram libertados da prisão depois de se ter provado a sua inocência… Eles estão a viver uma situação anormal, estão a viver uma vida anormal, escondendo-se juntamente com as suas famílias…” Joel Amir Sahotra diz ainda que “estes incidentes estão a aumentar”, e que esta é uma “situação desesperada” para os cristãos como minoria religiosa no Paquistão. Já em Junho deste ano, na sequência de um outro incidente em que um cristão foi assassinado após ter sido brutalmente agredido em Sargodha, Sahotra lembrava, também em mensagem enviada para a Fundação AIS em Lisboa, que era preciso “apoiar todas as vítimas da intolerância religiosa” e que este tipo de incidentes, desencadeados pela utilização abusiva da Lei da Blasfémia, “estão a aumentar de dia para dia”.
Paulo Aido, com John Pontifex
Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt