Conhecido pelo seu trabalho em favor da paz e dos indígenas, o padre Marcelo Pérez foi assassinado com vários tiros na manhã de domingo, 20 de Outubro. A Conferência Episcopal exige às autoridades o cabal esclarecimento do que aconteceu e que os responsáveis sejam levados à Justiça, mas este é mais um sinal da enorme violência que se vive no México e a que nem a Igreja escapa. Nos últimos 18 anos, foram já assassinados quatro dezenas de sacerdotes…
O padre Marcelo Pérez, pároco do bairro Cuxtitali, em San Cristóbal de las Casas, Chiapas, tinha acabado de celebrar Missa na Igreja de Nossa Senhora de Guadalupe e regressava a casa quando o seu carro foi emboscado por dois homens, dois pistoleiros que se faziam transportar numa motocicleta. O padre, que era conhecido pelo seu compromisso pela paz e pela defesa das populações indígenas, terá morrido instantaneamente. O seu corpo, de acordo com os jornais locais, ficou crivado com pelo menos oito balas.
De origem indígena e descendente directo dos Maias, o sacerdote vinha recebendo desde há algum tempo uma série de ameaças de morte devido ao seu trabalho e denúncias contra a actuação de grupos armados na região. “Ao longo de seu ministério”, escreve o portal de notícias do Vaticano, “o padre Marcelo desempenhou um papel fundamental como mediador em conflitos sociais complexos, particularmente em Pantelhó e Simojovel, área assolada pela violência decorrente do tráfico de drogas e da exploração ilegal de âmbar, onde o padre liderou marchas e movimentos sociais para denunciar o tráfico de pessoas, o tráfico de armas e a exploração de recursos naturais”.
Por causa das ameaças de morte, a Diocese decidiu transferi-lo para a paróquia onde se encontrava actualmente. No entanto, o risco era permanente. Numa entrevista muito recente, a 13 de Setembro, durante uma manifestação pela paz, o padre Marcelo Pérez falava disso e dizia que “Chiapas é uma bomba mortal, há muitas pessoas desaparecidas, sequestradas, assassinadas pelas mãos do crime organizado”.
UMA VOZ PROFÉTICA
Filho de pais camponeses, nasceu em San Andrés Larráinzar, Chiapas. Estudou no seminário, foi ordenado sacerdote em Abril de 2002 e iniciou o trabalho eclesiástico como pároco em Chenalhó. Durante décadas, foi activista dos direitos humanos, apoiou organizações e grupos religiosos indígenas, bem como liderou iniciativas sobre a saúde, pobreza e violência. Em 2020 recebeu o prémio “Per Anger 2020”, que é atribuído a pessoas e organizações que trabalham pelos direitos humanos e pela democracia.
Mal se soube da notícia do seu assassinato, o Cardeal Felipe Arizmendi, bispo emérito de San Cristóbal de las Casas, expressou o seu profundo pesar e lembrou que o padre Marcelo esteve “sempre comprometido com a justiça e a paz entre os povos indígenas”.
Segundo o prelado, o sacerdote nunca se envolveu em política partidária, mas sempre defendeu que os valores do Reino de Deus fossem vividos nas comunidades. Esses são os valores da verdade e da vida, da santidade e da graça, da justiça, do amor e da paz. Ele era um sacerdote “muito concentrado na sua vocação, muito orante, muito próximo do tabernáculo e muito comprometido com seu povo”. O seu assassinato, conclui o cardeal, citado pelo Vatican News, mostra, mais uma vez, o clima de violência que foi desencadeado em Chiapas e na maior parte do país. “Há uma decomposição social que começa com a destruição da família e é consolidada pela impunidade com que os grupos armados agem. Nem tudo é culpa do governo, mas é uma indicação de que o governo e todos nós, inclusive as Igrejas, estamos subjugados”.
Também a Conferência Episcopal mexicana publicou uma nota de pesar pelo falecimento deste sacerdote e exige às autoridades o cabal esclarecimento do que aconteceu. O assassinato do padre Marcelo “não apenas priva a comunidade de um pastor dedicado ao seu povo, mas também silencia uma voz profética que lutou incansavelmente pela paz com verdade e justiça na região do Chiapas”, pode ler-se na referida nota dos bispos mexicanos.
Marcelo Pérez foi um exemplo vivo de compromisso sacerdotal com os mais necessitados e vulneráveis da sociedade.
Os bispos pedem não só que as autoridades realizem “uma investigação exaustiva e transparente que esclareça esse crime e faça justiça ao padre Marcelo Pérez”, mas que implementem também “medidas efectivas para garantir a segurança dos sacerdotes e agentes pastorais” e redobrem “os seus esforços para combater a violência e a impunidade que assolam a região do Chiapas” e o país em geral.
A HISTÓRIA DO PADRE FILIBERTO
Em Junho passado, no seguimento do processo eleitoral que decorreu no México, para a presidência da República, Parlamento e Senado, a Fundação AIS falou com um sacerdote que, tal como o padre agora assassinado, também se tem destacado na defesa dos direitos humanos e também tem recebido ameaças de morte.
O padre Filiberto Velásquez Florencio, da Diocese de Chilpancingo-Chilapa, é director do Centro Minerva Bello para os Direitos das Vítimas de Violência, uma instituição que documenta casos de violência na diocese. Ele começou a documentar estes casos em 2022 numa comunidade chamada El Nuevo Caracol, quando o pároco local o chamou, em desespero, porque tinha 500 fiéis deslocados a refugiarem-se na sua igreja e precisava de ajuda.
Assim começaram as suas visitas à região da Cordilheira de Guerrero, levando ajuda humanitária e documentando casos de violência, identificando os autores. A título de exemplo, o Padre Fili – como é carinhosamente conhecido pelos amigos – contou à Fundação AIS um caso ocorrido em Novembro de 2022, quando bandos criminosos utilizaram drones carregados de explosivos para atacar as comunidades da Serra de Guerrero. “Não é do Afeganistão nem da Faixa de Gaza que estou a falar, é do México. Isto levou as comunidades a fugir e a esconder-se da violência. Capelas, escolas e praças públicas foram danificadas. As pessoas abandonaram as suas actividades económicas para salvar a vida. Há muita pobreza, mas há ainda mais medo.”
UM ATENTADO FALHADO…
O México tem uma longa história de violência e criminalidade, mas um dos momentos mais complicados de que este sacerdote se recorda ocorreu em Janeiro e Fevereiro de 2024, com lutas entre organizações criminosas na região de Guerrero.
A Igreja desempenhou um papel importante como intermediária para tentar forjar uma trégua entre os grupos. O Padre Filiberto Velázquez explica que a posição da Igreja não foi a de branquear os pecados dos criminosos, mas a de actuar como intermediária numa situação em que não havia diálogo, para tentar encontrar uma solução que levasse, pelo menos, a que as diferentes partes depusessem as armas, no interesse dos Direitos Humanos. “Foram meses muito difíceis”, recorda o Padre Fili. “Passámos semanas sem transportes públicos, a escola foi suspensa, os doentes não puderam ir ao hospital. Então, a Igreja falou com aqueles que estavam a provocar o terror, e isso permitiu-nos resolver a crise.”
No entanto, apesar do seu papel positivo, a Igreja tornou-se alvo de uma perseguição discreta por parte dos agentes políticos. “Sofremos hostilidade por parte das autoridades, que nos estigmatizaram e nos associaram ao crime organizado, usando expressões como ‘bispos do crime’ ou ‘padres dos narcóticos.”
Ao longo das suas lutas pela paz, o Padre Fili sobreviveu a ataques armados e é actualmente alvo de ameaças de morte. Apesar de tudo isto, afirma não estar “apaixonado pelo martírio”, mas sim “apaixonado pelo Evangelho”. Em 2021, foi raptado por 50 homens armados quando se dirigia para celebrar a Missa numa comunidade de Guerrero e esteve perto de ser executado. Passou horas de joelhos, na esperança de que alguém viesse em seu socorro. Os habitantes locais começaram a negociar com os homens armados para que não o matassem, e a intervenção do sacerdote da comunidade foi crucial para lhe salvar a vida. Noutra ocasião, a 19 de Outubro de 2023, o Padre Fili seguia de carro por uma estrada de montanha quando homens numa moto o ultrapassaram e dispararam contra o seu carro. Uma das balas atingiu um pneu e a outra o banco do passageiro. Ao contrário do que aconteceu há quase uma semana ao Padre Marcelo, cujo corpo ficou crivado de balas…
Paulo Aido e Maria Lozano
Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt