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MOÇAMBIQUE: D. Luiz Lisboa diz ter sido ameaçado de morte por responsáveis do governo de Maputo
“Recebi primeiro ameaças de expulsão, depois de apreensão de documentos e no final de morte”, afirma D. Luiz Fernando Lisboa numa entrevista ao ‘La Repubblica’. O Bispo, actualmente na diocese brasileira de Cachoeiro de Itapemirim, no Estado do Espírito Santo, disse ao jornal italiano ter sido ameaçado por causa das suas constantes denúncias sobre a situação na província de Cabo Delgado, palco de ataques terroristas desde 2017.
D. Luiz acusa as autoridades também de tentativa de silenciamento dos que falavam dos ataques, da violência armada e da tragédia que se ia abatendo sobre as populações. O governo “impediu que os jornalistas fizessem seu trabalho”, afirmou, dando como exemplo “um repórter [que] está desaparecido desde Abril do ano passado”. “Ele trabalhava para uma rádio comunitária e falava sobre a guerra. Na sua última mensagem, disse que havia sido cercado pela polícia. A Igreja era a única que falava sobre a situação. E isso não agradava ao Governo. Acima de tudo, não tolerava que saíssem notícias sobre o Estado”, diz D. Luiz Lisboa ao ‘La Repubblica’, classificando esta atitude das autoridades de Maputo como sendo “orgulho nacional, negócios”.
Na entrevista, que foi entretanto difundida no Brasil através do Instituto Humanitas Unisinos, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, o antigo bispo de Pemba revela que continua a acompanhar atentamente todas as notícias que chegam de Moçambique. E mostra-se preocupado com a evolução do conflito. “A situação está a piorar rapidamente. Estou em contacto com muitas pessoas da diocese de Pemba…” Sobre o ataque dia 24 de Março à vila de Palma, por exemplo, D. Luiz afirma ter informações de que “muitas pessoas ainda estão escondidas nas matas”. “Outros conseguiram chegar a outra cidade, Nangade. Há muitos idosos, crianças e pessoas que não sabem como sobreviver. Disseram-me que os helicópteros contratados lançaram bombas atingindo terroristas, mas também civis…”
D. Luiz Lisboa reafirma nesta entrevista – a primeira em que aborda de forma frontal a questão de Cabo Delgado desde que assumiu a responsabilidade pela diocese de Cachoeiro de Itapemirim, no Brasil – aquilo que durante os últimos meses foi dizendo em declarações à Fundação AIS. O conflito em Cabo Delgado não é uma guerra religiosa mas sim económica.
“Os extremistas usam o nome do Estado Islâmico, mas esta não é uma guerra religiosa. Se fosse, eles ter-nos-iam atacado. Mas eles atacam todos e destroem tanto igrejas como mesquitas. Eles matam líderes cristãos e muçulmanos. Esta é uma guerra económica pela apropriação dos recursos naturais: gás líquido, ouro, rubis, pedras semipreciosas. No momento, existem mais de 700 mil pessoas deslocadas e mais de 2 mil mortos.”
D. Luiz Lisboa acusa tanto os terroristas como as forças de segurança de “total falta de respeito pelos direitos humanos”. E diz que há medo entre as pessoas. “A população tem medo de ambos. Extremistas roubaram uniformes do exército, armas e alimentos. Eles apresentam-se como militares. Para o povo, é uma situação terrível. Eles veem o exército e para eles são terroristas. As forças militares de alguma forma abusam das pessoas. Mas também os soldados são vítimas, porque estão numa guerra em que não querem estar.”
Nesta entrevista, conduzida pela jornalista Raffaella Scuderi e publicada no domingo passado, dia 11 de Abril, D. Luiz Fernando Lisboa volta a dizer que nunca teve medo apesar de todas as ameaças a que esteve sujeito. “Nunca deixei de falar. A Igreja é a voz dos que não têm voz. Como eu poderia ficar calado?” D. Luiz lembra também a forma como o Papa Francisco se interessou por este caso. “Depois da sua visita a Moçambique [em Setembro de 2019], o Papa Francisco sempre acompanhou a situação de Cabo Delgado. Em Agosto do ano passado ele ligou-me para dizer que estava muito perto de nós, que estava orando por nós e que queria dar-nos a sua bênção. Graças à sua intervenção, a guerra internacionalizou-se. Depois das suas palavras, muitas pessoas começaram a interessar-se pela guerra. Em Dezembro [de 2020] doou 100 mil euros para a construção de hospitais e para os deslocados.”
A última vez em que os dois se encontraram foi em Dezembro do ano passado. Foi no dia 18. Estiveram juntos no Vaticano. Nesse encontro, recorda agora D. Luiz, o Papa “queria saber como estava a situação”. “Ele evidentemente tinha mais informações do que eu. Ele sabia que eu estava a correr riscos e ofereceu-me uma transferência para o Brasil.”
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