Primeiro foi o ataque, nunca visto na Guiné-Bissau, a uma igreja. Foi em Julho. Depois, em Setembro, o governo decide suspender as isenções fiscais à Igreja Católica. No meio de tudo isto e desde há algum tempo, que vai proliferando por todo o país a construção de novas mesquitas. “São centenas”, diz Casimiro Jorge Cajucam, director da única rádio diocesana na Guiné-Bissau e que, em entrevista à Fundação AIS, alerta para os sinais preocupantes de este pequeno país de língua oficial portuguesa se vir a transformar num “estado islâmico”
Tem 40 anos, nasceu na cidade de Bissau, pertence à paróquia do Cristo Redentor e é o director da única rádio diocesana em todo o país. Casimiro Jorge Cajucam alerta, em entrevista em exclusivo à Fundação AIS, para o risco de a Guiné-Bissau cair nas malhas do extremismo religioso. Em Setembro, dois meses depois do ataque à Igreja em Gabu – nunca algo do género tinha acontecido em toda a história do país, com a destruição de imagens e a profanação do templo –, o governo anuncia a suspensão das isenções fiscais à Igreja Católica, equiparando-a a uma simples ONG, organização não governamental. Somando a isto o facto de, por todo o lado estarem a surgir novas mesquitas, há razões para preocupação? Casimiro Cajucam entende que sim. E fala numa ameaça. “Há políticos que tentam de tudo para transformar a Guiné-Bissau, para a tirar de um estado laico para a pôr como um estado islâmico. Há essa tendência e isso é uma ameaça.” O director da Sol Mansi, rádio que tem o apoio da Fundação AIS, mostra-se preocupado com os sinais de extremismo religioso que se têm vindo a acumular na vida deste pequeno país africano de língua oficial portuguesa, apesar da histórica boa relação entre cristãos e muçulmanos.
O ataque à Igreja em Gabu
O mais grave aconteceu há quase cinco meses, quando a igreja católica em Gabu foi atacada e vandalizada. A notícia correu pelo país com perplexidade. Até porque as relações entre as comunidades religiosas, entre cristãos e muçulmanos, sempre foram tradicionalmente muito boas. “Foi muito espantoso porque foi a primeira vez que isso terá acontecido num país onde a relação entre as religiões, a relação entre muçulmanos e cristãos é extremamente boa. A Guiné-Bissau tinha sido e tem sido exemplo nesse aspecto”, descreve o responsável da rádio.
Tão grave quanto o ataque, foi, no entanto, a reacção do presidente da República. Umaro Sissoco Embaló, um muçulmano, veio a público desvalorizar o ataque e todo o esforço das autoridades para apurar responsabilidades. As palavras do mais alto magistrado da nação deixaram um rasto de inquietação. “Deixa-nos todos preocupados. Foi uma declaração infeliz, eu esperava depois um pedido de desculpa, da parte do presidente, mas infelizmente isso nunca aconteceu. Mas, alguns dias depois, um imame [um líder muçulmano] muito influente foi solidarizar-se com a Igreja Católica de Gabu, deslocou-se a Mansoa, até à paróquia de Santa Isabel para prestar a sua solidariedade para com a Igreja Católica e em particular para com a comunidade católica de Gabu”, afirma Casimiro Jorge Cajucam.
Proliferação de mesquitas
O ataque, em si, revelou-se preocupante não só por ser inédito, mas também por acontecer num tempo em que se está a verificar o aparecimento de centenas de mesquitas por todo o país. “Nos últimos dez anos, foram construídas centenas de mesquitas. Há uma proliferação de mesquitas na Guiné-Bissau que são financiadas por países árabes muito ricos. Há pessoas nas aldeias, cristãos e não cristãos, que são financiados para se converterem ao islamismo. Estamos perante essa ameaça.” É neste contexto que o director da rádio Sol Mansi fala em “ensaio” para um ataque terrorista quando se refere aos incidentes na Igreja em Gabu. “Aquilo que aconteceu na paróquia em Gabu, para muitos, é o primeiro ensaio de um ataque terrorista. Nunca tinha acontecido.”
Os alertas do Relatório da Fundação AIS
As palavras do director da rádio diocesana da Guiné-Bissau reforçam os alertas publicados em Abril do ano passado no Relatório da Fundação AIS sobre a liberdade religiosa no mundo. No documento, citando-se dados oficiais da ONU, refere-se que o país não dispõe de recursos para combater a “crescente ameaça do terrorismo e do crime organizado”, e que é de esperar que “estas ameaças venham a aumentar”. O Relatório da AIS diz mesmo que “grupos terroristas e criminosos jihadistas aproveitaram a instabilidade política e a fragilidade do Estado para entrar e sair facilmente do país”, acrescentando que a Guiné-Bissau tem sido utilizada por grupos terroristas jihadistas para fins logísticos e financeiros. “Resta saber se a crescente presença radical islamista irá mudar essa situação”, pode ler-se ainda no documento.
“A Igreja é um alvo a abater”
Outro sinal preocupante, e difícil de compreender, é a decisão governamental, em Setembro, de retirar isenções fiscais à Igreja Católica, equiparando-a a uma simples Organização Não Governamental. Qual é o objectivo? A resposta do responsável da rádio católica é imediata. “É para cortar as pernas à Igreja Católica. A Igreja Católica é uma das únicas entidades no país com autoridade moral, com credibilidade, é difícil ser arrastada para os caprichos políticos e é claro que vira um alvo a abater. O objectivo, para mim, visa mutilar os esforços, as acções da Igreja Católica que quase faz aquilo que o governo deveria fazer”, explica Casimiro Cajucam.
Importância do trabalho da Igreja
Num país pobre, um dos mais pobres do mundo, a Igreja Católica desempenha um papel insubstituível em áreas essenciais e sensíveis como a saúde e a educação. Um papel insubstituível que passa também pela existência da própria Sol Mansi, uma rádio que tem o apoio directo da Fundação AIS, nomeadamente através da oferta de um veículo todo-o-terreno. Cajucam explica a importância deste carro para o trabalho da rádio. “Quem anda nas estradas da Guiné-Bissau já experimenta como é o inferno… São estradas horríveis. Não é qualquer viatura que vai para lá e é por isso importante este apoio para irmos até às últimas aldeias para levarmos a mensagem da Igreja…” Um apoio que faz toda a diferença no dia-a-dia de quem tem conseguido fazer desta a rádio mais ouvida e com maior credibilidade em todo o país. Casimiro Jorge Cajucam agradece, por isso, a todos os benfeitores que com a sua generosidade permitem que a Rádio Sol Mansi continue a ser um sinal de esperança num país que atravessa tempos muito preocupantes. “O povo espera muito de nós, e precisamos de fazer mais pelo bem da sociedade guineense que está muito ameaçada por contravalores, muito ameaçada agora por tendências radicais. Precisamos desse apoio e aproveito para agradecer aos benfeitores da Fundação AIS. Estamos ainda presentes e mantemos a nossa actividade graças a eles!”