MOÇAMBIQUE: Igreja denuncia “clima de insegurança” com movimentações terroristas e ataques em Cabo Delgado

Os grupos terroristas que actuam na província de Cabo Delgado, no norte de Moçambique, têm vindo nas últimas semanas a movimentar-se e mesmo a atacar aldeias e povoações já nas proximidades da própria capital, a cidade de Pemba. Há relatos de mortos, alguns decapitados, e de populações em pânico e em fuga. Missionários, presentes na região, enviaram uma mensagem à Fundação AIS onde dão conta de “um clima de insegurança que se vive nestes dias nas comunidades atendidas pela Igreja Católica”.

“Olá, padre, nós estamos assustados porque foram vistos 24 homens armados.” Esta é uma das mensagens trocadas entre os animadores de comunidades da Igreja Católica nos últimos dias na região de Cabo Delgado. “Disseram ao meu cunhado para abandonar a casa durante esta noite… Aqui estamos na casa do chefe de aldeia.”

O clima de medo, de que fala este cristão, parece estar a generalizar-se com o avolumar de notícias de movimentações de vários grupos de dezenas de terroristas num perímetro cada vez mais próximo da cidade de Pemba, a capital provincial, e de confrontos, também cada vez mais frequentes, entre eles e os soldados governamentais.

Os missionários, presentes nesta região, recebem informações das várias aldeias e localidades onde têm contactos e procuram manter toda a comunidade católica informada.

Na mensagem mais recente, enviada ontem, dia 1 de Fevereiro, para a Fundação AIS em Lisboa, e em que os missionários dão conta do medo sentido por este cristão da aldeia de Intocota, refere-se que, desde “há uma semana, circulam notícias de ataques e presença dos terroristas” em diversas comunidades. Em três delas, Impire, Nanlia e Campine, as populações “vivem por estes dias um clima de insegurança”, escrevem os missionários, embora sublinhem categoricamente que nestes lugares, até agora, “não houve ataques”. Mas o mesmo não aconteceu na aldeia de Naminaute.

ATAQUES E MAIS ATAQUES…

Os insurgentes, como também são conhecidos localmente os terroristas que reivindicam pertencer ao Daesh, o grupo jihadista Estado Islâmico, atacaram na tarde de 31 de janeiro esta aldeia, Naminaute, situada perto de Mieze, onde fica a paróquia de Nossa Senhora do Carmo, que é apoiada pelos Missionários Saletinos.

No referido ataque, segundo a comunicação social local, as forças moçambicanas foram alvo de uma emboscada e dois militares terão sido mortos. Mas há muitos mais relatos de violência. Basta recuar algumas semanas para se perceber que há agora uma amplitude invulgar nas movimentações dos terroristas e que, como a Fundação AIS relatou recentemente, inclui vários distritos na Província de Cabo Delgado.

No dia 21 de Janeiro, por exemplo, a vila de Mucojo, a segunda mais importante no distrito de Macomia, foi ocupada por grupos de terroristas, provocando uma debandada das populações, nomeadamente para a sede distrital. Pelo menos durante dois dias os terroristas mantiveram-se nesta vila, num gesto de uma certa ousadia até pela proximidade na região de forças militares moçambicanas e dos países da África Austral que estão a apoiar os esforços das autoridades de Maputo face à insurgência jihadista na província de Cabo Delgado.

Todas estas notícias, que vão circulando entre a população de forma mais formal ou informal, estão a causar o medo e a levar à fuga novamente de muitas centenas de pessoas. “Com essas notícias o povo fica apavorado e muitos saem de casa”, dizem os missionários na mensagem enviada para a Fundação AIS, reconhecendo, simultaneamente, que há agora “um aparato militar maior”.

NOVO NÚNCIO E DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO…

Todo este ressurgimento de violência coincide com a chegada a Moçambique no novo Núncio Apostólico, o arcebispo espanhol D. Luís Miguel Muñoz, nomeado pelo Papa Francisco a 23 de Janeiro em substituição de D. Piergiorgio Bertoldi, que ocupou o lugar desde 2019 até Junho do ano passado.

D. Luís Muñoz é um arcebispo espanhol de 59 anos e tem já uma longa experiência como representante pontifício, tendo estado em países como a Grécia, México, Bélgica, Itália, Austrália, França e Turquia. A questão da insurgência terrorista, que começou em 5 de Outubro de 2017 e já terá causado cerca de 5 mil mortos e mais de um milhão de deslocados, preocupa muito os responsáveis da Igreja Católica neste país de língua oficial portuguesa.

Ainda recentemente, no início de Janeiro, antes ainda desta nova onda de ataques, a Fundação AIS dava conta da aposta da Diocese de Pemba no diálogo entre religiões para a erradicação do terrorismo no território. “Não se pode aguentar muito tempo uma situação de violência que parece não ter fim”, explicava o padre Eduardo Roca, um dos responsáveis pelo diálogo inter-religioso da diocese moçambicana e que se encontra em missão desde há vários anos em Mahate, uma paróquia católica num bairro que é o centro do Islão em Pemba, a capital da província de Cabo Delgado.

O MEDO E AS AMEAÇAS

Na mensagem enviada para Lisboa, o padre Roca lembrava que a vida debaixo do medo constante, da violência que pode surgir em qualquer lugar e em qualquer momento é simplesmente intolerável.

O medo toma conta dos corações, nenhuma instituição da sociedade merece mais confiança, porque o sentimento de sobrevivência impõe-se sobre os outros. A possibilidade de um ataque, a qualquer momento, e em qualquer lugar, torna a vida insuportável.”

Há cerca de duas semanas, o investigador de questões de estratégia e segurança, Nuno Rogeiro – autor do livro “O Cabo do Medo – O Daesh em Moçambique” –,  apresentou na SIC, canal de televisão portuguesa, o excerto de um vídeo alegadamente da autoria dos insurgentes em Cabo Delgado e gravado a 11 de Janeiro deste ano, em que os terroristas – na imagem aparecem pelo menos cinco homens fortemente armados – estarão numa aldeia em Macomia e proclamam perante as câmaras que o seu objectivo “é a destruição dos cristãos e o apoio à Palestina”.

PAÍS PRIORITÁRIO PARA A AIS

Moçambique é um país prioritário para a Fundação AIS no continente africano. A solidariedade dos benfeitores da Ajuda à Igreja que Sofre tem permitido levar a este país, especialmente à região de Cabo Delgado, diversos projectos de assistência pastoral e de apoio psicossocial às populações vítimas do terrorismo, mas também fornecimento de materiais para a construção de dezenas de casas, centros comunitários e ainda a aquisição de veículos para os missionários que trabalham junto dos centros de reassentamento que abrigam as famílias fugidas da violência.

Paulo Aido | Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt

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Embora os líderes cristãos e muçulmanos continuem a denunciar a violência e a promover o diálogo inter-religioso, num esforço de deslegitimação do jihadismo, tal será insuficiente se não forem abordadas as desigualdades sociais e económicas subjacentes que afectam os jovens, especialmente nas regiões mais pobres. As perspectivas para a liberdade religiosa continuam a ser desastrosas.

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