MOÇAMBIQUE: “As pessoas vêm pedir folhas das árvores para cozinhar”, relata irmã portuguesa em missão em Lichinga

MOÇAMBIQUE: “As pessoas vêm pedir folhas das árvores para cozinhar”, relata irmã portuguesa em missão em Lichinga

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MOÇAMBIQUE: “As pessoas vêm pedir folhas das árvores para cozinhar”, relata irmã portuguesa em missão em Lichinga

Quarta-feira · 16 Fevereiro, 2022

“Temos lá no jardim [da casa], duas árvores que dão umas folhas e as pessoas vêm muitas vezes pedir essas folhas para cozinhar. As pessoas levam, cozinham e fazem uma refeição com aquilo…” As palavras são da Irmã Mónica Moreira da Rocha, a religiosa portuguesa responsável pela Casa do Imaculado Coração de Maria, na paróquia da Cerâmica, em Lichinga, província de Niassa. A pobreza em que vivem as populações locais veio acentuar-se com a chegada de deslocados oriundos de Cabo Delgado, região situada a mais de 400 quilómetros de distância e que tem estado no epicentro da violência terrorista neste país lusófono.

As Irmãs Reparadoras de Nossa Senhora de Fátima têm testemunhado o sofrimento de quem chega à região de Lichinga, fugindo dos ataques, de quem lhes bate à porta de mãos completamente vazias provocando-lhes um sentimento de impotência difícil de explicar por palavras. “A gente sente essa impotência quase todos os dias. Só não sinto quando não estou em casa ou quando estou de retiro, porque temos o portão fechado. Sente-se essa impotência, que é diária…” E as próprias irmãs interrogam-se face aos dramas humanos de quem precisa de ajuda para sobreviver. “Será que posso fazer mais alguma coisa? Eu não posso fazer, mas mais ninguém pode, e o que é que vai ser dessa pessoa, que vai ser dessa família? Esta é uma realidade de todos os dias. A gente passa por isso todos os dias…”

MOÇAMBIQUE: “As pessoas vêm pedir folhas das árvores para cozinhar”, relata irmã portuguesa em missão em Lichinga
As Irmãs Reparadoras de Nossa Senhora de Fátima têm testemunhado o sofrimento de quem chega à região de Lichinga.

A Irmã Mónica chegou a Moçambique há quatro anos. Foi desafiada pela superiora geral para substituir a religiosa que estava à frente da missão em Lichinga. Na Casa do Imaculado Coração de Maria desenvolve-se um trabalho notável junto da população local, com uma escolinha, um jardim-de-infância e, acima de tudo, procurando “ajudar as pessoas do bairro”. Ajudar é, de facto, a palavra que melhor descodifica o trabalho desta irmã portuguesa de 42 anos e que é apoiado directamente pela Fundação AIS.

POBREZA CHOCANTE

A casa das irmãs em Lichinga é quase o ponto de encontro de quem vive no bairro. Um bairro bem diferente dos de Portugal, da Europa, a ponto de se tornar chocante. “O lixo em qualquer sítio na rua, as pessoas andarem rotas, andarem descalças, o centro de saúde sem condições nenhumas, as pessoas pediram ajuda na alimentação, não terem comida, tudo isso choca, é chocante…” As irmãs são chamadas a dinamizar a vida da comunidade, da aldeia, da própria região. Além do trabalho com as crianças, há todo um conjunto de actividades que levam as irmãs ao encontro das pessoas na intimidade da pobreza em que vivem. E às vezes custa enfrentar essa realidade. “Uma coisa é ouvir [falar], outra coisa é ver que as pessoas passam dias sem comer… Mesmo o visitar alguém em casa, visitar um doente, dar a comunhão a um doente, é uma das coisas que me custa muito, porque a gente entra na casa da pessoa e vê que não há condições, que não há nada. E isso é a realidade do dia-a-dia. Sim, isso choca. Choca muito…

A pandemia veio alterar hábitos, rotinas. Durante algum tempo, a Igreja teve de fechar portas, assim como a escolinha. Mas não houve menos trabalho para fazer. Durante os tempos em que a pandemia se revelou mais activa, começaram a chegar deslocados vindos de Cabo Delgado, vítimas do terrorismo. “Durante a pandemia, dediquei-me muito a acompanhar os deslocados, primeiro num campo, em Malica, mas depois comecei-me a aperceber que mesmo ali, no nosso bairro, havia muita gente [deslocada] e que ninguém acompanhava.” Só no bairro, eram 160 pessoas, “desde crianças pequeninas até idosos”.

VIOLÊNCIA BRUTAL

Mas em toda a zona há muitos mais deslocados. Todos eles transportam consigo histórias dramáticas, por vezes mesmo horríveis, de uma violência difícil de explicar, como a de uma senhora que fugiu da sua aldeia perante um ataque de homens armados, tendo ficado escondida no mato durante alguns dias. Quando ela voltou, algum tempo depois, deparou-se com um cenário horrível que ainda hoje a deixa perturbada. “Ela encontrou o corpo de uma tia cortado aos bocados, decapitado…” Escutar esta mulher, os seus lamentos, os seus medos, é uma das tarefas que a Irmã Mónica faz em Lichinga. “De vez em quando, ela liga-me para falar, porque tem necessidade de falar disso, tem necessidade, precisa de falar. E como esses, outros casos, muitos casos. As pessoas falam, precisam de falar.”

Se para os deslocados é difícil verbalizar, para as irmãs não é mais fácil ouvir essas histórias simultaneamente verdadeiras e trágicas. “Nós temos que fazer um esforço para não nos deixarmos também abater muito, pois nós temos de dar força àquelas pessoas. Temos que ajudar aquelas pessoas a superar. Os relatos parecem de um filme de horror, mas são relatos da realidade vivida por aquelas pessoas que me estão a contar na primeira pessoa e a gente olha para os olhos delas e vê sofrimento… Custa, custa muito…”

AJUDA DA FUNDAÇÃO AIS

O apoio psicossocial faz parte da missão destas religiosas e é um exemplo da ajuda que a Fundação AIS tem vindo a dar à Igreja de Moçambique por causa dos ataques terroristas que começaram no final de 2017 e já causaram mais de três mil mortos e mais de 850 mil deslocados. Além do apoio psicossocial, a Fundação AIS também tem dado uma ajuda concreta para as famílias deslocadas. “Houve ajuda às famílias com alimentos, com cobertores, com as coisas que precisavam, mesmo até utensílios para trabalharem a terra…” Uma ajuda que a Irmã Mónica faz questão de agradecer publicamente. “Em nome de todos aqueles que beneficiam, que estão a beneficiar e que vão continuar a beneficiar da ajuda da Igreja que Sofre, agradeço e peço que essa ajuda continue como até aqui, tanto em Moçambique como em todo o mundo, pois é uma grande ajuda que faz a diferença para muita gente. Às vezes, é a diferença por uma vida. Por isso, muito obrigado e esperamos continuar a receber essa ajuda.”

PA | Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt

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Relatório da Liberdade Religiosa

O relatório da Fundação AIS analisa a situação da liberdade religiosa em 196 países. É um dos quatro relatórios sobre a situação da liberdade religiosa a nível mundial, sendo o único relatório não governamental na Europa que tem em conta a doutrina social católica.

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