MOÇAMBIQUE: Catequistas dão testemunho de coragem para cumprirem a sua missão evangelizadora em Cabo Delgado

Adérito Monteiro e Paulo Agostinho Matica são dois catequistas que, apesar da violência terrorista em Cabo Delgado, continuam a cumprir com a sua missão de evangelização em zonas onde, por vezes, são mesmo a única presença visível da Igreja. Recentemente, estiveram em Roma, no Jubileu dos Catequistas, e encontraram-se com o Papa Leão XIV. Ambos são sinal de coragem e de amor junto de populações forçadas a fugir, tantas vezes em absoluto desespero, vítimas dos grupos jihadistas que actuam no norte de Moçambique.

Quaresma de 2021. Durante um dos mais mortíferos e ousados ataques dos terroristas em Cabo Delgado, um humilde catequista arriscou a vida para salvar os livros de registo da Paróquia de Palma. Durante alguns dias, com a vila ocupada pelos jihadistas, que decapitaram dezenas de pessoas, e numa altura em que se escutavam ainda tiros e explosões por todo o lado, Paulo Agostinho Matica ficou escondido junto à igreja até ter conseguido retirar os livros em segurança. Faltavam 11 dias para a Páscoa…

Recentemente, no final de Setembro, Paulo Matica esteve em Roma e contou esta história perante centenas de outros catequistas oriundos de todo o mundo. Foi um Jubileu muito especial em que o Santo Padre instituiu 39 ministros da catequese oriundos de 16 países. Quatro eram de Moçambique, todos da diocese de Pemba, todos de Cabo Delgado, onde arriscam a vida todos os dias para serem sinal de esperança e às vezes mesmo a única presença visível da Igreja.

Adérito Benjamim Monteiro tem 29 anos e também é catequista. E também ele esteve em Roma. O encontro com o Papa, confidencia à Fundação AIS, foi muito emotivo. “Tive a oportunidade de saudar o Papa. Nessa minha saudação, pedi ao Papa para que continue a rezar pela paz na minha província de Cabo Delgado. Quando recebi a cruz, que simboliza o meu envio como catequista, senti uma responsabilidade muito grande, um peso enorme”, explica.

Foi tudo muito incrível. Voltei para a minha diocese, para a minha paróquia, muito renovado na fé e muito maravilhado. Quero pedir a Deus para que me continue a abençoar e aos outros irmãos catequistas desta província de Cabo Delgado, para que continuemos mesmo diante de tanto terror a anunciar o Evangelho com muita forma e sem medo.”

Histórias de terror vividas pelos catequistas

De facto, o que se passa em Cabo Delgado é horror puro. Como relatou Paulo Matica no seu testemunho em Roma, a violência jihadista, que começou em 2017, tem vindo a crescer de intensidade nos últimos tempos e não tem poupado nada nem ninguém. Muito menos os cristãos. “Muitos dos nossos irmãos e irmãs cristãos já foram assassinados, igrejas e capelas foram queimadas e milhares de pessoas foram obrigadas a fugir das suas aldeias”, descreveu o catequista.

“Por causa desta violência, sacerdotes e religiosas tiveram de abandonar algumas paróquias e refugiar-se em locais mais seguros, pois corriam risco de vida. Esse é o caso da minha paróquia, São Bento de Palma. O padre teve de sair em 2020, quando o conflito estava no auge. Desde então, eu sou o responsável por todo o processo de evangelização, pela manutenção da paróquia e pelo alento da fé das pessoas. Por não haver religiosas nem sacerdotes – ou, quando os há, devido às grandes distâncias –, somos nós, os catequistas, que asseguramos a catequese, as formações, as celebrações da Palavra (já que, por vezes, só temos Missa uma vez por ano), os rituais de exéquias, os relatórios paroquiais, todo tipo de materiais, dentre outras coisas. Por vezes, temos de percorrer até 160 km para ir buscar a Eucaristia para as celebrações”, relatou Paulo Matica.

O ataque à vila de Palma em 2021

E foi assim, neste contexto de grande violência, que ocorreu o ataque em Palma na Quaresma de 2021. O relato do catequista em Roma ajuda a perceber a coragem mas também a angústia vividas naqueles dias em que literalmente a vila esteve capturada pelos terroristas que pertencem ao grupo jihadista Estado Islâmico.

“O grupo armado tinha entrado na minha vila, Palma, e decapitado dezenas de pessoas. Eu já era o responsável pela paróquia. No meio do fogo das armas e em fuga, entrei na capela da sede paroquial para levar comigo o que havia de mais sagrado: recolhi os livros de registos. Estes não são apenas livros, mas contêm parte da vida da nossa paróquia, já que em nenhum outro lugar estavam registados aqueles sacramentos. Depois de andar três dias pela mata, celebrámos o Domingo de Ramos com um pequeno grupo de cristãos, escondendo-nos do grupo terrorista que poderia alcançar-nos e matar-nos a qualquer momento. Meses depois, cheguei à sede da Diocese, a mais de 400 km de Palma, onde pude não só entregar ao nosso bispo os livros, mas também receber dele a bênção para continuar o meu serviço a Deus”, afirmou, emocionando todos os que assistiram no Vaticano ao Jubileu dos Catequistas.

“Uma semana normal” para Paulo Matica

Mas, como explicou Paulo Matica, o ataque a Palma apenas foi excepção pela dimensão da violência, pois todos os dias os catequistas sentem a ameaça terrorista em Cabo Delgado. E dá um exemplo. “Uma semana normal para mim — e para muitos dos meus irmãos catequistas — é marcada pela vivência pastoral, que se traduz em gestos como estes”, descreve.

“Ao verificar que já não há Eucaristia no sacrário da capela, percorro quilómetros para levar a que foi consagrada pelo padre que visitou a paróquia vizinha na semana passada. Sei, por exemplo, que o grupo armado está a atacar aldeias próximas. Por isso, parto logo de manhã cedo, com muita pressa. Pelo caminho, posso receber a notícia de que faleceu um cristão de uma das comunidades. Ao caminhar com a Eucaristia protegida na pasta — e sentindo que Ela também me protege — vou recordando o ritual de exéquias que terei de conduzir, dentro de algumas horas, pela alma do nosso irmão. No final da celebração reúno-me com os animadores das comunidades e falamos sobre as orientações para a catequese e preparação para os sacramentos, pois dentro de algum tempo virá o sacerdote para os celebrar. É assim, neste movimento, que vou — que vamos — alimentando a nossa esperança”, concluiu.

Catequistas no centro da Campanha de Natal da AIS

A situação em Cabo Delgado continua profundamente grave. Ainda recentemente, em entrevista à agência Ecclesia e à Rádio Renascença, o Bispo de Pemba falava em “números dramáticos”, especificando que nos meses de Setembro e Outubro foram registados pelo menos “70 mil novos deslocados, [embora] alguns dados falem já em 90 mil”. São pessoas deslocadas que se juntam aos que “vivem há dois, três anos fora das suas aldeias, em reassentamentos com poucas condições”.

Por tudo isto, D. António Juliasse volta a pedir a todos uma atenção especial para com este território situado a norte de Moçambique. “Não se esqueçam de Cabo Delgado e desta situação humanitária que cá passamos, porque sem ajuda internacional não podemos ter uma grande resposta”, afirmou.

No relatório da Fundação AIS sobre a Liberdade Religiosa no Mundo, lançado a 21 de Outubro, é referido que “os militantes jihadistas intensificaram os ataques anticristãos em Cabo Delgado, destruindo igrejas e ameaçando com conversões forçadas ou morte”. Uma realidade que sublinha ainda mais a coragem de catequistas como Paulo Matica ou Adérito Monteiro, que arriscam a própria vida, se necessário, para cumprirem com a missão evangelizadora de que foram instituídos pelo Papa Leão XIV.

Neste Natal, a Fundação AIS vai lançar uma Campanha para chamar a atenção precisamente para a importância do trabalho dos catequistas e dos riscos que estes homens e mulheres enfrentam em tantas regiões onde a violência terrorista e a falta de meios são um obstáculo à evangelização.

Paulo Aido | Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt

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Embora os líderes cristãos e muçulmanos continuem a denunciar a violência e a promover o diálogo inter-religioso, num esforço de deslegitimação do jihadismo, tal será insuficiente se não forem abordadas as desigualdades sociais e económicas subjacentes que afectam os jovens, especialmente nas regiões mais pobres. As perspectivas para a liberdade religiosa continuam a ser desastrosas.

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