Durante mais de 24 horas, entre sexta-feira, dia 10 de Maio e sábado, 11, houve dois ataques terroristas significativos em Cabo Delgado. A estratégica vila de Macomia e as aldeias de Cajerene e de Missufine foram alvo da violência dos grupos armados que reivindicam pertencer à organização jihadista Estado Islâmico. Ataques que fizeram aumentar ainda mais o número de deslocados que a Igreja procura acudir na região norte de Moçambique.
“Infelizmente, é verdade e estou muito aflita.” Apesar de se encontrar relativamente distante de Macomia, uma religiosa de Cabo Delgado relatava assim para a Fundação AIS que a vila estava a ser palco de um enorme ataque terrorista desde as primeiras horas de sexta-feira, dia 10 de Maio. A irmã, que não pode ser identificada por razões de segurança, procurava dizer na mensagem de texto que estava a enviar para Lisboa o que se estava a passar. E acrescentava: “Estou com o coração em Macomia”.
O ataque começou ainda de madrugada. Daniel Eiró, jornalista da rádio diocesana de Pemba, sintetizava para a Fundação AIS numa simples frase o medo das populações face a mais um ataque dos grupos jihadistas. “A situação não está nada boa em Macomia. Os insurgentes chegaram de madrugada e a população está a fugir das suas casas.” De facto, mal se escutaram os primeiros tiros, centenas de populares fugiram para as matas em redor da vila.
“PRECISAMOS DE SOCORRO…”
Num vídeo que um sacerdote de Cabo Delgado enviou para a Fundação AIS vê-se a fuga de algumas dessas pessoas. Um homem, ainda jovem, com uma menina ao colo, caminha apressadamente e, apesar da respiração bastante ofegante, vai procurando relatar num vídeo gravado com o seu telemóvel o que está a acontecer. “São 5 horas agora, e os malfeitores acabaram de atacar a base militar”, diz.
Os tiros assustaram toda a população. Houve troca de tiros com os militares presentes no quartel local. Travou-se uma autêntica batalha. O jovem do vídeo fala disso. Refere a ousadia dos terroristas que se atreveram a atacar “a confiável vila de Macomia”, que todos imaginavam segura pela presença de um contingente das Forças de Defesa e Segurança de Moçambique.
“Há um fogo terrível, mas super-terrível a acontecer agora na zona de Macomia”, descreve o jovem enquanto fugia. “Precisamos de socorro. Aquela gente [que ainda está] lá precisa de socorro”. E acrescenta: “Eles [os terroristas] estão com tudo…” Foi um ataque violento.
Num outro vídeo, enviado também por um sacerdote da Diocese de Pemba para Lisboa, vêem-se muitas pessoas em fuga com trouxas à cabeça. Caminham também apressadamente. São mulheres, alguns rapazes e várias crianças. Num dado momento, começam todos a correr, assustados e espalham-se pelo mato.
ENORME DESTRUIÇÃO E CORPOS NAS RUAS
Também no sábado houve um outro ataque, desta vez às aldeias de Missufine e Cajerene, situadas no distrito de Ancuabe, a pouco mais de 70 quilómetros da cidade de Pemba, com relatos também aqui de tiroteios, populares em fuga e casas destruídas.
Mas o ataque mais grave foi o que ocorreu na estratégica vila de Macomia, situada a cerca de 180 quilómetros da cidade de Pemba, prolongou-se durante largas horas desde a madrugada de sexta-feira até ao princípio da tarde de sábado, quando os insurgentes, como são também conhecidos localmente os elementos dos grupos armados que reivindicam pertencer ao Daesh, a organização jihadista Estado Islâmico, abandonaram a região.
Relatos de moradores indicam que os terroristas deixaram atrás de si um enorme rasto de destruição e vandalização de casas e infraestruturas socais e até corpos espalhados nas ruas. Esta foi a segunda vez que houve um ataque de grandes dimensões nesta vila. Já anteriormente, em Junho de 2020, Macomia foi atacada durante três dias, deixando então um enorme rasto de destruição.
REZAR A MARIA PELO POVO DE MACOMIA
O ataque a Macomia coincidiu com uma peregrinação particularmente importante na vida da comunidade cristã da Diocese de Pemba. A peregrinação ao Santuário de Nossa Senhora de Fátima, em Montepuez. Apesar da distância de cerca de 200 quilómetros para Macomia, esta foi uma peregrinação marcada também pelo sobressalto das notícias, pelo medo do que estava a acontecer, pela confirmação de que os terroristas são uma ameaça cruel e real na região norte de Moçambique, país africano de língua oficial portuguesa.
No sábado à noite, D. António Juliasse lembrou o que estava a acontecer naquele preciso momento em Macomia e pediu as orações de todos pela população da vila, aflita, em fuga pelo mato, apavorada naquelas horas pela presença dos terroristas na sua terra.
Vamos pedir, sobretudo nesta noite, que Maria interceda especialmente por aquelas orações não pronunciadas que cada um está a viver nestes dias lá em Macomia.”
D. António Juliasse
OS ALERTAS DO BISPO DE TETE
A situação em Cabo Delgado tem vindo a agravar-se desde o princípio do ano. Ainda no final da semana passada, D. Diamantino Antunes alertava para a urgência da solidariedade para com as populações locais vítimas do terrorismo. Em declarações à Fundação AIS, o Bispo de Tete lembrava que se está a assistir à “intensificação” da violência terrorista com “dezenas de aldeias atacadas” e a “destruição de infraestruturas públicas e sociais, nomeadamente capelas”, e lançava um apelo para a ajuda imediata à Igreja local.
“Queridos irmãos e irmãs, por favor, solicito-vos que possam continuar a abrir os vossos corações ao grito destes nossos irmãos, rezando por eles e apoiando com a vossa solidariedade aqueles que os ajudam”, disse D. Diamantino Antunes no final da mensagem enviada para a Fundação AIS em Lisboa.
AJUDA DE EMERGÊNCIA
Segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM), esta última onda de ataques terroristas já provocou cerca de 50 mil novos deslocados, o que corresponde aproximadamente a 10 mil famílias, e isto apenas entre os dias 17 de Abril a 1 de Maio e nos distritos de Ancuabe, Chiúre e Erati. Agora, com este novo ataque na vila de Macomia, é ainda maior o número dos que dependem de ajuda para sobreviver.
Moçambique é um país prioritário para a Fundação AIS no continente africano. A solidariedade dos benfeitores da Ajuda à Igreja que Sofre tem permitido canalizar para a Diocese de Pemba, para a região de Cabo Delgado, ajuda de emergência, projectos de assistência pastoral e de apoio psicossocial para as populações vítimas do terrorismo, mas igualmente o fornecimento de materiais para a construção de dezenas de casas, centros comunitários e ainda a aquisição de veículos, algo de absolutamente prioritário para os missionários que trabalham junto dos centros de reassentamento que abrigam milhares de famílias fugidas da violência.
Paulo Aido | Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt