Uma semana depois da passagem do ciclone Freddy por Moçambique, é imenso o rasto de destruição e pelo menos 67 mortos, 50 mil deslocados e mais de 350 mil pessoas afectadas. O Bispo de Quelimane, uma das zonas mais atingidas pelas chuvas e ventos fortes, descreve, em entrevista à Fundação AIS, um cenário dramático com pessoas a morrer de fome e também de cólera. E pede ajuda. Todas as igrejas da diocese ficaram sem telhados, ficaram parcialmente destruídas…
“O povo neste momento não tem o que comer”, diz, ao telefone, desde Moçambique, D. Hilário Massinga. Em entrevista à Fundação AIS, o Bispo de Quelimane descreve um cenário dramático após a passagem do ciclone Freddy pelo país há precisamente uma semana. Fome e cólera são agora as maiores ameaças para uma população que ficou praticamente sem nada face à violência das chuvas e dos ventos. “As pessoas estão a passar fome. Estão mesmo a passar fome! E temos um problema adicional que é a cólera. Aqui há gente a morrer”, diz o prelado, referindo que o facto de quase não haver saneamento básico está a agravar a situação. O número de mortos tem vindo a crescer com o passar das horas, dos dias. Neste momento, embora a contabilidade seja necessariamente provisória, estão registados 67 mortos e pelo menos 50 mil deslocados num universo de mais de 350 mil afectados em Moçambique.
Evitar a propagação da cólera
Estes números são gigantescos face à falta de recursos disponíveis para acudir a todas as situações mais urgentes. “Naturalmente que a Caritas saiu ao encontro [das pessoas] com os poucos quilos [de comida] que tinha conseguido angariar, mas que não é nada para a muita gente que [vive na] nossa diocese”, explica o Bispo, acrescentando que a Igreja Católica tem vindo a pedir ajuda, mas que a situação é mesmo muito difícil. A prioridade é a alimentação dos que perderam tudo o que tinham, mas a distribuição de redes mosquiteiras é também essencial para se evitar, ao máximo, a propagação da cólera. “Praticamente todas as casas perderam os tectos. Mesmo que se tente repor alguma chapa que esteja por ali, já não é a mesma coisa… As casas continuam estragadas. Esperamos também conseguir um apoio para podermos ter redes mosquiteiras. Porque mesmo sem tecto, quando se tem a rede mosquiteira, ao menos atrasa o efeito da cólera”, diz o responsável pela Diocese de Quelimane, a mais atingida pela passagem por Moçambique do ciclone Freddy.
Todas as igrejas sem telhados
O vento destruiu a esmagadora maioria dos telhados, das chapas de zinco das casas em toda a região e também das igrejas, dos centros paroquiais e das comunidades religiosas. O cenário não se afigura fácil, tanto mais que esta é a época das chuvas… “Todas as nossas igrejas, todas as nossas casas, residências, juntamente com as do povo, estão sem tecto neste momento. Estamos muito atrapalhados com isso”, reconhece D. Hilário, adiantando que os responsáveis da Diocese têm vindo a pedir ajuda pois a situação é muito difícil e há paróquias onde ainda não foi possível chegar “pois não há condições de circulação”. Face à dimensão da tragédia, as populações sentem falta de apoio e D. Hilário dá conta também disso. “Estamos a lutar por nossa conta, com aquilo que podemos” explica, alertando para o facto a cólera ser agora a ameaça maior. “Em alguns bairros as mortes são diárias e isso preocupa-nos. [São pessoas] que morrem de cólera e ninguém diz nada… mas são muitas pessoas.”
Pedido de ajuda
D. Hilario lança um apelo à solidariedade do mundo face à dimensão da tragédia que atingiu a região e face também à brutal falta de recursos para o apoio a estas populações. Um apelo que inclui a Fundação AIS. “Gostaríamos de ter apoio para a reabilitação das residências e das igrejas, que é a vocação da AIS, mas a urgência é a alimentação porque o nosso povo está em maus lençóis, as pessoas estão mesmo a passar fome…” A passagem do ciclone por Moçambique foi especialmente grave nos dias 12 e 13, e afectou a província da Zambézia com particular incidência na região de Quelimane, mas deixou um rasto de destruição também em Niassa, Sofala, Manica e Tete. A estrada principal do país, por exemplo, ficou cortada em Quelimane, dificultando também o acesso de ajuda de emergência, e pelo menos sete pontes foram destruídas.
Um país de rastos
Também D. Diamantino Antunes, Bispo de Tete, oura das dioceses afectadas, falou com a Fundação AIS, destacando o facto de estes fenómenos meteorológicos extremos, que ocorriam normalmente com seis ou sete anos de intervalo, serem agora cada vez mais frequentes dadas as mudanças climáticas que se estão a verificar um pouco por todo o planeta, e de acentuarem a já profunda pobreza em que se encontra o país. “Uma tempestade tropical como esta e sobretudo as enxurradas, coloca o país de rastos”, explicou D. Diamantino. “São as infraestruturas, pontes, estradas cortadas, o sistema da rede eléctrica e telefónica é muito frágil, não aguentam, e depois não há alternativas, porque as estradas são aquelas e o país fica dividido em dois, basta uma ponte desabar numa estrada nacional que liga o sul ao norte, para o país ficar partido em dois.” Além de Moçambique, o ciclone Freddy atingiu também Madagáscar e o Malawi, provocando, no conjunto, até agora, cerca de 520 mortos.
O drama do terrorismo
Ainda em Janeiro do ano passado, a tempestade tropical Ana atingiu o centro e norte de Moçambique causando cerca de duas dezenas de mortos e afectando milhares de pessoas. Há dois anos, foi a vez do ciclone Eloise e anteriormente, entre 2018 e 2019, dois poderosos ciclones, Idaí e Kenneth, deixaram também profundos rastos de morte e destruição. A tudo isto, soma-se a tragédia do terrorismo que tem afectado essencialmente o norte do Moçambique, onde grupos armados, que reivindicam pertencer aos jihadistas do ‘Estado Islâmico’, têm lançado, desde Outubro de 2017, sistemáticos ataques que já provocaram cerca de 4 mil mortos e quase 1 milhão de deslocados internos. Toda esta situação tornou Moçambique num país prioritário para a Fundação AIS no continente africano, especialmente no que diz respeito ao apoio às vítimas do terrorismo. A ajuda da Fundação AIS tem-se materializado nomeadamente em projectos de assistência pastoral e apoio psicossocial, mas também no fornecimento de materiais para a construção de dezenas de casas, centros comunitários e ainda a aquisição de veículos para os missionários que trabalham junto dos centros de reassentamento que abrigam as famílias fugidas da guerra.