MOÇAMBIQUE: Bispo de Tete justifica fuga das populações de Cabo Delgado e diz que é “uma escolha entre a vida e a morte”

MOÇAMBIQUE: Bispo de Tete justifica fuga das populações de Cabo Delgado e diz que é “uma escolha entre a vida e a morte”

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MOÇAMBIQUE: Bispo de Tete justifica fuga das populações de Cabo Delgado e diz que é “uma escolha entre a vida e a morte”

Quarta-feira · 12 Maio, 2021

“O risco existe, sem dúvida!” D. Diamantino Antunes, que assinala hoje, 12 de Maio, o segundo ano em que está à frente dos destinos da Diocese de Tete, em Moçambique, explica assim o receio de que a violência terrorista em Cabo Delgado ultrapasse as fronteiras desta província e se espalhe por todo o país.

Em entrevista à Fundação AIS o bispo fala na surpresa de os ataques estarem ainda confinados à região norte de Moçambique e diz que há “muito medo” e que a fuga das populações é inevitável. “Causa uma certa surpresa que se esta guerra, esta insurgência é de matriz islâmica fundamentalista, deveria também – e graças a Deus ainda não aconteceu e esperamos que não aconteça – haver acções [terroristas] noutras províncias vizinhas a Cabo Delgado onde a presença islâmica é muito acentuada.”

Para já, os ataques dos grupos armados têm estado confinados a Cabo Delgado. E o balanço do terror permite já contabilizar mais de 2500 mortos e mais também de 750 mil deslocados. D. Diamantino sublinha esse aspecto na entrevista à Fundação AIS. “Toda a região afectada já pela insurgência está despovoada. As pessoas não saem [das suas terras] por qualquer motivo. Ninguém quer deixar a sua terra, a sua casa, o lugar onde os seus antepassados estão sepultados para ir fazer uma experiência noutro lugar. Não. As pessoas saem porque não há outra alternativa. É uma escolha entre vida e morte.”

MOÇAMBIQUE: Bispo de Tete justifica fuga das populações de Cabo Delgado e diz que é “uma escolha entre a vida e a morte”
“O risco existe, sem dúvida!”

O PERIGO DE TERRORISTAS INFILTRADOS
Para o Bispo de Tete, diocese que é maior do que todo o território português, há imensos sinais de medo. D. Diamantino foi das primeiras vozes a denunciar a existência de um problema grave de extremismo na província de Cabo Delgado. Precisamente o oposto das autoridades moçambicanas que foram desvalorizando o potencial de perigo nos ataques que se foram sucedendo nesta região desde Outubro de 2017. “E isso [foi] um grande problema… E agora a situação está muito mais difícil.” Aquilo que se sabe hoje, diz o Bispo, “é que este grupo [de terroristas] está bem treinado, tem uma estratégia, está bem equipado do ponto de vista militar com armas sofisticadas, tem motivação e encontra, na outra parte, um exército que não está preparado para enfrentar uma guerra de guerrilha”. O religioso português do Instituto Missionário da Consolata fala ainda na existência de possíveis terroristas já infiltrados em cidades noutras zonas do país. “Fala-se também de possíveis membros deste grupo [que estão] infiltrados seja noutras sedes distritais seja na capital, o que seria um perigo bastante grande…”

AS AMEAÇAS DE MORTE A D. LUIZ “ERAM REAIS”
Na entrevista à Fundação AIS, D. Diamantino Antunes comentou as declarações a um jornal italiano de D. Luiz Fernando Lisboa, o antigo bispo de Pemba que o Papa Francisco enviou em Fevereiro para uma diocese brasileira. Uma entrevista que correu mundo e em que D. Luiz acusou as autoridades moçambicanas de o terem ameaçado de morte. “Evidente que essas ameaças são reais porque ele não teria dito isso se não fosse verdade, mas expôs-se muito no sentido de que desde a primeira hora denunciou a situação, falou de Cabo Delgado, foi a voz daqueles que não podiam fazer ouvir a sua voz.” O Bispo de Tete recorda que “houve artigos escritos nos jornais atacando [D. Luiz] pessoalmente e possivelmente também ameaças de morte”. E diz que terá sido essa “a razão que levou o Papa Francisco a transferi-lo”.

D. Luiz Lisboa deixou na Diocese de Pemba um trabalho que agora tem de ser continuado. “Continuar a sua missão é, de facto, a nossa tarefa. E nós temos essa responsabilidade como pastores.”

A POBREZA E O ESQUECIMENTO DAS POPULAÇÕES
Para o Bispo de Tete, Cabo Delgado “é uma prioridade de toda a sociedade moçambicana”. “É um problema que não afecta apenas a região mas tem repercussões a nível nacional e também a nível da Igreja.” A Conferência Episcopal está muito atenta a esta situação e tem-se pronunciado indicando algumas das causas que estarão na génese da violência terrorista. Perceber o problema é essencial para o poder solucionar. Diz D. Diamantino Antunes que os Bispos indicaram já “as causas que estão verdadeiramente por trás do problema”. “Sem dúvida que há toda uma história e sobretudo uma pobreza, o esquecimento daquela região e das suas povoações, as quais tendo conhecimento que nas suas terras há riquezas imensas querem ver também resultados e melhoria [nas condições] de vida.” Por isso, diz o prelado, este ambiente de desleixo a que o poder central votou toda a região norte de Moçambique “proporciona e favorece esta guerrilha”. “Porque no fundo, no fundo, uma guerrilha instala-se não só pela força mas também pela capacidade que tem de agregar e de motivar e de receber apoios locais…”

DOIS ANOS NA DIOCESE DE TETE
D. Diamantino Antunes faz um balanço “muito positivo” dos primeiros dois anos à frente dos destinos da Diocese, apesar dos “condicionalismos” devidos à pandemia do coronavírus. Foram 24 meses em que visitou “todas as missões”, tendo chegado “a lugares onde nunca nenhum bispo tinha ido”. Criou cinco novas paróquias, ordenou 12 sacerdotes diocesanos e três diáconos, e recebeu muitos outros sinais de que “a Igreja local está a crescer”. Os seminários são a prova disso. D. Diamantino fala deles como “o grande viveiro dos futuros missionários”. E agradece vivamente a ajuda da Fundação AIS. “Um muito obrigado à Fundação Ajuda à Igreja que Sofre que nos ajuda na formação dos nossos seminaristas pagando parte significativa do valor das propinas e o sustento dos nossos seminários. Além de outras ajudas que também recebemos da AIS na construção de igrejas, porque se criamos uma nova paróquia é evidente que temos de ter também uma igreja paroquial…”

NOVO PROCESSO DE CANONIZAÇÃO EM CURSO
A Diocese de Tete veio oferecer a D. Diamantino Antunes a ligação a mais um processo de canonização. Depois dos Mártires de Guiúa, um grupo de mais de vinte catequistas e seus familiares assassinados a 22 de Março de 1992 em Inhambane, onde o então Padre Diamantino estava como missionário e de cujo processo foi postulador e que “já está na fase romana, na Congregação da Causa dos Santos”, há um novo caso que o está a entusiasmar. Trata-se do processo relacionado com dois sacerdotes, o padre português Sílvio Alves Moreira e o padre moçambicano João de Deus. Ambos pertenciam à Companhia de Jesus e trabalhavam na missão de Chapotera quando foram mortos no dia 30 de Outubro de 1985. “Toda a vida missionária de ambos foi caracterizada por uma grande doação e coragem, seja no tempo colonial, seja na independência, na revolução e na guerra. Foram pessoas dedicadas e corajosas. E na zona onde eles estavam havia muita violência e eles assistiam a essa violência e com coragem denunciavam os massacres quer de uma parte quer da outra, defendendo o direito das pessoas e intervindo junto das autoridades”, descreve D. Diamantino. Apesar de todos os conselhos, nomeadamente dos superiores, os dois jesuítas decidiram ficar. “E foram mortos”, lembra o Bispo. “Esta convicção, esta certeza de que eles são mártires é muito presente na parte dos cristãos. É evidente que uma causa, seja de beatificação ou de canonização, seja por santidade ou por martírio, tem que ter na base a fama de santidade ou de martírio. E de facto isso aconteceu, porque 35 anos depois da morte eles são conhecidos, são invocados de modo espontâneo por parte das populações.”

Trinta e cinco anos depois do assassinato destes dois sacerdotes jesuítas, Moçambique vive novos tempos de guerra, desta vez na região de Cabo Delgado onde grupos armados têm vindo a espalhar o medo e a morte. Será Cabo Delgado também viveiro de mártires?

PA | Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt

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