PORTUGAL: Padre Saferinus, um indonésio da Ilha das Flores na Póvoa de Santo Adrião

Saferinus Njo nasceu na Ilha das Flores, a única região da Indonésia onde a maioria da população é cristã, foi ordenado sacerdote em Janeiro de 2021 e um ano depois estava já de malas feitas rumo a Portugal. E é na Póvoa de Santo Adrião que este jovem sacerdote monfortino vai acompanhar a visita, que começa hoje, dia 3, do Papa Francisco ao seu país. 500 anos depois da chegada dos primeiros missionários portugueses à Indonésia, é a vez de os padres deste país ajudarem a Igreja na velha Europa…

Tem 32 anos, está em Portugal desde Janeiro de 2022 e ainda trava uma luta difícil para se fazer entender na língua dos missionários que, há mais de 500 anos, vindos de Lisboa, levaram o nome de Jesus até ao seu país natal. Sinal dos tempos, ao fim de tantos séculos, é da Indonésia que vão chegando agora alguns dos sacerdotes que ajudam a Igreja no Velho Continente.

Saferinus Njo é o mais recente desses sacerdotes a fazer as malas rumo a Portugal. É na Póvoa de Santo Adrião, uma pequena vila junto à capital, que vamos encontrar este missionário monfortino. A visita do Papa Francisco à Indonésia, visita que começa hoje, dia 3 de Setembro, deixa-o muito feliz. “Para mim, como sacerdote católico que vem de um país muçulmano, a visita do Papa é muito importante”, explica à Fundação AIS ainda num evidente esforço por domar a difícil língua portuguesa.

Curiosamente, quando os seus superiores lhe disseram que viria em missão para Portugal, procurou logo saber um pouco mais sobre o país – “graças a Deus, gosto de futebol também por causa do Ronaldo…” – e até se entusiasmou quando descobriu que algumas das palavras usadas pelos indonésios no dia-a-dia têm origem na língua de Camões. Palavras que foram levadas pelos missionários portugueses que deixaram uma memória de fé que persiste ainda hoje, por exemplo, na Ilha das Flores onde Saferinus nasceu. “Sim, nós temos palavras de origem portuguesa como bola, mesa, queijo, varanda, igreja ou bandeira… Quando eu comecei a aprender a língua disse para comigo: ‘ah!, isto vai ser fácil…’”

AS PRIMEIRAS ORAÇÕES

Mas era puro engano. A aprendizagem da língua tem sido uma luta constante, diária, mas, apesar disso, o padre Saferinus está feliz com esta aventura em Portugal. “Graças a Deus, sim. Quando vim para cá pensei que tinha de me adaptar à cultura, à maneira de pensar dos portugueses, mas percebi que os fiéis também se adaptaram para eu me sentir em casa, e isso ajuda-me. Não sinto falta dos meus confrades, da minha família da Indonésia, porque aqui sinto-me em casa. Os fiéis daqui são muito, muito simpáticos, são bons. Nem penso que sou estrangeiro! Só quando estou a aprender a língua é que percebo que sou estrangeiro, mas no dia-a-dia não”.

Saferinus nasceu numa família católica na Ilha das Flores. Há um orgulho indisfarçado nas suas origens. Eram nove irmãos, mas cinco morreram ainda jovens. “Na minha paróquia, antigamente, só havia um padre, com 36 aldeias, por isso eu só conheci esse padre, ou seja, ele celebrava Missa só uma ou duas vezes por ano, mas nós, na família, porque toda a aldeia é católica, fazíamos a Celebração da Palavra. A presença dos leigos era muito forte. Em casa, rezávamos antes das refeições e antes de dormir. E aprendi as primeiras orações com a minha mãe. Ela foi a minha primeira evangelizadora.”

Cedo Saferinus decidiu ir para o seminário. Foi lá que cresceu na fé e que reforçou a sua devoção a Nossa Senhora.

O seminário fica situado muito longe da minha aldeia e por lá existe a gruta de Nossa Senhora, e eu tinha o hábito, com os outros seminaristas, de rezar a Nossa Senhora. E isso, para nós, era também uma maneira de podermos estar perto da nossa família, porque ela é a mãe… Eu sentia que diante de Nossa Senhora falava com a minha mãe. No último ano do seminário, e como um padre tem de ser devoto a Nossa Senhora, e porque já conhecia um pouco sobre a sua espiritualidade mariana, decidi que ia para os monfortinos.”

A IGREJA NA INDONÉSIA

A visita do Papa Francisco à Indonésia, num périplo asiático que começa hoje e que o vai levar também a Timor-Leste, Papua Nova-Guiné e Singapura, é importante. A Indonésia é o país do mundo com a maior maioria muçulmana, mas não é, no entanto, um Estado islâmico. Os cristãos são uma minoria, apenas cerca de 12 por cento da população, mas gozam, apesar disso, de enorme prestígio social.

O facto de a Igreja desempenhar um papel importante na área da saúde e ao nível do ensino, por exemplo, ajuda a criar essa imagem. Existem actualmente inúmeras instituições educativas católicas reconhecidas oficialmente pelo governo e que são responsáveis pela formação de largos milhares de crianças e jovens desde o ensino básico até ao secundário. “Nós construímos, para ajudar a sociedade, escolas, hospitais, e nunca pedimos dinheiro ao governo. E os muçulmanos e os outros ficam admirados com isso”, diz o sacerdote.

No entanto, nem tudo são mares de rosas. O mais recente relatório sobre a Liberdade religiosa no Mundo, publicado no ano passado pela Fundação AIS, diz mesmo que a Indonésia se encontra numa encruzilhada. E fala mesmo em sinais de extremismo e de intolerância. “Apesar dos esforços encorajadores de alguns grupos da sociedade civil, líderes religiosos e funcionários públicos para contrariar o aumento da intolerância, as pressões sociais que discriminam os grupos religiosos minoritários, os sinais de extremismo e a incapacidade de reforçar a lei a favor da liberdade religiosa (por exemplo, o número de regulamentos inspirados na sharia) podem levar a uma maior erosão da longa tradição de pluralismo e harmonia religiosa da Indonésia”, pode ler-se no documento.

Claro que há excepções. A Ilha das Flores, onde predomina a comunidade cristã, é disso exemplo. “Nas Flores não temos problemas, claro, mas nos outros lugares, por exemplo, há dificuldades na permissão para construir igrejas ou mesmo para celebrar, ou seja, para rezar”, explica o padre Saferinus. “Ultimamente, em Maio, eu ouvi a notícia de que os estudantes de Flores rezavam o Terço numa sala [na ilha de] Java e depois foram perseguidos”, acrescenta. Mas mesmo em Java, os cristãos que vivem por lá assumem com orgulho a sua fé.

Vivi em Java e em alguns lugares há muitos cristãos mas também estive numa zona onde são muito poucos e até nem têm igreja, nem capela, mas eles sendo poucos têm muito orgulho em manifestar a sua fé mesmo que não tenham lugar para a praticar. Têm muito orgulho.”

PERFUME PORTUGUÊS NAS ORAÇÕES

A visita do papa Francisco, que vai estar na Indonésia até quinta-feira, dia 5 de Setembro, de onde parte para a Papua Nova-Guiné, não inclui a ilha das Flores, ao contrário do que fez São João Paulo II em 1989. Para o padre Saferinus é uma pena. Nós temos um lema: enquanto [a província de] Aceh  é a capital do Islão, porque a maioria é muçulmana, Flores é o Vaticano da Indonésia. Nós sentimos orgulho deste lema, desta verdade. Por lá, pela Ilha das Flores, também somos pobres, [e muitos não têm] possibilidade de ir a Java para acolher o Papa… se calhar, alguns vão a Timor-Leste porque fica muito mais perto.”

Mas não o suficiente para se ouvir os fiéis a rezar nas capelas e igrejas na Ilha das Flores. De facto, o passar do tempo esbateu muita coisa, mas ainda hoje é possível escutar por lá orações e cânticos num dialecto cheio de palavras com sotaque português.

A cidade de Larantuka, por exemplo, e que tem apenas cerca de 50 mil habitantes, vive nos dias da Semana Santa um tempo de grande efervescência religiosa, com diversas procissões que arrastam para a Ilha um grande número de turistas. E muitos desses turistas sentem-se atraídos precisamente pelo perfume antigo das palavras cantadas e rezadas pelos cristãos de Larantuka. Um perfume que, aos poucos, começa agora também a contagiar o padre Saferinus.

De Portugal, o jovem sacerdote diz que está a gostar quase de tudo. “Graças a Deus, em Portugal, gosto da comida, menos de língua de vaca. Gosto de tudo menos de língua de vaca e de caracóis. Disso, não gosto. Tudo o resto, sim. Gosto muito. Também porque sou missionário tento adaptar-me, só que a língua de vaca, não – risos. O problema é mesmo a língua portuguesa e a língua de vaca… – risos. É isso mesmo.”

Paulo Aido | Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt

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Relatório da Liberdade Religiosa

Actualmente, a Indonésia encontra-se numa encruzilhada. Apesar dos esforços encorajadores de alguns grupos da sociedade civil, líderes religiosos e funcionários públicos para contrariar o aumento da intolerância, as pressões sociais que discriminam os grupos religiosos minoritários, os sinais de extremismo e a incapacidade de reforçar a lei a favor da liberdade religiosa podem levar a uma maior erosão da longa tradição de pluralismo e harmonia religiosa da Indonésia.

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