São sete viagens a sete países mas com dezenas de protagonistas. Durante três dias, o cinema São Jorge vai acolher um ciclo de documentários produzidos pela Fundação AIS com histórias contadas na primeira pessoa sobre o que significa a perseguição religiosa, mas também a coragem e a ousadia dos que, apesar dos perigos, não renunciam à sua fé.
Maria, na Indonésia, Cécire, no Ruanda, e Rita, no Cazaquistão, são apenas três mulheres, três religiosas que surgem num dos sete documentários que o Cinema São Jorge, na Avenida da Liberdade, em Lisboa, vai exibir esta semana e que estão integrados na oferta cultural da Jornada Mundial da Juventude. Todos estes documentários foram produzidos pela CRTN, a produtora de cinema da Fundação AIS, e são um convite para que os jovens que participam na JMJ façam uma viagem até países onde os cristãos passam por dificuldades, ou por serem uma comunidade religiosa perseguida, ou por serem muito pobres.
Em todos estes documentários sobressai a certeza da fé que alimenta todos os que são retratados através da câmara de filmar da Fundação AIS. É o caso de Francisco Faustino, um homem simples que vivia na sua aldeia, no norte de Moçambique, e que um dia foi sobressaltado pela violência demente dos terroristas que semeiam morte e destruição na província de Cabo Delgado desde Outubro de 2017.
Faustino viu o próprio filho ser decapitado. A sua vida nunca mais foi a mesma. Forçado a fugir, tem sobrevivido graças a um projecto de microcrédito que a Diocese de Pemba tem vindo a implementar com o apoio também da Fundação AIS. Através do seu olhar cheio ainda de lágrimas, percebe-se todo o drama por que passam cerca de 1 milhão de moçambicanos que, como ele, são também deslocados no próprio país, são também vítimas da violência dos terroristas que reivindicam pertencer ao grupo jihadista estado Islâmico.
Da guerra na Síria ao Amazonas no Brasil
Mas não é só em Moçambique que a câmara de filmar da Fundação AIS registou olhares tristes, por vezes resignados, de quem viveu de perto a guerra, a brutalidade, a perseguição religiosa. Na Síria, na cidade de Alepo, escutam-se lamentos de quem viu morrer familiares e amigos, de quem viu ruir as suas casas, os seus empregos, a sua vida. São todos sobreviventes do cataclismo que foi a guerra neste país do Médio Oriente.
Naya, que aceitou abrir as portas da sua vida para a reportagem da Fundação AIS, fala já resignada na guerra. “O pior da guerra, sabe o que é? É quando o significado da morte se torna algo fácil de entender. Isto é uma coisa má, na verdade. Não estou feliz por dizê-lo, mas habituamo-nos a isto. A fé foi a única coisa que nos manteve vivos….”
São histórias terríveis, mas também com esperança, pois apesar da guerra, do sofrimento, há solidariedade, há quem se preocupe uns com os outros. Há amor. E foi o amor, a descoberta de um amor maior, que levou também um grupo de jovens a querer seguir a vida religiosa.
Rolisson, Fahary e Richard são seminaristas. Estão em países tão distantes uns dos outros como o Brasil, o Líbano ou a Nigéria. Mas no documentário da Fundação AIS, ganham um relevo especial. Contam as suas histórias, as aventuras por que têm passado, falam dos medos que sentem, falam das ameaças que sofrem e explicam com palavras só deles como é o amor que lhes arde lá dentro no peito e que transformou as suas vidas.
O documentário, “Com tudo o que Tenho”, permite-nos conhecer ainda outros jovens, oriundos de países como a Ucrânia, que está em guerra em plena Europa, ou a Venezuela. Mas todos eles explicam, como se seguissem um mesmo guião, as razões por que querem o sacerdócio, por que querem servir a Igreja e os mais pobres das suas comunidades.
Sementes do bem
Todos os sete documentários vão ser complementados com testemunhos de pessoas que viveram ou que acompanham de perto a realidade da Igreja nesses países. É o caso do padre Joaquim Moreira da Silva. Poucas pessoas poderiam falar com mais propriedade sobre a Etiópia do que ele. Este sacerdote comboniano de 48 anos de idade, viveu uma década na Etiópia, entre 2009 e 2019, na região noroeste deste país, quase na fronteira com o Sudão.
“A imagem que mais retenho na memória é a força da vida. São pessoas que lutam pela vida, apesar das dificuldades”, explica-nos. Longe da Etiópia desde há quatro anos, este sacerdote, que agora vive na Maia, continua fascinado pelo povo que conheceu, “pessoas que vivem sobrevivendo, que do pouco fazem muito”.
Foram dez anos de missão, de vida. Foram dez anos que deixaram saudades “e muitos amigos”. “A Etiópia é um mundo de realidades, de abertura ao novo, de acolhimento. Destaco a capacidade de as pessoas se darem umas às outras”, diz. “Recordo a missão como uma pequena semente de bem que ficou. Um milagre da vida.” Uma semente de vida semelhante à de outros sacerdotes que também estiveram na Etiópia e que falaram para a Fundação AIS e ajudaram a construir o documentário que vai ser exibido nesta semana da JMJ.
Ajudar as vítimas das minas
Todos estes sete documentários são viagens únicas, com protagonistas únicos. É o caso de D. Enrique Alvargonzález, Prefeito Apostólico de Battambang, no Camboja. Ajudar as vítimas das minas, ajudar os amputados é uma das missões da Igreja neste país asiático…
A guerra no Camboja já aconteceu há muito tempo, há muitas décadas. Foi nos anos oitenta do século passado. Foi há muito tempo, mas continua a matar. Não há já soldados de armas na mão, mas há ainda muitas minas escondidas que continuam a explodir, a causar acidentes, que continuam a matar. Calcula-se que haverá cerca de duas centenas de acidentes com minas por ano no Camboja. É rara a semana em que não há notícia de novas vítimas, de pessoas que perderam a vida ou que ficaram amputadas. É terrível imaginar como uma guerra pode perpetuar-se assim, por causa das minas, a arma mais traiçoeira de todas. Mas a Igreja está atenta a todo este sofrimento.
D. Enrique oferece-nos uma história de compaixão, de amor aos outros. Esta história, que nos chega do Camboja, leva-nos a olhar para as outras guerras que estão a acontecer agora e leva-nos a imaginar o pior. Pensemos na Ucrânia, por exemplo. Também por lá se andam a esconder minas, também por lá se andam a semear estas bombas ao retardador, que poderão explodir daqui a dias, a semanas ou… daqui a décadas. Quantas pessoas vão perder a vida ou ficar amputadas também na Ucrânia por causa das minas?