Edifícios da Arquidiocese de Nampula, contíguos ao Paço Episcopal, foram invadidos, vandalizados e danificados por manifestantes em protesto após o anúncio oficial dos resultados das eleições de 9 de Outubro. Uma missão com religiosas brasileiras em Micane foi também atacada e as irmãs ficaram “muito traumatizadas”.
Edifícios da Igreja junto ao Paço Episcopal em Nampula foram saqueados e danificados no decorrer das manifestações de protesto que têm vindo a acontecer em todo o país após o anúncio oficial dos resultados das eleições de 9 de Outubro.
Ainda na Arquidiocese de Nampula, uma missão com religiosas brasileiras foi também atacada em Micane, no distrito de Moma. A situação mais problemática ocorreu na casa de hospedes da Arquidiocese, na residência paroquial e numa antiga farmácia. Todos os edifícios situados nas imediações do Paço Episcopal e que foram vandalizados pelos manifestantes nos dias 24 e 25 de Dezembro.
Num vídeo enviado para a Fundação AIS em Lisboa, é visível a destruição causada pelos manifestantes, especialmente na casa dos hóspedes. “Como vêem, nada ficou. Tudo foi vandalizado, camas, lençóis, colchões, pratos, tudo, tudo, tudo o que havia lá dentro… E a casa ficou assim, como se vê, em ruína”, escuta-se durante as filmagens após a destruição causada pelos manifestantes.
Além do lixo espalhado pelo chão, percebe-se que portas e janelas foram também danificadas, com vidros partidos ou com as estruturas arrancadas. A destruição na Casa dos Hóspedes – que acolhe os missionários que vão servir a diocese enquanto não tem ainda uma residência própria – é semelhante à que aconteceu na residência paroquial, uma pequena habitação situada também no terreno contíguo ao Paço Episcopal de Nampula, e ao edifício da antiga Farmácia São Vicente, desactivado há algum tempo, mas que, mesmo assim, foi também visado nesta onda de destruição.
No vídeo, de pouco mais de cinco minutos, vê-se um sacerdote, o padre Estêvão Júlio, Vigário-Geral da Arquidiocese, a percorrer os edifícios e a ver os estragos causados nos três edifícios da Igreja.
IRMÃS “MUITO TRAUMATIZADAS”
O primeiro ataque ocorreu no dia 24 de Dezembro, mas, apesar da destruição causada, no dia seguinte, dia de Natal, ainda houve manifestantes no local a procurarem vandalizar o que ainda se encontrava nos edifícios da Igreja. Além destes ataques, ocorridos mesmo junto ao Paço Episcopal, houve ainda um ataque à paróquia de Micane, no distrito de Moma, onde a casa das religiosas brasileiras foi também atacada, causando o pânico nas irmãs.
Tudo isso foi relatado numa mensagem enviada no dia 25 por D. Inácio Saure, Arcebispo de Nampula e presidente da Conferência Episcopal de Moçambique, ao Governador da Província de Nampula. Na mensagem, a que a Fundação AIS teve acesso, o prelado dá conta da destruição causada e pede a intervenção das autoridades para se acautelar o património da Igreja. “O nosso guarda (idoso) arriscou a vida quando foi tentar impedir de continuarem com o crime. O que se poderia fazer para se tentar poupar os bens da Igreja neste local?”, pergunta o prelado ao governador.
Na curta mensagem, D. Inácio refere especificamente também o ataque à missão de Micane, dizendo que “os atacantes roubaram um computador e outros bens”, e que as irmãs, apesar de não terem sido violentadas, “todas elas, idosas, estão muito traumatizadas”. Após os ataques, a situação normalizou-se um pouco.
O Padre Evaristo, responsável da Cáritas de Nampula, explicou à Fundação AIS que, apesar disso, se “circulava com dificuldade”. O sacerdote falava ainda em “medo” e que havia “barricadas” na cidade, mas que estavam afastadas da zona onde se situa o paço Episcopal.
IGREJA APELA AO FIM DA VIOLÊNCIA
A onda de violência, que se propagou um pouco por todo o país, não atingiu até ao momento mais nenhuma estrutura da Igreja. Foi assim também em Tete e em Pemba. D. Diamantino Antunes, Bispo de Tete, disse, numa mensagem à Fundação AIS que também na sua diocese houve “actos isolados de vandalismo”, mas não se registou a vandalização de nenhuma estrutura da Igreja Católica. O Bispo refere ainda que o bairro onde se deu o ataque em Nampula “é confuso e problemático”, sublinhando, no entanto, que apesar de tudo, os manifestantes “não entraram no Paço Episcopal”.
Em Pemba, a Irmã Maria Aparecida reconhecia à Fundação AIS que também ali, na região norte de Moçambique e que corresponde à província de Cabo Delgado, também houve violência em alguns locais, “especialmente no distrito de Montepuez e Ancuabe, mas graças a Deus, pelo que sabemos, não aconteceu nada com as estruturas da igreja.” A religiosa disse ainda, em mensagem para Lisboa, que existe um grande sentimento de medo, até porque existe já “muita destruição e morte”.
É difícil, no meio do caos em que se transformou o país, apurar-se o número de vítimas desta agitação pós-eleitoral. Mas segundo uma organização não-governamental, a Plataforma Eleitoral Decide, terão morrido já 252 pessoas desde o dia 9 de Outubro, data das eleições gerais e presidenciais, sendo que cerca de metade destas mortes, 125, terão ocorrido entre 23 e 26 de Dezembro.
A onda de violência, com pilhagens, barricadas, destruição de infraestruturas e até a fuga de várias dezenas de detidos ganhou uma enorme dimensão depois da proclamação oficial, dia 23, da vitória do candidato presidencial apoiado pela Frelimo – o partido no poder há quase meio século – resultado que é contestado fortemente por Venâncio Mondlane, que ficou classificado em segundo lugar. Daniel Chapo, candidato da Frelimo e proclamado vencedor, obteve 65,17% dos votos, contra Mondlane, que registou apenas 24,19%.
Com as principais cidades moçambicanas a serem palco de manifestações violentas, ninguém consegue prever o que vai acontecer a partir de agora, mas D. Diamantino Antunes, Bispo de Tete, acredita que “talvez o governo decrete o estado de emergência”. Uma coisa é certa: “Nós, bispos, estamos a seguir a situação, apelando ao fim da violência e à responsabilidade”, disse ainda o Bispo de Tete na mensagem enviada para a Fundação AIS.
Paulo Aido | Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt