A insegurança no Burquina Fasso é geral e tem vindo a aumentar. “Muitas dioceses estão sob ataque”, diz o padre Jacques Sawadogo, que vem a Portugal esta semana para a apresentação, no nosso país, do Relatório “Perseguidos e Esquecidos?” sobre a violência religiosa contra os cristãos no mundo. E o Burquina Fasso é, precisamente, um dos países onde essa violência é mais visível. A insegurança é total, com sacerdotes e fiéis atacados e cristãos “obrigados a fugir das suas aldeias e cidades”.
O terrorismo jihadista está a crescer de forma avassaladora em vastas regiões de África, afectando milhões de pessoas e provocando já uma crise humanitária de enormes proporções, nomeadamente na região do Sahel.
Burquina Fasso, Mali e Nigéria são alguns dos países onde a violência dos grupos armados mais se faz sentir e com particular intensidade sobre as comunidades cristãs, como se comprova no mais recente relatório editado pela Fundação AIS – “Perseguidos e esquecidos?” –, que vai ser divulgado ao longo dos próximos dias em Portugal e que vai contar com o testemunho do padre Jacques Sawadogo, oriundo da diocese de Ougadougou.
Embora o sacerdote nunca tenha sido vítima directa de qualquer ataque, de qualquer acto de violência, conhece, no entanto, padres e leigos que experimentaram na pele o que significa ser cristão hoje em dia nesta região de África.
Na minha diocese, por exemplo, o bispo foi obrigado a fechar algumas das paróquias, porque os cristãos e os sacerdotes estavam muitas vezes sob ataques terroristas. Os sacerdotes foram transferidos para outros lugares e os cristãos também foram obrigados a fugir das suas aldeias e das suas cidades, e a procurar refúgio noutros lugares.
Padre Jacques Sawadogo
DOIS MILHÕES DE DESLOCADOS
A situação de insegurança é, de facto, muito grave apesar de praticamente não se falar no assunto. A violência na região do Sahel, e muito concretamente no Burquina Fasso, é um tema pouco ou nada referido ao nível da comunicação social global, apesar de afectar milhões de pessoas. Só no Burquina Fasso, e desde há cerca de dois anos, calcula-se que mais de dois milhões de pessoas tenham sido forçadas a fugir, a abandonar as suas aldeias e vilas e cidades, vivendo agora como refugiados em campos de deslocados.
Ainda recentemente, um sacerdote confessava à Fundação AIS que quando saía de casa de manhã nunca sabia se iria regressar ou não. O medo é constante. O padre Sawadogo confirma esta situação. “Sim, é verdade, porque a situação de insegurança é geral, particularmente nas dioceses da região norte e oeste. Com a excepção da Diocese de Ouagadougou e talvez de Bobo-Dioulasso, podemos dizer que muitas dioceses estão sob ataque, porque em muitas delas não se sabe quem é quem. Estes terroristas talvez vivam entre a população e não vêm de fora para atacar. O problema é que sentimos que esta insegurança está em todo o lado e até quando se sai de um lugar para ir para outro, até lá chegarmos, estamos realmente desconfortáveis porque tudo pode acontecer a qualquer momento”, diz o sacerdote, repetindo as suas próprias palavras, como que a enfatizar o drama que se está a viver: “tudo pode acontecer a qualquer momento”.
Há casos de padres sequestrados, há casos até, de sacerdotes que foram raptados e a quem se perdeu o rasto, como aconteceu com o pároco de Dabló, levado por homens armados em 2018. Tudo isto é uma ameaça constante sobre padres, irmãs, catequistas, leigos… “Esta insegurança é uma realidade, e até sairmos de um sítio e chegarmos ao nosso destino, em segurança, é difícil [poder] dizer que a viagem foi bem-sucedida”, diz ainda o padre Jacques Sawadogo.
ATAQUES AOS CRISTÃOS E MUÇULMANOS…
O padre Jacques vem a Portugal a convite da Fundação AIS para participar na Red Week, a Semana Vermelha, em que várias igrejas e monumentos vão ser iluminados de vermelho, a cor do sangue dos mártires, para se sinalizar junto da sociedade portuguesa a questão da violência contra os cristãos no mundo. Durante esta semana, de 18 a 24 de Novembro, a fundação pontifícia vai também apresentar em diversas dioceses, nomeadamente Lisboa, Santarém, Aveiro e Évora, o relatório “Perseguidos e Esquecidos?” em que se faz a avaliação da violência contra os cristãos no mundo, com uma análise detalhada sobre 18 países. Um desses países, onde a violência contra os cristãos tem sido mais evidente, é o Burquina Fasso.
Ainda recentemente, no início de Outubro, a Fundação AIS dava conta de um ataque particularmente grave de homens armados à aldeia de Manni, onde residia uma comunidade cristã significativa, e em que pelo menos 150 pessoas foram mortas, algumas queimadas vivas. No entanto, apesar de toda a violência, é difícil para o padre Jacques Sawadogo dizer que se está perante uma tentativa, por parte dos grupos jihadistas, de genocídio religioso contra os cristãos.
“É verdade que no Burquina Faso e nos países vizinhos, como o Mali e a Nigéria, há insegurança, há esta situação de terrorismo. Deveríamos dizer que é uma perseguição sistemática aos Cristãos? É difícil dizer, porque entre aqueles que estão a morrer, também há muitos muçulmanos, há muitos não cristãos, porque também há ataques a mesquitas. Quando os terroristas vão a uma aldeia e matam pessoas, nem todos são cristãos. Penso que é muito importante referir isto”, explica o sacerdote.
Apesar disto, é inegável, diz também o padre Jacques, que os cristãos enfrentam, enquanto comunidade religiosa, tempos desafiantes e de grande sofrimento. “Podemos dizer que tudo isto é particularmente difícil para os Cristãos, porque umas das razões dos atacantes, um dos seus objectivos é que as pessoas se convertam ao Islamismo radical.”
ELOQUENTES TESTEMUNHOS DE FÉ
Apesar de haver uma violência tão evidente, com dioceses sob ataque, com tantos milhões de deslocados, de pessoas que foram forçadas a abandonar as suas casas, a deixar para trás tudo o que possuíam, apesar disso, no Burquina Fasso os cristãos continuam a dar um eloquente testemunho de fé.
“Sim, apesar desta situação de perseguição e das dificuldades da Igreja no Burquina Faso, os Cristãos não deixam de ir à igreja. Continuam a fazê-lo, reunindo-se nas igrejas para rezar ou reunindo-se nas casas, onde também rezam. O que é que lhes dá essa força? Penso que é, em primeiro lugar e acima de tudo, a graça de Deus. E, em segundo lugar, sabemos que há muitas pessoas a rezar por nós. E é graças a esta vontade, a esta consciência de não estarem sozinhas no seu sofrimento, que continuam a ir à igreja, continuam a viver a sua fé”, afirma o padre Jacques à Fundação AIS.
O sacerdote enfatiza mesmo a importância da comunhão de fé dos cristãos em todo o mundo com o sofrimento dos que vivem a sua cruz no Burquina Fasso. “Estamos gratos a todos os que rezam por nós, porque precisamos, para que a Igreja não morra ali, para que a fé não morra ali”, diz o sacerdote, agradecendo a ajuda que está a ser dada, através da Fundação AIS, aos cristãos do seu país.
“FOGEM SEM LEVAR NADA CONSIGO…”
Além da oração, da comunhão espiritual, é preciso também ajuda material, especialmente porque muitos dos que foram forçados a fugir, a abandonar as suas casas estão agora de mãos completamente vazias e muitas vezes procuram abrigo junto da Igrejas, nas paróquias, junto das comunidades cristãs, que também estão ameaçadas e que são, normalmente, muito pobres.
“Muitas das pessoas que estão a fugir das suas aldeias, das suas cidades, precisam de apoio material, porque muitos simplesmente fogem sem levar nada consigo e muitos dos cristãos que fogem das suas aldeias e das suas cidades encontram refúgio nas casas da nossa paróquia, na nossa paróquia”, diz o padre. “Quando vamos a algumas das paróquias nas cidades, vemos que as pessoas estão lá refugiadas e as comunidades cristãs fazem tudo o que podem para as ajudar, mas também precisam de ajuda e do apoio de outras pessoas”, acrescenta.
Neste contexto tão duro, em que a fé dos cristãos é posta à prova todos os dias, pergunta-se: o que mais se pode fazer pela Igreja do Burquina Fasso? “Penso que já estão a fazer muitas coisas, já estão a fazer muito por nós, porque sabemos que estão a rezar por nós. E mesmo o único facto de pensarem em nós, o simples facto de me pedirem para vir falar sobre a situação no Burquina Faso, na verdade, é óptimo, e todos vos pedimos que continuem a rezar por nós, continuem a rezar por nós. Penso que a primeira coisa de que precisamos é de oração. Rezem por nós, rezem pelos que estão a perseguir a Igreja, rezem por estes terroristas, para que o bom Deus possa tocar os seus corações e conduzi-los à conversão”, sublinha, a terminar, o padre Jacques Sawadogo.
Paulo Aido | Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt