MOÇAMBIQUE: “E agora, o que será de nós? Perdemos tudo…”, lamentam as pessoas após passagem do ciclone Chido

A região de Cabo Delgado foi a mais atingida pela violência dos ventos e da chuva do ciclone Chido que entrou em Moçambique na madrugada deste domingo, dia 15, depois de ter atravessado o arquipélago francês de Mayotte. As consequências do mau tempo são devastadoras: pelo menos 34 mortos, 319 feridos e milhares de pessoas que perderam as suas casas, tudo o que tinham. E agora perguntam como vão sobreviver. Num primeiro relatório enviado para a Fundação AIS, a Diocese de Pemba fala num “cenário assustador de destruição”. A Igreja Católica mobilizou-se, entretanto, ao nível das comunidades locais, para acolher todos os que estão em maior necessidade.

Mal o dia despontou, ontem, segunda-feira, foi fácil perceber a extensão dos danos causados pela passagem do ciclone Chido pelo território de Moçambique. Dados oficiais mais recentes apontam para pelo menos 34 mortos, 319 feridos e mais de 100 mil pessoas afectadas directamente. Várias dioceses foram afectadas, desde Nacala a Nampula, passando por Tete e Pemba, e em todas escutam-se relatos de destruição, de pessoas, centenas e centenas de pessoas que perderam as suas casas, os seus poucos haveres, e que agora se interrogam com angústia sobre a sobrevivência no dia-a-dia.

Na Diocese de Pemba, que corresponde ao território de Cabo Delgado, terá sido a região onde a extensão dos prejuízos é maior. A Irmã Maria Aparecida Ramos tem estado a coordenar a recolha da informação, mas não tem sido fácil. “Estamos com muitos problemas de comunicação”, explicava ontem a religiosa à Fundação AIS. E dava um exemplo: “não temos comunicação com Mecufi. Enviei alguém até lá de motorizada para dar notícias”. Mas não era preciso esperar muito para se começar a ter uma noção da tragédia que, uma vez mais, se abateu sobre a região de Cabo Delgado. “A situação é mesmo desoladora. Há muita destruição”, dizia ainda, através de uma mensagem de WhatsApp, a Irmã. E acrescentava um pedido: “reze muito!”.

“CADA FOTO É MAIS PENOSA”

Tal como em Pemba, também em Nacala se procurou o mais rapidamente possível perceber a dimensão dos estragos causados pelo ciclone Chido. D. Alberto Vera fez um brevíssimo balanço do que aconteceu na sua diocese. Uma mensagem de texto que a Fundação AIS também recebeu. “Toda a zona [banhada] pelo rio Lúrio sofreu grande destruição, principalmente os distritos de Memba e Erati. Em Chione, Odinepa e Alua, muitas casas de barro destruídas. Uma jovem faleceu ao cair-lhe uma parede em cima, em Alua. Muitos telhados de capelas, escolas e centros paroquiais voaram. As vias estão inacessíveis”, escreveu ainda, num espanhol misturado com português D. Alberto. A mensagem termina com uma frase que traduz o estado de espírito do bispo de Nacala: “Cada foto que recebo é mais penosa”.

Toda a zona [banhada] pelo rio Lúrio sofreu grande destruição, principalmente os distritos de Memba e Erati. Em Chione, Odinepa e Alua, muitas casas de barro destruídas. Uma jovem faleceu ao cair-lhe uma parede em cima, em Alua. Muitos telhados de capelas, escolas e centros paroquiais voaram. As vias estão inacessíveis.

A mensagem termina com uma frase que traduz o estado de espírito do bispo de Nacala: “Cada foto que recebo é mais penosa”.

MILHARES DE CASAS DESTRUÍDAS

A Fundação AIS foi recebendo, ao longo das últimas horas, algumas dessas fotografias penosas, que mostram como a fúria dos ventos e das chuvas arrastou pelos ares não só telhados e casas. Também arrastou para a miséria milhares de pessoas que vivem nesta região que tem sido tão sacrificada desde Outubro de 2017, quando eclodiu uma insurgência terrorista que, desde há algum tempo, tem vindo a ser reclamada como fazendo parte da organização jihadista Estado Islâmico.

