O Padre Eduardo Roca, responsável pelo diálogo inter-religioso na Diocese de Pemba, explica à Fundação AIS a importância da erradicação do terrorismo em Cabo Delgado. “Não se pode aguentar muito tempo uma situação de violência que parece não ter fim”, diz o sacerdote. Ainda esta semana, na quarta-feira, os terroristas, que reclamam pertencer ao Daesh, o grupo Estado Islâmico, atacaram uma aldeia em Mocímboa da Praia, saqueando lojas e levando à fuga das populações. Em Dezembro, reivindicaram três ataques, com vários mortos, e num deles afirmam ter “decapitado um cristão”.
“Não importa se for uma guerra de baixa intensidade, como agora se fala. O medo toma conta dos corações, nenhuma instituição da sociedade merece mais confiança, porque o sentimento de sobrevivência impõe-se sobre os outros”, diz o Padre Eduardo Roca, presente desde há vários anos em Mahate, uma paróquia católica num bairro que é o coração do Islão na cidade de Pemba, em Cabo Delgado, e que é, também, um dos responsáveis do diálogo inter-religioso da diocese moçambicana.
“A possibilidade de um ataque, a qualquer momento, e em qualquer lugar, torna a vida insuportável. Não se pode aguentar muito tempo numa situação de violência que parece não ter fim”, diz ainda o sacerdote espanhol numa mensagem enviada para a Fundação AIS em Lisboa.
Os ataques e a violência que refere são da responsabilidade de grupos terroristas que têm deixado um rasto de destruição e morte e que reivindicam pertencer ao Daesh, os jihadistas do Estado Islâmico.
Desde Outubro de 2017, quando se registou o primeiro incidente, já se contabilizaram mais de 4 mil mortos e cerca de 1 milhão de deslocados, apesar de os terroristas estarem a ser combatidos pelo exército de Moçambique e por uma coligação de países africanos de que se destaca o Ruanda.
Mas os ataques têm continuado e provocam sempre alarme e a fuga das populações. Ainda em Dezembro, logo após o Natal, os terroristas reivindicaram três ataques, com vários mortos. Num desses ataques afirmam ter “decapitado um cristão”.
ENCONTRO DE SENSIBILIZAÇÃO EM PEMBA
A Igreja Católica tem feito erguer a sua voz apelando à urgência de soluções que ponham um fim a esta violência que tem tornado ainda mais dramática a vida das populações de Cabo Delgado, que é a região mais pobre de Moçambique, que é, por seu turno, um dos países mais pobres do mundo.
Ainda recentemente, nos dias 28 e 29 de Novembro, houve, em Pemba, uma reunião organizada pela União Africana e o KAICIID – King Abdullah Bin Abdulaziz Center for Interreligous and Intercultural Dialogue –, uma organização internacional que visa promover o diálogo inter-religioso e intercultural no mundo. Nessa reunião, assumida como encontro de “sensibilização”, estiveram presentes diversos membros das comunidades locais, líderes religiosos e organizações da sociedade civil. Um dos participantes foi o Padre Eduardo Roca de Oliveira.
O encontro foi importante por mostrar que o diálogo é uma ferramenta essencial para a prevenção de conflitos e para o estabelecimento de laços de proximidade entre comunidades religiosas. É neste contexto e em jeito de balanço pessoal dessa reunião, que o Padre Roca escreveu uma mensagem para a Fundação AIS sobre o fim da violência e a urgência da paz. Uma paz que, diz, “é a nossa maior preocupação”.
A VERDADEIRA MISSÃO
“As lideranças religiosas de Cabo Delgado”, escreve o sacerdote, sentem “num mesmo afecto de dor a falta de paz nas nossas comunidades”. “O que as pessoas e as comunidades consideram mais importante é precisamente o que destrói a instabilidade e a violência da guerra”, acrescenta. O texto do Padre Roca é uma reflexão sobre as razões pelas quais surgiu a insurgência terrorista em Moçambique.
“Depois destes anos ficaram mais claras as causas da violência na província [de Cabo Delgado]. O que já intuíamos no início foi-se confirmando, e também foi mostrando as debilidades sociais e religiosas em que precisamos intervir para construir paz. Para nós, os religiosos, uma reflexão crítica sobre o modo em que vivemos a religião se impôs cada vez mais. A religião é uma dimensão que toca o mundo de símbolos, desejos e esperanças das pessoas, e por isso ela é facilmente manipulável, por vezes ao serviço de interesses e ambições que nada tem a ver com o verdadeiro sentido da religião”, escreve o Padre Eduardo Roca.
O texto do sacerdote espanhol prossegue com um olhar crítico sobre a atitude das próprias lideranças religiosas. “Precisamos deixar de olhar a nossa religião como uma competidora diante das outras, focando os nossos esforços em ganhar trunfos territoriais ou políticos, descuidando a verdadeira missão que temos de cuidar as almas”, diz.
PAZ COM JUSTIÇA E RESPEITO
Para tudo isto, há um trabalho urgente a realizar ao nível do diálogo entre religiões. Sem isso, escreve ainda o sacerdote, não haverá verdadeira paz.
Se não há paz entre as religiões não há paz no mundo. E não é paz a simples tolerância do outro, sem respeito, até que algum conflito se desencadeie por causa de discursos de exclusão e ódio dos outros. A paz verdadeira tem a justiça no alicerce, exige ceder para os outros que não têm, e funda-se no respeito activo, na vontade firme de querer que o caminho para Deus que os outros praticam seja reconhecido e legitimado, e na disposição a dar a própria vida para que assim seja.”
Padre Eduardo Roca
O texto aponta para a necessidade urgente de se constituir “um comité interreligioso para a paz, que seja livre de ingerências e o mais autónomo possível, competente e eficiente para trabalhar no diálogo e na mediação em conflitos religiosos”. “Para a violência religiosa é preciso soluções religiosas…”, escreve o Padre Eduardo Roca, acrescentando que “do Estado e das suas instituições devemos esperar a garantia do espaço de laicidade necessário para que os actores religiosos possamos agir com liberdade”.
A mensagem termina com o Padre Eduardo Roca a explicar que o convite para o encontro de Novembro promovido pela União Europeia e o KAICIID foi uma oportunidade que não podia ter sido recusada. “O desafio consiste em formar as lideranças neste espírito de respeito activo capaz de garantir a paz verdadeira, e este trabalho falta ainda nas nossas religiões.”
Estas palavras do Padre Eduardo Roca ganham uma importância especial neste momento, até porque o Presidente do Conselho Islâmico de Moçambique, Sheik Aminuddin Muhammad, anunciou recentemente que uma “comissão internacional” que incluirá organizações da sociedade civil do país, da região e personalidades de países europeus, vai começar a trabalhar já este mês de Janeiro para o diálogo com os insurgentes, o nome com que os terroristas são também conhecidos localmente.
Paulo Aido | Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt