UCRÂNIA: “É impressionante falar de amor ao inimigo”, diz Padre Perozzi sobre a sua missão em tempo de guerra

UCRÂNIA: “É impressionante falar de amor ao inimigo”, diz Padre Perozzi sobre a sua missão em tempo de guerra

O Padre Lucas Perozzi está na Ucrânia desde 2004 e tem assistido, em Kiev, ao evoluir da guerra. Em entrevista com a Fundação AIS, este sacerdote brasileiro diz que muita coisa mudou ao longo dos últimos 12 meses. A começar na depressão das pessoas, no aumento dos casos de suicídio e no stress que é viver num país que teve de pegar em armas para não se render. O Padre Perozzi fala de tudo isso, fala da ajuda da Fundação AIS e diz que o mais difícil é mesmo ter de explicar o amor aos inimigos…

A guerra começou há 12 meses e o Padre Lucas Perozzi, um brasileiro de 37 anos que pertence ao Caminho Neocatecumenal, praticamente nunca abandonou o seu posto. Vigário da Igreja da Dormição da Virgem Maria, em Kiev, sobressaltou-se, como todas as pessoas, quando as sirenas tocaram nas primeiras vezes a anunciar a iminência de ataques aéreos, mas agora, diz, já está acostumado a isso. A tal ponto que já nem liga muito. Nem ele, nem os outros. “As pessoas habituam-se. Acostumam-se a ouvir as sirenes, acostumam-se a essa forma de vida, acostumam-se a tudo…”
No entanto, isso não significa que não haja um alarme interior, um medo escondido. “Queira-se ou não, isso fica debaixo do subconsciente da pessoa”, explica numa conversa com a Fundação AIS via internet entre Kiev e Lisboa. Há um ano, tinha a guerra apenas começado, o Padre Lucas contava que era difícil viver numa cidade a ser bombardeada. Agora, fala de uma cidade que já se habituou ao ruído das sirenes e que ganhou novas rotinas. Como a de sobreviver sem electricidade às vezes durante muitas horas por dia. “Os bombardeamentos são uma coisa do quotidiano. O problema que nós temos agora é outro. Há muitos cortes de luz, e as pessoas ficam muito tempo sem energia e então vêm aqui à Igreja porque nós conseguimos ter electricidade graças à ajuda de diferentes organizações, como a Fundação AIS, por exemplo…” Os geradores e as placas solares oferecidos à paróquia fazem toda a diferença. Sem electricidade não há internet, não há telefones, não é possível fazer nada. “As pessoas vêm para aqui e trabalham aqui. Temos duas ou três salas que abrimos e elas conectam os computadores, as coisas deles e trabalham aqui na paróquia. Muita gente também vem pedir para fazer um chá…. Temos até uma máquina de café.” Mas não é só de chás e cafés que se faz o apoio da paróquia à comunidade. O gerador da Fundação AIS permite a “algumas mães aquecer a comida para os filhos”, por exemplo, tendo-se criado já uma rotina de entreajuda que permite fazer esquecer as dificuldades causadas pela guerra.

Fiéis de regresso à paróquia
Mas há coisas que não se esquecem. A brutalidade dos combates, as imagens de destruição, as mortes, a violência. É difícil, mesmo que se queira, não se ficar contagiado pelo ambiente da guerra. E isso está presente em todo o lado, em todas as pessoas e entra dentro das paredes da paróquia também. O Padre Lucas conta-nos o que vê, conta-nos o que escuta nas conversas. “Muita gente vem aqui também falar dos seus problemas, pelo que estão passando. As pessoas estão muito nervosas. Nota-se isso simplesmente a conduzir, na cidade. A agressividade das pessoas…. E nota-se também no aumento muito grande de casos de depressão. E está a aumentar cada vez mais o número de suicídios. E tudo isso é por causa da guerra. Tudo isso é por causa do ‘stress’ que as pessoas estão a viver por causa da guerra”, diz o sacerdote.
Quando começou a invasão, a 24 de Fevereiro de 2022, houve medo e foram muitos os que fugiram, os que partiram para regiões menos expostas aos ataques, aos bombardeamentos. Isso viu-se também no número de fiéis na paróquia. “Quase toda a gente foi embora”, reconhece o Padre Perozzi. “Ficaram poucas pessoas.” Ficaram apenas umas dezenas. No princípio, porque era preciso encontrar abrigos, houve quem tenha procurado a paróquia para se proteger. Durante várias semanas, algumas dezenas de pessoas passaram a dormir nas caves do edifício. Mas, com o passar do tempo, o número de fiéis voltou a crescer. “Na altura, se tinha 50 pessoas era muito! Agora, a Igreja, tem bastante gente de novo. E tem bastante gente de fora, refugiados, sobretudo.”

Amar, mesmo, os inimigos
A guerra está omnipresente mesmo quando não se fala disso, mesmo quando não se quer até saber das notícias. A guerra está presente em todo o lado, mudou a vida de todas as pessoas. É como uma sombra. Para o Padre Lucas Perozzi, a guerra tornou-se também num desafio. Como falar do amor radical do cristianismo, um amor que não exclui os inimigos, a um povo que está a ser massacrado? O Padre Lucas tem uma amiga de Mariupol, a cidade que foi reduzida a escombros. A amiga conseguiu fugir e está agora a viver na Polónia. Às vezes falam-se. “Ela quer sempre conversar comigo, porque sente que eu sou ucraniano. E converso sobre a Ucrânia com ela e ela chora sempre. E ela diz muitas vezes: ‘Meu Deus, acabou a vida de antes. Eu já não tenho mais cidade, não tenho mais nada. Não tenho mais família, não tenho mais ninguém.” Sobrou-lhe, ainda assim, a mãe que fugiu com ela. Estão agora as duas sozinhas no mundo. Esta amiga do Padre Lucas está na Polónia, mas a própria capital ucraniana está a encher-se de novo de pessoas que fogem. “Kiev está cheia de novo, e a maioria dos deslocados são pessoas que vieram do Leste”, diz o sacerdote brasileiro.
Novos fiéis, mas a mesma dificuldade para o Padre Lucas. Como falar do amor aos inimigos num país em guerra? Muitos dos seus paroquianos perderam as casas, viram os seus bairros transformar-se em ruínas, em escombros, viram morrer familiares e amigos. “Eu não preciso de explicar, porque eles têm muito claro quem é o inimigo. Nós todos temos muito claro quem é o inimigo…” Mas, mesmo assim, o Padre Lucas nunca deixou de pregar o amor mais radical e foi sempre escutado e todos sempre acolheram as suas palavras “sem revolta”. Isso, diz, consola-o. Claro que a guerra levanta muitas questões. Não apenas a do amor aos inimigos. A necessidade de armamento é uma dessas questões. “No começo, recorda o sacerdote, nós não tínhamos armamento nenhum. Todo o míssil que era mandado caía. E aqui nós éramos bombardeados duas a três vezes por dia. Agora, que começou a chegar armamento, é bem melhor. A Ucrânia tem de se defender, não podemos deixar território para eles, mas não é só uma questão de território. É uma questão de pessoas também. A questão do armamento é muito complicada porque, se por um lado nos defendemos, por outro lado, matamos. É uma questão moral não muito fácil de se lidar. É bastante complicado…”

Obrigado, Fundação AIS…
O Padre Lucas Perozzi diz que está disponível para onde a Igreja o mandar, mas é na Ucrânia que se sente agora em casa. “Esta é a igreja para onde eu fui enviado, estes são os meus paroquianos, as minhas pessoas, a minha família…” Uma família grande que inclui também a Fundação AIS. A paróquia da Dormição da Santíssima Virgem Maria de Kiev é um exemplo da solidariedade dos benfeitores da Ajuda à Igreja que Sofre para com a Ucrânia. Os geradores e as placas solares que garantem a electricidade, a internet, e a cozinha comunitária a funcionar, ou o carro que ajuda na distribuição da ajuda humanitária, são apenas um exemplo do apoio com a marca da AIS que tem chegado a esta comunidade cristã na capital ucraniana. E o Padre Lucas sabe que esta ajuda tem sido importante nestes longos meses de guerra. Uma ajuda só possível, porem, graças à generosidade dos benfeitores da Fundação AIS em todo o mundo. “Que Deus lhes pague, que Deus lhes dê o cêntuplo”, diz.

PA | Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt

Relatório da Liberdade Religiosa

O maior desafio à liberdade religiosa na Ucrânia é a situação nos territórios ocupados. Na área controlada pelas autoridades de Kiev, os casos de discriminação religiosa são, até à data, sobretudo incidentes perpetrados contra indivíduos, e não violações sistémicas da liberdade religiosa.
Tragicamente, a guerra parece ter-se enraizado cada vez mais. As violações dos direitos humanos, incluindo as violações da liberdade religiosa, não diminuirão. As perspectivas continuam a ser negativas.

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“Convido-vos a todos, juntamente com a Fundação AIS, a fazer, por todo o mundo, uma obra de misericórdia.” 
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