Hoje, 8 de Março, Da Internacional da Mulher, o Papa Francisco vai encontrar-se, no final da Audiência Geral, com duas jovens cristãs nigerianas vítimas do grupo terrorista Boko Haram. Esta é uma iniciativa do secretariado italiano da Fundação AIS e que se insere na campanha global “SOS Cristãos da Nigéria”, da Ajuda à Igreja que Sofre sobre a perseguição religiosa neste país africano.
Por ocasião do Dia Internacional da Mulher, que se assinala hoje, 8 de Março, a Fundação AIS de Itália convidou duas cristãs nigerianas, Maryamu Joseph, de 19 anos, e Janada Marcus, de 22, vítimas do temível grupo terrorista Boko Haram, para darem o seu testemunho sobre a perseguição religiosa na Nigéria e muito particularmente sobre a violência contra as mulheres. As duas jovens deverão encontrar-se hoje com o Papa Francisco, logo após a Audiência Geral, numa iniciativa do secretariado italiano da Ajuda à Igreja que Sofre e que se insere na campanha global “SOS Cristãos da Nigéria”, que está a ser promovida também em Portugal.
Além do encontro com o Santo Padre, Maryam e Janada têm encontros previstos com o presidente do município de Roma Lorenzo Fontana, com a primeira-ministra Giorgia Meloni, e com o ministro das Relações Exteriores Antonio Tajani. Previsto está também um encontro com o cardeal Pietro Parolin, Secretário de Estado do Vaticano, e por numerosos diplomatas acreditados junto à Santa Sé.
Ambas as jovens têm estado em tratamento no “Trauma Center de Maiduguri”, na capital do Estado de Borno, no nordeste da Nigéria, uma estrutura da Igreja, erguida com o apoio da Fundação AIS, para auxiliar pessoas que viveram experiências dramáticas, nomeadamente em consequência de ataques do grupo terrorista Boko Haram, muito activo no norte da Nigéria, região onde quer implantar um “califado”. Ao longo dos últimos 13 anos, este grupo jihadista já causou mais de 75 mil mortos.
“É difícil perdoar e esquecer” – a história de Janada Marcus
Janada Marcus é cristã, tem apenas vinte e dois anos, mas parece carregar todo o sofrimento do mundo. Ela está ainda a recuperar o trauma por que passou durante os dias em que esteve em cativeiro após ter sido raptada por terroristas do Boko Haram. Foram seis dias que, descreve Janada à Fundação AIS, “pareceram seis anos”. Janada foi capturada no dia 9 de Novembro de 2020, quando ia a caminho de uma repartição governamental. “Levaram-me para o mato e torturaram-me severamente, emocional, física e mentalmente durante seis dias. Sofri muitas experiências terríveis e perversas – sem explicação – que fizeram com que esses seis dias parecessem seis anos”, diz. “A 15 de Novembro de 2020, fui libertada. Voltei e passei alguns dias com a minha mãe; depois ela trouxe-me para o Centro de Traumatologia, operado pela Diocese de Maiduguri.”
É aí, no Centro, que Janada Marcus falou com a Fundação AIS e contou todo o martírio que tem sido a sua vida. Se os seis dias em cativeiro deixaram uma marca profunda na sua vida, houve outros episódios muito traumáticos que dificilmente alguma vez conseguirá superar na totalidade. Um deles, ocorreu em Outubro de 2018, quando um grupo de terroristas apareceu nos arredores da cidade de Maiduguri, num pedaço de campo que a família cultivava e quiseram obrigar o pai de Janada a ter relações sexuais com a própria filha. A sua recusa valeu-lhe a morte imediata. Foi decapitado à frente de todos. Nesse dia, os terroristas não fizeram mais nada, mas iriam voltar a assombrar a vida de Janada dois anos mais tarde.
Esta jovem cristã está agora no Centro de Traumatologia da Diocese de Maiduguri. Trata-se de uma estrutura que foi erguida com o apoio da Fundação AIS para o tratamento psicológico e reabilitação das vítimas do terrorismo na Nigéria. “Aprendi a largar o meu passado; aprendi a arte de curar, largando a minha dor. A minha fé fortaleceu-se”, diz, embora tenha admitido que chegou a estar afastada de Deus, nos momentos de maior tribulação. Conseguiu reaproximar-se de Deus e até já conseguiu perdoar aos terroristas que a violentaram há dois anos. “É difícil perdoar e esquecer, e com tudo aquilo por que passei às mãos de Boko Haram nem consigo acreditar que sou eu que digo isto, mas perdoei-os no meu coração, e rezo pela redenção das suas almas.”
Nove anos de terror – a história de Maryamu Joseph
Maryamu Joseph esteve também em cativeiro numa floresta no norte da Nigéria. Hoje tem 16 anos, mas era ainda uma criança quando foi levada da sua aldeia, Bazza, por terroristas do Boko Haram. Raptada em 2014, aos 7 anos, Maryamu passou todo este tempo num verdadeiro inferno no acampamento dos jihadistas na floresta de Sambisa, até que, fortuitamente, conseguiu fugir… Agora em liberdade, ao fim de nove anos de terror, aceitou contar a sua história. As suas palavras, embrulhadas tantas vezes em lágrimas, são um testemunho poderoso que nos ajuda a compreender melhor a ameaça brutal que paira sobre os cristãos na Nigéria, mas muito particularmente no norte do país. Maryamu foi raptada e violentada. Está agora a tentar recuperar das experiências dramáticas que foi forçada a testemunhar. Maryamu Joseph está também em tratamento no Centro Traumático da Diocese de Maiduguri. “O Boko Haram atacou a minha comunidade em Fevereiro de 2013. Depois de uma matança que provocou inúmeros mortos, levaram 22 de nós para uma floresta densa e caminhámos durante 22 dias antes de chegarmos ao destino. Colocaram os cristãos em jaulas, como animais”, recorda na sua língua materna, hausa. “A primeira coisa que eles fizeram foi converter-nos à força ao Islão. Mudaram o meu nome para Aisha, um nome muçulmano, e avisaram-nos para não rezarmos como cristãos, ou seríamos mortos. Quando fiz 10 anos, queriam casar-me com um dos chefes, mas recusei. Como castigo, trancaram-me numa jaula durante um ano inteiro. Traziam comida uma vez por dia e passavam-na por debaixo da porta, sem nunca abrirem a jaula.”
Todo o relato é assim, de uma crueza imensa, como quando a jovem cristã, hoje com 16 anos de idade, lembra o dia, em Novembro de 2019, em que os terroristas capturaram também dois dos seus irmãos e os levaram para o acampamento onde ela se encontrava, matando um deles à sua frente. Mas o pesadelo haveria de acabar. Foi há precisamente oito meses, no dia 8 de Julho, quando, aproveitando um momento de distração, conseguiu fugir com mais uma dúzia de companheiros de infortúnio. Conseguiram chegar a Maiduguri e foram levados para um acampamento da Igreja. Agora, é preciso recomeçar, tentando o impossível, tentando regressar aos tempos felizes em que tinha apenas 7 anos e olhava o mundo com inocência. A experiência no Centro de Traumatologia está a ser muito importante para este processo. “A primeira coisa que fizeram foi rezar por mim e encorajar-me a voltar à minha fé. Estou feliz por regressar ao Cristianismo. Desde que regressei a Maiduguri, a dor diminuiu. Espero que, com o tempo, Deus me ajude a superar a amargura e a abraçar a paz.”
Não esquecer Leah Sharibu
A história de Maryamu faz recordar a de Leah Sharibu, uma jovem cristã em cativeiro do Boko Haram há cinco anos. Leah foi raptada, em Fevereiro de 2018, juntamente com cerca de uma centena de colegas da sua escola em Dapchi. A sua história é também extraordinária e emblemática. Poucos dias após o ataque, todas as outras raparigas foram libertadas menos ela. Leah Sharibu, então com 15 anos de idade, recusou renunciar ao cristianismo, como os terroristas exigiam. Teve a coragem de continuar em cativeiro para permanecer fiel à sua religião. Apesar de todos os apelos, nomeadamente dos seus pais e de instituições como a Fundação AIS, esta jovem cristã continua refém do Boko Haram.
SOS Cristãos da Nigéria
A Fundação AIS está a promover durante esta Quaresma uma grande campanha de apoio à Igreja na Nigéria, onde os Cristãos são alvo de ataques e perseguição, como aconteceu com Leah Sharibu, Maryamu Joseph e Janada Marcus. Sensibilizar a opinião pública para esta realidade, que é quase desconhecida, e ajudar a comunidade cristã é o grande objectivo desta iniciativa. “A campanha ‘SOS Cristãos na Nigéria– explica Catarina Martins de Bettencourt, directora do secretariado português da Fundação AIS – procura ser uma chamada de atenção para a existência desta uma comunidade cristã que sofre, que é perseguida.” “É uma Igreja de mártires que resiste e que conta connosco. Não os podemos abandonar. Os Cristãos da Nigéria precisam muito de nós, das nossas orações, da nossa solidariedade. Nesta Quaresma, lembremo-nos deles, rezemos por eles, ajudemo-los”, pede a directora da Fundação AIS.
Maryamu Joseph esteve em cativeiro numa floresta no norte da #Nigéria. Raptada aos 7 anos por terroristas do #BokoHaram, viveu num verdadeiro inferno no acampamento dos jihadistas. Agora em liberdade, ao fim de nove anos, aceitou contar a sua história 👉 https://t.co/pnnqQFMsa5 pic.twitter.com/wXsco20T4u
— Fundação AIS | ACN Portugal (@FundacaoAIS) March 8, 2023