O padre alemão Hans-Joachim Lohre foi missionário no Mali durante aproximadamente três décadas. A 20 de Novembro de 2022, foi raptado em Bamako, a capital, por terroristas, quando ia celebrar missa. Ficou em cativeiro 371 dias. Recentemente, esteve na Suíça, a convite da Fundação AIS, num evento da Red Week, a Semana Vermelha de alerta precisamente para a problemática da perseguição aos cristãos no mundo…
“Um carro aproximou-se, colocou-se atrás do meu, e três homens em uniforme militar saltaram de dentro. Um deles veio ao meu encontro e disse: ‘Padre, está preso’. Eu disse que não podia naquele momento, que tinha primeiro de ir celebrar a missa em Kalabanura. Responderam: ‘Fique calado, poderá explicar-se depois na base’. E, nesse instante, empurraram-me para o banco de trás do carro, colocaram-me um capuz na cabeça e disseram de novo: ‘Fique quieto’. Depois seguiram para aquilo que era, de facto, a sede da chefia militar — embora, na realidade, não fossem militares do Estado, mas sim uma liderança islamista. Foi então que percebi que, provavelmente, [o rapto] estava mesmo a acontecer.”
Foi assim que o Padre Hans-Joachim Lohre recordou, durante a Red Week que a Fundação AIS organizou no mês passado na Suíça, o que lhe aconteceu no dia 20 de Novembro de 2022. Raptado por terroristas ligados à Al-Qaeda, o sacerdote iria ficar 371 dias em cativeiro.
Conhecido com “Ha-Jo”, e membro da Sociedade dos Missionários de África, o Padre Lohre foi missionário em África durante cerca de três décadas, tendo apostado muito nas questões do diálogo inter-religioso. Nascido na Alemanha em 1957, é considerado um profundo especialista nas questões do Islão. Antes de seu sequestro, dirigia um centro ecuménico em Bamako e era responsável pelo diálogo inter-religioso na Conferência Episcopal do Mali.
Durante o seu cativeiro, como recorda agora o secretariado suíço da Fundação AIS, “conseguiu conversar com os jihadistas, na sua maioria jovens, em diversas ocasiões”. Dois anos depois de ter sido libertado, o sacerdote alemão diz que não guarda qualquer sentimento de rancor para com os seus sequestradores. “Nunca senti ódio ou ressentimento contra eles”, diz. Hoje, o Padre Lohre vive e trabalha no sul da França.
“Passei um ano no deserto…”
Durante a Red Week, organizada pela Fundação AIS de 15 a 23 de Novembro deste ano, o Padre Lohre esteve na Suíça tendo falado sobre a difícil situação dos cristãos, atormentados pelo extremismo islâmico no Mali e em diversos outros países de África. Numa breve entrevista a um canal de televisão do Lichtenstein, o missionário alemão recordou que trabalhou no Mali como capelão e na formação do clero mais jovem, tendo-se envolvido no diálogo inter-religioso.
“Foi neste contexto que, a 20 de Novembro de 2022, fui raptado pelo grupo Jnim, a organização de apoio ao Islão e aos muçulmanos, e passei um ano no deserto com os jihadistas da Al-Qaeda”, disse. “Durante o tempo no deserto, foram especialmente os diálogos com os vários grupos islâmicos que marcaram a experiência”, recordou. “Grupos que considero desviados, mas que estão convencidos de que cumprem a vontade de Deus, para construir uma sociedade no Mali baseada nos mandamentos divinos”, acrescentou.
Padre Lohre, parceiro da Fundação AIS
O trabalho nas questões do diálogo inter-religioso, que o Padre Joachim Lohre realizava no Mali era apoiado pela Fundação AIS. A notícia da sua libertação, a 26 de Novembro de 2023, foi recebida com natural alegria pela presidente executiva internacional da Ajuda à Igreja que Sofre.
“Estamos muito aliviados e felizes por saber que o Padre Ha-Jo foi libertado depois de uma experiência que deve ter sido muito dura. Ao longo dos anos, trabalhámos juntos e a Fundação AIS viu em primeira mão como ele sempre teve em mente o bem-estar do povo do Mali, independentemente da sua religião. De facto, ele estava profundamente empenhado no diálogo inter-religioso no país de maioria muçulmana, que considerava fundamental para a paz e o desenvolvimento”, afirmou Regina Lynch.
Na ocasião, a responsável da Fundação AIS alertava, contudo, para o facto de muitas pessoas continuarem em cativeiro e de haver muitas comunidades cristãs vítimas de perseguição religiosa, especialmente em África.
Continuamos a acompanhar, com grande angústia, a situação dos cristãos, em particular na região do Sahel, onde todos os dias os cristãos são expulsos das suas aldeias, morrem à fome sob a pressão de grupos terroristas ou são simplesmente massacrados porque querem usar uma cruz ao pescoço ou rezar”
Regina Lynch
Cancelada peregrinação a santuário mariano
Passaram, entretanto, dois anos e os receios da presidente executiva internacional da AIS confirmam-se. Sinal de que a ameaça jihadista não diminuiu no Mali, pelo contrário, ainda recentemente os bispos deste país africano decidiram cancelar, por questões de segurança, a peregrinação anual ao santuário mariano de Kita, que deveria ter ocorrido nos dias 15 e 16 de Novembro. Em causa, o bloqueio de combustíveis imposto à capital, Bamako, pelos grupos jihadistas que estão cada vez mais activos.
Toda esta instabilidade vem analisada em detalhe no mais recente Relatório da Fundação AIS sobre a Liberdade Religiosa no Mundo, e que foi publicado a 21 de Outubro em Lisboa e nas principais capitais europeias. A situação no Mali deve ser vista no contexto da escalada da violência jihadista na região do Sahel, em África, região que, só por si, é responsável por mais de metade de todas as mortes relacionadas com o terrorismo em 2024.
Além do Mali, os países mais impactados pelo terrorismo nesta região são o Burquina Fasso, Níger, Nigéria e Camarões. O Mali, pode ler-se no Relatório da AIS, “sofreu um declínio constante na segurança e nos direitos fundamentais, tornando-se um dos países mais afectados pelo terrorismo no mundo”. Uma situação de crise que começou em 2012, quando a infiltração de grupos extremistas no norte do Mali reacendeu a rebelião tuaregue. A situação foi-se agravando com o passar do tempo. A retirada das forças de manutenção da paz da ONU, em 2023, veio agravar ainda mais esta crise a que não é alheio também “o envio de mercenários russos do Grupo Wagner”, sinaliza a AIS.
“A violência jihadista intensificou-se, entretanto, por todo o país, com civis – incluindo cristãos – a enfrentarem raptos, abusos e a imposição de regras religiosas. Em 2024, a junta militar suspendeu a actividade política e reprimiu a dissidência. A situação continua crítica, com receios de conflito civil e contínuas violações dos direitos humanos”, elucida ainda o Relatório da Fundação AIS sobre a Liberdade Religiosa no Mundo.
Paulo Aido | Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt






