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UCRÂNIA: “Sobrevivemos a mais uma noite. Estamos vivos…”, diz, em testemunho emotivo à Fundação AIS, o Bispo de Kharkiv
“Senhor Jesus, que morrestes nos braços da mãe num bunker em Kharkiv, tende piedade de nós.” Estas palavras do Papa Francisco na semana passada, dia 16 de Março, terão certamente comovido os habitantes da cidade de Kharkiv, uma das mais fustigadas pelos bombardeamentos russos.
Uma das pessoas que conhece melhor o drama destas populações forçadas a viver escondidas das bombas em caves profundas, nas estações subterrâneas ou em improvisados ‘bunkers’, é D. Pavlo Honcharuk. O Bispo da Diocese Romano-Católica de Kharkiv-Zaporizhzhia sabe bem, quase desde a primeira hora, o que significa a guerra. Logo na primeira semana após a invasão, ainda em Fevereiro, um míssil atingiu a sua casa. Por sorte, não matou ninguém.
Mas são inúmeras já as histórias de pessoas que morreram, de casas derrubadas pela artilharia, de bairros inteiros transformados em ruínas. “Sobrevivemos a mais uma noite. Estamos vivos e de boa saúde.” As palavras do Bispo, ao telefone, a Magda Kaczmarek, a responsável de projectos da Fundação AIS para a Ucrânia, mostram a incerteza de quem vive debaixo de fogo, sob constantes ataques.
“TIROS CONSTANTES… ESTÁ TUDO A TREMER…”
Cada dia pode ser o último e a vida é celebrada apesar da desolação que se vê em volta. “Há tiros constantes, mas isso agora é normal. Está tudo a tremer, e está muito barulhento. As janelas estremecem como se a vidraça estivesse prestes a cair. Habituámo-nos a que fosse tão barulhento. Até parece suspeito quando é pacífico… É quando não sabemos o que está por vir”, diz o Bispo, acrescentando: “É como se os pais estivessem na sala de estar e já não pudessem ouvir os filhos no quarto: ficam preocupados. Estamos a viver uma realidade muito nova e triste…”
As sirenes tocam com frequência. São avisos de novos ataques, são avisos de que as bombas podem estar a cair. As pessoas refugiam-se em abrigos. O Bispo estende até esses abrigos a sua presença. “É muito perigoso. Visitamos regularmente as pessoas na estação subterrâneas, onde vivem e dormem nas plataformas e nas carruagens. Rezamos lá juntos com outros, Católicos e Ortodoxos juntos…”
A presença do Bispo, dos padres e das irmãs é um sinal desta Igreja que se transformou num autêntico hospital de campanha. À cidade de Kharkiv tem chegado ajuda humanitária. Tudo o que vem é bem-vindo numa região onde já fala quase tudo. Pequenas carrinhas ou simples automóveis fazem-se à estrada com essas bagagens preciosas. Levam medicamentos, alimentos, mas também fraldas, tudo o que já não existe nas prateleiras de lojas, de supermercados ou farmácias que também já não existem.
Explica o Bispo que até esse simples gesto de levar ajuda humanitária é arriscado. “Tudo vem em pequenos autocarros ou carros, que são bastante discretos e conseguem passar melhor. Os grandes camiões não conseguem passar pelas ruas e os camionistas têm medo de vir para o leste da Ucrânia.”
“VEJO TRAUMA NAS PESSOAS, NOS SEUS OLHOS”
Com a cidade bombardeada, transformada quase num destroço, os hospitais passaram a ser lugares preciosos. É aí também que o Bispo passa agora o seu tempo. “Essa é agora a nossa missão”, diz. É a solidariedade a funcionar em todas as suas valências. “Visitamos os doentes regularmente. Ontem conseguimos entregar absorventes sanitários ao hospital psiquiátrico, onde as pessoas tiveram de passar sem artigos de higiene durante vários dias. O director agradeceu-nos com lágrimas nos olhos. Essa é agora a nossa missão. Um problema partilhado é um problema reduzido a metade. Organizamos ajuda onde podemos. Muitos mantimentos de socorro estão a chegar ao oeste da Ucrânia, atravessando a fronteira polaca e vindo de toda a Europa. É uma bela demonstração de solidariedade.”
A guerra está também a dividir as famílias. Os homens, com mais de 18 anos e menos de 60 estão necessariamente incorporados nas forças armadas. D. Pavlo Honcharuk já assistiu a muitas despedidas. Já se comoveu muitas vezes. “Visitei a estação onde estamos a passar cenas muito comoventes que me tocaram profundamente. Como nenhum homem entre os 18 e os 60 anos pode deixar o país, os pais despedem-se das suas esposas e filhos, sem saber quando ou se voltarão a ver-se. Antes da guerra, muitos pais trabalhavam no Ocidente e deixavam os filhos com os avós. Ontem, mais outra mãe veio da Polónia e foi buscar os seus dois filhos. Ela veio num autocarro com bens de ajuda. Os avós não queriam ir com ela. A despedida foi dolorosa.”
Não é fácil lidar-se com a avalanche tão grande de sentimentos. Não é fácil lidar com tantas pessoas aflitas, com tantas pessoas perdidas no meio de uma guerra que não imaginavam ser possível. “Vejo muito trauma nas pessoas, nos seus olhos, nos seus rostos”, diz o Bispo de Kharkiv. “As crianças, sobretudo, sofrerão as consequências mais tarde. Haverá certamente doenças psiquiátricas depois da guerra. Vamos ter uma tarefa difícil…”
Uma tarefa difícil que exige de todos o máximo empenho, o máximo de solidariedade, o máximo amor. “Neste momento é importante rezar e sobreviver de modo a ajudar as pessoas que estão sozinhas e não têm mais ninguém para as ajudar. Há tanta necessidade – não só de coisas materiais, mas também de bondade, de calor humano, de uma palavra amável, de um abraço, um telefonema…”, explica o Bispo, para acrescentar logo de seguida: “É assim que testemunhamos a presença de Deus, o facto de Ele estar connosco. É uma maneira de transmitir o Evangelho. É a nossa pastoral de hoje. Há tantos testemunhos de amor. Estão a acontecer muitas coisas bonitas por aqui.”
PA | Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt