Vasylij Tuchapets, bispo grego católico de Kharkiv, esteve de passagem pela Alemanha, pela sede internacional da Fundação AIS e deixou um alerta: a guerra vai entrar agora numa fase muito difícil durante os duros meses de Inverno e toda a ajuda é necessária. A região que corresponde à diocese já esteve ocupada pelas tropas russas, já foi libertada pelo exército ucraniano, mas continua a sofrer com os constantes bombardeamentos…
As primeiras memórias são sempre muito impactantes. Muitas vezes, são as que nos perseguem mais ao longo da vida. Também é assim com o bispo Vasylij. Logo no primeiro dia da invasão das tropas russas, a 26 de fevereiro, ele acordou com o estrondo das explosões das primeiras bombas que caíram sobre a cidade de Kharkiv. Acordou no meio de um pesadelo que ainda não terminou e que, agora, com o aproximar do Inverno, pode vir a revelar-se ainda muito doloroso. Nesse primeiro dia, nessa primeira madrugada da guerra, D. Vasylij Tuchapets decidiu que precisava de ir para a catedral para aí organizar os primeiros socorros, para aí acudir às primeiras pessoas que pedissem ajuda. Pelo caminho viu o pânico estampado nos rostos dos que procuravam fugir levando malas feitas à pressa, rumo à estação de comboios. Havia longas filas de carros também. A cidade parecia que estava a esvaziar-se. Todos queriam sair dali. Mas muitos ficaram, por serem muito pobres, por estarem doentes, por serem idosos, por não quererem abandonar as suas casas, as suas coisas, os seus animais. Muitos ficaram e o Bispo decidiu também que todos os padres iriam ficar nas suas paróquias, como soldados da paz que não abandonam os seus postos.
O general Inverno
Em conversa com Jurij Blazejewski, da Fundação AIS Internacional, D. Vasylij diz que esta foi uma decisão certa, que foi a única decisão que poderia ter sido tomada. E desde então tem recebido sinais de apreço por parte das pessoas, dos fiéis, dos habitantes de Kharkiv que nunca deixaram de se sentir confortados sabendo da presença nas igrejas, nas paróquias, dos padres, das irmãs, dos responsáveis pelo trabalho assistencial. Uma noite após uma missa, quando deixava a catedral, o Bispo foi abordado por um grupo de jovens, que nunca tinha visto por ali. O que escutou dificilmente esquecerá. “Obrigado por ter ficado connosco”, disseram os jovens. Foi mais do que um agradecimento. Foi o reconhecimento pela coragem, pela disponibilidade no serviço aos outros, pela ousadia de quem, ao ficar numa cidade em guerra, está também a fintar o medo, a esconjurar todos os medos. “Se um padre foge, todos perdem”, diz o Bispo, em jeito de explicação. E agora, todos os padres vão ser mais precisos do que nunca. Com a chegada do Inverno e com a guerra a ganhar nova intensidade, vai ser preciso redobrar a ajuda às populações. Muitas casas ficaram danificadas ou mesmo destruídas com os bombardeamentos e agora é preciso assegurar que as pessoas conseguem estar minimamente aquecidas. Não é fácil. As prioridades são muitas. São necessárias roupas quentes, medicamentos, comida… O Inverno rigoroso da Ucrânia pode transformar-se num verdadeiro inferno… “Precisamos de ajuda para as pessoas e estas necessidades vão continuar por muito tempo”, alerta o Bispo.
Férias com Deus
A Diocese de Kharkiv só foi criada em 2014, está espalhada por 84.000 quilómetros quadrados – quase o tamanho de Portugal –, e inclui as regiões de Kharkiv, Poltava e Sumy, com uma população de mais de cinco milhões de habitantes. Durante os tempos soviéticos, esta região foi muito secularizada. Era preciso começar, era preciso chamar as pessoas. “Começámos o nosso trabalho com os nossos fiéis da Igreja Católica Grega, composta na sua maioria por antigos estudantes universitários que permaneceram em Kharkiv, e por antigos deportados da Sibéria”, lembra o bispo. “Agora, porém, a maioria dos paroquianos são locais que encontraram a sua fé através do contacto com as nossas paróquias.” Muitos habitantes abandonaram a região, mas novas pessoas foram também chegando. E muitos têm vindo bater à porta da Igreja e não só para a ajuda humanitária, comida, medicamentos, roupa… mas também por sentirem um regresso à fé, à importância da oração, ao consolo da presença de Deus. “A maioria das pessoas que vêm rezar agora são aquelas que começaram a vir durante a guerra. Por vezes, após anos de vida em comum, pedem para celebrar o casamento ou o baptismo para os seus filhos”, diz ainda o prelado à Fundação AIS. E a Igreja dá uma atenção particular aos mais novos, às crianças e jovens que estão a viver um tempo particularmente difícil por causa da guerra. Depois de terem passado largas semanas escondidas, em ‘bunkers’ por vezes improvisados, procurou-se regressar a alguma normalidade. E as irmãs e os catequistas começaram a organizar encontros, concursos, jogos, de forma que os mais novos se sintam atraídos a uma vivência em conjunto. Uma das iniciativas que teve maior sucesso e que tem o apoio da Fundação AIS, foi a dos campos de férias. Nessas “Férias com Deus”, procurou-se devolver a alegria a quem foi forçado a testemunhar os horrores dos bombardeamentos, a destruição de casas, a morte de familiares e amigos.