No Domingo, o terror veio dos ares, dos ventos enfurecidos que atingindo mais de 200km/h colocaram em evidência, uma vez mais, a enorme precariedade, a enorme pobreza em que vivem as populações no norte de Moçambique. A meio da manhã de ontem, a Irmã Aparecida conseguiu fazer um primeiro esboço das ocorrências. O texto sintetiza o que aconteceu num simples parágrafo. O ciclone, escreve a Irmã, “destruiu casas inteiras, arrancou tectos de escolas, de centros de saúde, derrubou árvores e postes de energia elétrica e deixou a população sem água e energia na Cidade de Pemba” e em vários distritos.

São milhares de casas total ou parcialmente destruídas, escolas, centros de saúde, casas de religiosas e sacerdotes, casas de alvenaria e igrejas que perderam os tetos, capelas que foram totalmente destruídas. Há relatos de morte, mas a confirmação dos números ainda não se fez possível.

“CENÁRIO ASSUSTADOR”

No relatório, a que foi dado o nome de “primeiras informações”, escreve-se que a região de Cabo Delgado viveu, no terceiro domingo de Advento um “cenário assustador de destruição”. E não era preciso sair da capital provincial para se ter noção disso. “Nas ruas da cidade vê-se o cenário triste da força de destruição deixada pelo Chido, árvores caídas, postes e fios pelo chão, chapas de tecto espalhadas por toda a parte e um olhar de espanto e preocupação. São centenas de famílias que perderam a casa e todos os seus pertences.”

Foi assim em Pemba e foi assim também nas outras localidades. Uma expressão repete-se no relatório. A destruição da maioria das casas de habitação, deixando como população sem-abrigo centenas de pessoas. Foi assim em Mieze, em Metuge, em Metoro, em Minhuene, em Chiúre, em Ocua, em Namuno. Foram milhares de pessoas, de famílias que de um dia para o outro perderam tudo o que tinham. Prejuízos e destruição que atingiu também os edifícios da própria Igreja. E a cidade de Pemba, por ter mais edifícios, também tem mais prejuízos a declarar. Em alguns casos percebe-se que a destruição vai causar problemas sérios e imediatos a muitas pessoas.

FUNDAÇÃO AIS REFORÇA APELO

E a Irmã fala em “dor e desespero” em toda a província de Cabo Delgado. “Exactamente no momento em que as famílias começavam a fazer as plantações na esperança de colher algo, o ciclone destrói a casa, leva os poucos bens materiais e toda a pouca comida (mandioca seca na maioria) que era esperança de não se passar o Natal com fome. E agora? Nem comida, nem casa, pertences. O que será de nós? Perdemos tudo… nossa casa deitou no chão”. É a expressão repetida por centenas de pessoas.

Muitas ruas, muitas estradas permanecem bloqueadas com a queda das árvores, com os detritos que o vento arrastou. Falta energia quase em todo o lado, as comunicações estão limitadas, mas no meio de todo o desespero sobra a certeza de que a Igreja está de braços abertos a acolher os mais necessitados. “As comunidades religiosas e paróquias, ainda que tenham tido suas infraestruturas destruídas, estão a acolher famílias que perderam tudo nos espaços que ainda é possível abrigar”, escreve a Irmã Aparecida. Face a mais esta emergência, a Fundação AIS reforçou o apelo aos seus benfeitores e amigos em Portugal pela solidariedade para com Cabo Delgado.

AJUDA DE EMERGÊNCIA

SOS Cabo Delgado

Paulo Aido | Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt

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Embora os líderes cristãos e muçulmanos continuem a denunciar a violência e a promover o diálogo inter-religioso, num esforço de deslegitimação do jihadismo, tal será insuficiente se não forem abordadas as desigualdades sociais e económicas subjacentes que afectam os jovens, especialmente nas regiões mais pobres. As perspectivas para a liberdade religiosa continuam a ser desastrosas.

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