SÍRIA: “O futuro está nas mãos de Deus”, diz religiosa portuguesa após a queda do regime de Bashar al-Assad

Horas depois da fuga do país de Bashar al-Assad e de Damasco ter sido tomada pelos rebeldes, a irmã Maria Lúcia Ferreira – religiosa portuguesa que vive num mosteiro na vila de Qara – diz que a queda do regime fez-lhe lembrar um pouco “o 25 de Abril”, mas, ao contrário do que aconteceu em Portugal em 1974, foram “rebeldes em vez do exército” a protagonizar a mudança. Também o Núncio Apostólico fala no alívio de a queda do governo ter ocorrido “sem a carnificina que se temia” e a Fundação AIS, através da sua presidente executiva internacional, reafirma o compromisso no apoio à comunidade cristã, apelando a que o processo de transição permita “justiça, paz e  dignidade para todos”

“Está tudo bem.” Com uma simples frase, na madrugada de hoje, dia 9 de Dezembro, a irmã Maria Lúcia Ferreira resumiu o ambiente que se está a viver na vila de Qara, onde se situa o Mosteiro de São Tiago Mutilado, onde vive, e também a situação um pouco por toda a Síria. Na mensagem breve enviada para a Fundação AIS em Lisboa, a religiosa, que é mais conhecida simplesmente como irmã Myri, dizia que a queda do regime de Bashar al-Assad, com a conquista da capital sem derramamento de sangue, lhe fez lembrar o que aconteceu em Portugal há meio século com a Revolução dos Cravos. “Aconteceu um bocadinho como no 25 de Abril, mas eram rebeldes em vez do exército”, escreveu.

Sobre os cristãos, e como estão a viver estes dias inesperados de mudança de regime, a religiosa portuguesa reconhece que houve algum receio, mas que, por agora, as coisas estão calmas. “Os cristãos tiveram muito medo, mas agora estão a voltar a suas casas”, diz, afirmando que os rebeldes, os grupos armados que tomaram o poder, “por enquanto têm indicações claras e mostram respeitar todos”.

A irmã Myri lembra ainda que este movimento armado que levou à queda do regime teve início na província de Idleb, onde estão presentes “várias facções”, e que “a moderada foi ajudada a tomar o poder”.

O grande perigo é o caos até haver um novo governo”, escreve ainda a irmã, cuja mensagem termina dizendo simplesmente que “o futuro está nas mãos de Deus.

“TODOS SERÃO RESPEITADOS”

Também o Núncio Apostólico em Damasco, reconhece como positivo o facto de a queda do regime ter acontecido “sem derramamento de sangue, sem a carnificina que se temia”.

Em entrevista ao Vatican News, o Cardeal Mario Zenari, tal como a irmã Myri, refere o compromisso, pelos grupos armados que tomaram o poder, de respeitar os diversos grupos étnicos e religiosos que compõem a Síria. “Aqueles que assumiram o poder prometeram que todos serão respeitados, que uma nova Síria será criada, e esperamos que eles cumpram suas promessas, mas é claro que o caminho ainda é todo árduo”, diz o cardeal.

Na entrevista ao portal de notícias do Vaticano, o Núncio Apostólico adianta que já houve encontros entre os líderes revoltosos e os Bispos de Alepo – a primeira cidade que foi resgatada, no final de Novembro, ao poder de Bashar al-Assad – e em que foi assegurado o respeito por todas as denominações cristãs. “Esses rebeldes se reuniram com os bispos em Aleppo imediatamente, nos primeiros dias, assegurando-lhes que respeitarão as várias denominações religiosas e os cristãos. Esperamos que eles mantenham essa promessa e que avancemos em direção à reconciliação e que, além da reconciliação, a Síria também encontre alguma prosperidade, porque as pessoas não aguentam mais.”

ACABAR COM AS SANÇÕES

O Núncio Apostólico em Damasco – ele é o embaixador do Vaticano na Síria – diz ainda acreditar que é possível, com a ajuda da comunidade internacional e com a boa vontade de todos os sírios”, que o país avance agora para “um caminho de reconciliação e reconstrução e um mínimo de prosperidade para toda a população”. Uma esperança que passa também pelo fim das sanções impostas ao regime de Bashar al-Assad e que contribuíram para a pobreza generalizada em que se encontra a Síria, como a Fundação AIS tem referido sistematicamente.

“A esperança é que a comunidade internacional também responda, talvez levantando as sanções, porque elas são um fardo que pesa muito sobre as pessoas pobres em particular. Espero que, pouco a pouco, as sanções sejam eliminadas”, disse ainda o cardal Mario Zenardi, lembrando que é necessário que os novos responsáveis pelo poder cumpram a promessa “de respeitar e criar uma nova Síria em bases democráticas”.

FUNDAÇÃO AIS E O APOIO AOS CRISTÃOS

A evolução repentina da situação na Síria está a ser acompanhada com muita atenção pela Fundação AIS que reafirma o seu compromisso ininterrupto para com as comunidades cristãs vulneráveis neste país do Médio Oriente, e que têm suportado tantos anos de guerra, pobreza e incerteza.

Regina Lynch, a presidente executiva internacional da fundação pontifícia, emitiu nas últimas horas um comunicado em que se pede à comunidade internacional e às novas autoridades do país para assegurarem os direitos fundamentais de todas as comunidades religiosas. “A queda do regime de Assad e a tomada de Damasco pelos rebeldes marcam um momento histórico. Embora as minorias religiosas tenham sido amplamente respeitadas durante esta transição, a nossa experiência passada recorda-nos como as liberdades religiosas podem ser severamente restringidas em tempos de instabilidade na região”, disse Regina Lynch, pedindo aos novos responsáveis do país que garantam a liberdade de culto de todas as comunidades.

Apelamos à comunidade internacional e às novas autoridades da Síria para que assegurem a protecção dos direitos fundamentais de todas as comunidades religiosas, garantindo a sua liberdade de culto, a sua educação e o seu direito a viver em paz.

JUSTIÇA, PAZ E DIGNIDADE PARA TODOS

A responsável internacional da Ajuda à Igreja que Sofre assegura e congratula-se com o facto de os numerosos parceiros de projectos e os colaboradores da Fundação AIS “estarem em segurança e não terem sofrido nenhum mal”, garantindo que a instituição está “em contacto permanente com eles”.

No comunicado, Regina Lynch reafirma ainda o compromisso da AIS na reconstrução da Síria e na continuação no apoio em ajuda essencial, na educação e apoio espiritual para a comunidade cristã. “Como fundação católica, continuamos empenhados em apoiar os esforços de ajuda e reconstrução na Síria. Os nossos projectos continuarão a centrar-se na prestação de ajuda essencial, educação e apoio espiritual à minoria cristã mais vulnerável, promovendo simultaneamente a reconciliação e a esperança. Exortamos todas as pessoas de boa vontade a juntarem-se em oração pelo povo da Síria e a reforçarem os esforços para garantir que esta transição conduza à justiça, à paz e à dignidade para todos”, afirma Regina Lynch.

Paulo Aido | Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt

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