NIGÉRIA: “Trouxeram uma faca e disseram: ‘Ou te convertes hoje, ou matamos-te’”, recorda padre raptado em 2022

O Padre Stephen Ojapah foi raptado em Maio de 2022, em Adamawa, no norte da Nigéria, por homens armados, terroristas. Esteve em cativeiro durante 33 dias. Foi uma situação dramática em que, durante várias vezes, chegou a pensar que iria ser assassinado. Entretanto, aceitou recordar essa experiência para a Fundação AIS no Reino Unido.

“A regra é muito simples: se alguém não consegue andar mais, é morto.” O Padre Stephen Ojapah foi raptado, juntamente com mais um sacerdote e dois jovens em Maio de 2022. A experiência foi aterradora e durou 33 longos dias. Entretanto, este ano, o sacerdote aceitou recordar o que lhe aconteceu para o podcast ‘Break the Silence’, promovido pelo secretariado britânico da Fundação AIS sobre a realidade da perseguição aos cristãos nos dias de hoje em várias regiões do mundo.

A Nigéria é um desses países onde a violência religiosa é mais acentuada. Além dos ataques do grupo jihadista Boko Haram, que desde 2009 procura instaurar um califado no norte deste país africano, os cristãos têm sido vítimas também da violência dos pastores nómadas fulani, cada vez mais radicalizados e agressivos, especialmente contra as comunidades de agricultores crisãos, e ainda de grupos de criminosos que fazem dos raptos um negócio cada vez mais comum.

Foi o que aconteceu ao Padre Stephen Ojapah a 24 de Maio, quando bandidos entraram na casa onde dormia. Faltavam vinte minutos para a meia-noite.

Eram cerca de 15, entraram em casa e estávamos todos a dormir, eu, o Padre Oliver e dois irmãos, Ummie e Hassan. Estávamos todos em quartos diferentes. Senti tocarem-me nas pernas e ouvi, “Kashi Kaki” que significa ‘Acorda, tens visitas’. Por isso, quando abri os olhos, vi uma lanterna, vi facas, vi armas apontadas à minha cabeça e depois arrastaram-me para fora da casa. Foram para os outros quartos e, passados cinco minutos, arrastaram-nos aos quatro para fora da casa. Começámos a caminhar a partir desse momento, durante toda a noite.”

Quem não consegue andar, é morto

E começa assim a conversa com John Pontifex, responsável de comunicação do secretariado britânico da AIS. Foram longas horas de marcha. Pelo caminho estiveram numa cabana, provavelmente numa pequena aldeia, pois escutavam-se vozes, pessoas a circular e até crianças. Mas foi apenas uma pequena pausa.

Durante muitas horas os quatro homens foram forçados a caminhar por vezes em condições muito duras, por trilhos, atravessando riachos, passando fome. O cansaço chegou rapidamente. “Eu, pessoalmente, não conseguia voltar a andar porque estava cansado e a regra deles é muito simples: se alguém não consegue andar mais, é morto. Eu estava exausto, caí no chão e eles pediram-me para me levantar. Eu não conseguia levantar-me e pensei que eles iam disparar. Os outros três que estavam comigo, o Padre Oliver, Ummie e Hassan, gritaram e imploraram-me que me levantasse.”

Estava tão exausto que só conseguiu fazê-lo com a ajuda de um dos rapazes que também foi raptado. Andaram mais um pouco até que chegaram ao suposto destino.

“Puseram-nos correntes nos pés…”

“Perguntaram-nos: ‘Querem tomar chá?’ E como estávamos com fome, toda a gente disse simplesmente que sim. Então, aproximaram-se para nos dar o chá e, adivinhem o que era o chá? Tareia. Começaram a bater-nos com tudo o que tinham à mão, chicotes, armas, tudo o que podiam usar. Era esse o chá. Depois da primeira ronda de agressões, mantiveram-nos no chão, puseram-nos correntes nas pernas e deixaram-nos ali durante todo o dia. Em resumo, foi isso que aconteceu.”

