MOÇAMBIQUE: Catequistas reacendem “a chama da esperança” entre as vítimas do terrorismo em Cabo Delgado

No Campo de Reassentamento de Ntele, vivem centenas de famílias que fugiram dos terroristas que assolam a região de Cabo Delgado. Num cenário de enorme pobreza, onde existem apenas abrigos precários, um grupo de cinco jovens catequistas realiza uma notável missão de evangelização, procurando “reacender a chama da esperança” junto destas pessoas traumatizadas. Pessoas que viram filhos, maridos, familiares e amigos a serem mortos pelos extremistas islâmicos que não dão sossego ao norte de Moçambique, como se viu, nas últimas semanas, na Diocese de Nacala em que quatro cristãos foram mortos, numa onda de violência extrema, marcada por milhares de pessoas em fuga e centenas de casas queimadas…

Adério Monteiro tem 29 anos, é catequista e está em missão no campo de reassentamento de Ntele, distrito de Montepuez, em Cabo Delgado. Um campo onde vivem, actualmente, cerca de 300 famílias.

São pessoas que viram os seus filhos, os seus maridos, os seus familiares a serem decapitados. As suas mães serem mortas e outros a serem raptados por grupos jihadistas. São pessoas que foram obrigadas a abandonar tudo, as suas residências, as suas machambas e outros bens. E foram cá reassentadas.”

O campo de reassentamento de Ntele é como uma aldeia. Algumas casas, construídas à base de ramos entrelaçados e de colmo, são o abrigo de uma população que fugiu dos terroristas islâmicos que desde Outubro de 2017 não dão sossego à região norte de Moçambique. Todos os que vivem em Ntele são deslocados.

Ser deslocado, em Cabo Delgado, significa ter a memória carregada de medo, dor e sofrimento. No campo de reassentamento de Ntele, no meio das casas precárias, sobressai a capela de Santo António. É um edifício apenas maior, construído também com os materiais que a natureza por ali oferece, mas que se destaca de tudo o resto pela cruz construída por dois ramos, e pelo alpendre que prolonga a porta de entrada e oferece alguma sombra aos que por ali costumam estar.

A Fundação AIS desafiou Adérito Monteiro – que em Setembro integrou a delegação da Diocese de Pemba ao Jubileu dos Catequistas em Roma, e esteve até com o Papa Leão – para mostrar como é a vida nesta aldeia onde todos são vítimas do terrorismo.

Um punhado de catequistas

Tudo por ali é precário, é rudimentar. A própria capela tem, aqui e ali, a fazer a vez de telhado, antigos sacos de comida da USAID, a agência de ajuda humanitária e de desenvolvimento internacional dos Estados Unidos. Distribuiu-se a comida, ficou o saco que continua a ser valioso, cortando acima de tudo o calor do sol, o frio da noite e a chuva quando cai.

A aldeia é servida por um punhado de catequistas que reunidos dentro da capela, ou cá fora, sentados onde calha, debaixo da sombra das árvores, por exemplo, vão cumprindo a sua missão evangelizadora.

João Paulo, Bernardo Bacarri, Rafael Midamu e Tuxa Simão são os catequistas. Uns ensinam ainda os primeiros rudimentos da fé cristã, outros preparam já grupos para o baptismo ou mesmo para o crisma. Todos, como sublinha Adérito Monteiro, “no meio do horror e do trauma” procuram “reacender a chama de esperança de que Cristo vive, que Cristo está connosco”.

Muitas comunidades, poucos sacerdotes

Em Ntele falta quase tudo. As dificuldades são enormes, a começar pela falta dos manuais, do material de apoio para as aulas de catequese. “Os manuais que nós temos, que a diocese dispõe e a paróquia concede, não são suficientes para todos os catequistas, por falta de recursos. O mesmo manual pode ser usado por mais de dois catequistas”, explica Adérito. “Um usa hoje ou de manhã, o outro vai usar à tarde. Essa é uma das dificuldades”, diz.

A outra dificuldade é a falta de sacerdotes. Os catequistas desdobram-se, tentando substituir os padres que não conseguem chegar a todos os lados, ir a todas as comunidades, contactar com todos os fiéis. Por vezes há comunidades, explica Monteiro, que só são visitadas uma vez por ano pelos seus sacerdotes. E dá o exemplo da sua própria paróquia.

“A nossa paróquia, a de Nossa Senhora da Consolata de Montepuez, é composta por 17 zonas. E cada zona, dependendo da dimensão, pode suportar mais de cinco comunidades. Portanto, é uma paróquia composta por muitas comunidades, mas que tem somente dois sacerdotes. Então, os sacerdotes, as religiosas não conseguem chegar a todo o lado. Onde os sacerdotes não conseguem chegar, está lá o catequista, o animador”, afirma Adérito Monteiro à Fundação AIS.

Uma aldeia onde falta quase tudo

A aldeia de Ntele é, apesar de tudo, um porto de abrigo. Mas é cada vez mais um porto de abrigo onde faltam as coisas mais básicas. “Quando esta comunidade foi composta, este reassentamento foi aqui construído, numa primeira fase, a população recebia assistência [alimentar]. Mas, ao passar do tempo, já não há mais essa assistência”, descreve o catequista. “Algumas organizações faziam as suas doações. Uma delas era a Caritas da Diocese de Pemba. Mas, por vários motivos, que acreditamos seja por falta de recursos, esta comunidade, este reassentamento já não beneficia dessa assistência humanitária”, afirma.

Falta apoio também ao nível de cuidados médicos. Por ali, no meio de tantas carências, claro que não há qualquer centro de saúde. “Para as consultas médicas, esta população recorre a um posto administrativo aqui perto, mais ou menos a 10 ou 15 km de distância, no chamado Posto Administrativo de Makukulo”, explica o jovem catequista, sintetizando a sua descrição com uma simples frase: “É nestas condições que vivemos aqui em Cabo Delgado”.

“Continuem a rezar por nós…”

Condições difíceis numa aldeia que antes de ter começado a violência terrorista, em Outubro de 2017, nem existia, era mato apenas. Mas perante a falta de tantas coisas básicas, é difícil não perceber o empenho, a generosidade, a alegria até dos catequistas que ali, no meio quase do nada, junto de tantas pessoas em sofrimento, tantas famílias traumatizadas, são sinal de esperança, são sinal de afecto.

E em nome do João Paulo, do Bernardo Bacarri, do Rafael Midamu e da Tuxa Simão e em nome de todos os catequistas de Cabo Delgado, Adério Monteiro envia uma palavra final de agradecimento para os benfeitores da Fundação AIS, para todas as pessoas de boa vontade que ajudam a que a missão da Igreja seja uma realidade em todos os lugares de Cabo Delgado, como o campo de reassentamento de Ntele.

Queremos agradecer a todos, a todos os que fazem por tudo para ajudar a nós, catequistas, para ajudar as nossas comunidades, ajudar os nossos fiéis, ajudar a nossa população de Cabo Delgado. E pedir que continuem a rezar por nós, continuem a rezar pela missão dos catequistas, continuem a rezar pela paz de Cabo Delgado, a paz de Moçambique em geral.”

A Fundação AIS está a apoiar a Igreja moçambicana, especialmente na província de Cabo Delgado. Além de financiar o trabalho de cura de traumas, a AIS ajuda a Igreja a fornecer ajuda de emergência e assistência pastoral aos deslocados e também financia a compra de veículos para ajudar os pastores na sua missão evangelizadora.

Paulo Aido | Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt

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