O calvário só terminaria 33 dias depois. Mas houve mais violência, houve muita ameaça e até procuraram que ele renunciasse à sua fé. Ao longo de praticamente vinte minutos de conversa, o sacerdote nigeriano recordou alguns dos momentos mais dramáticos que passou precisamente por causa disso. “O meu pior momento com eles foi quando trouxeram uma faca e disseram: “Ou te convertes hoje ou matamos-te.” Foi o meu pior medo e, mesmo assim, tentei encorajar os outros, dizendo-lhes que, mesmo que isso aconteça, não vamos recuar. Lutei para incutir essa coragem em todos, a começar por mim, claro, mas era o meu maior medo…”

A força que vem de Deus

Vítima de violência, estando em cativeiro, sabendo que a sua própria vida poderia estar por um fio, como é que o Padre Stephen Ojapah aguentou tudo, como é que conseguiu ultrapassar tanta adversidade? “Tenho muita força que me vem de Deus. Durante esse tempo, rezámos juntos”, explica, lembrando que estava em cativeiro juntamente com mais três cristãos, um sacerdote, como ele, e dois rapazes.

“Senti-me abandonado várias vezes, mas também senti a Sua presença quando rezávamos”, confessa, recordando que os quatro tinham “momentos de oração em conjunto, tínhamos momentos para nos fortalecermos uns aos outros”. “Rezávamos. Rezávamos o salmo 23, rezávamos o salmo 91, rezávamos o terço diariamente no nosso coração. Tudo isso nos manteve unidos.”

“Os infiéis têm de ser mortos”

Os raptores eram terroristas muçulmanos fulani. Que estão cada vez mais radicalizados e são uma ameaça concreta para com os cristãos. O Padre Stephen disso não tem dúvidas. “Utilizam muito o Corão nos seus ensinamentos e ouvem pregações muito violentas na sua meditação matinal. Ouvem homilias radicais sobre matar, matar, matar os infiéis. Um dia estavam a ouvir um pregador, não sei de onde, e o pregador estava a falar duramente sobre a relação com os infiéis. Os infiéis têm de ser mortos!”

“Eles estavam a ouvir estas homilias e nós estávamos gelados porque conseguíamos entendê-las. Era com isso que eles alimentavam a mente e o espírito. De manhã, acordavam a ouvir pregações muito violentas, por isso podem imaginar o que fazem aos reféns que não são da sua religião. Portanto, são essencialmente fulanis, muçulmanos e, claro, também são terroristas.”

Reabilitação de traumas

Ao fim de 33 dolorosos dias, o Padre Stephen e os outros três companheiros de cativeiro acabariam por ser libertados a troco do pagamento do resgate. Iniciou-se então um tempo de cura do trauma vivido, o que o levou a contactar com outras pessoas que igualmente passaram por situações semelhantes. Mas não só.

“Quando saímos participámos nalguns programas com uma instituição de traumas na Nigéria que nos ajudou a ultrapassar a experiência que tivemos, e algumas organizações também vieram ajudar. Mas apercebi-me de que, para mim, a melhor forma de melhorar era começar a acompanhar pessoas que, de alguma forma, tinham ficado traumatizadas. Por isso, procurei algumas pessoas que estivessem dispostas a dar assistência a estas vítimas e a começar a OTVI, uma organização que está a ajudar. Esse processo de tentar ajudar outras vítimas também é muito terapêutico para mim. Mas, essencialmente, o Senhor tem sido maravilhoso para mim. Passei mais tempo a ouvir Jesus no Santíssimo Sacramento e essa é, para mim, a maior fonte de cura. Na verdade, só o facto de estar com Jesus e de Ele olhar para mim e eu olhar para Ele tem sido muito útil para a minha saúde mental e tudo isso.”

“Deus vos abençoe…”

No final do podcast ‘Break the Silence’, o Padre Stephen fez questão de deixar uma palavra de agradecimento pela ajuda que a Fundação AIS tem vindo a dar à Igreja que sofre na Nigéria, uma ajuda só possível graças à generosidade sem fim dos seus benfeitores e amigos espalhados por todo o mundo e também aqui em Portugal.

A todos os que têm apoiado a Fundação AIS, obrigado. Numa palavra, obrigado. Vocês dão ajuda a milhões de almas, igrejas e comunidades em todo o mundo que talvez nunca tenham a oportunidade de conhecer. Talvez só leiam os relatórios e vejam pessoas como eu a falar convosco, mas obrigado. De facto, a vossa colaboração é muito apreciada e valorizada, e só Deus vos pode recompensar. Deus vos abençoe.”

Paulo Aido | Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt

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A liberdade religiosa na Nigéria está gravemente ameaçada. As vítimas são predominantemente cristãs, mas também muçulmanas e de religiões tradicionais, líderes religiosos e fiéis que sofrem às mãos dos terroristas, grupos armados jihadistas e criminosos nacionais e transnacionais.

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