A propósito do Dia Internacional da Mulher, que se assinala amanhã, dia 8 de Março, a Irmã Marie Akl, da Congregação do Bom Pastor, fala sobre o valioso trabalho desenvolvido no centro de protecção para jovens vulneráveis em Nabaa, no Líbano, e que é apoiado pela Fundação AIS. Através de ‘workshops’ e até aulas de auto-defesa, as raparigas e adolescentes conseguem ultrapassar os seus traumas e medos e ganham uma vida nova.
O Líbano está numa encruzilhada difícil, depois de ter vivido tempos de guerra e continuando numa profunda crise económica e social, com as famílias a lutarem desesperadamente pela sobrevivência. A situação é tão difícil que ainda em Outubro do ano passado a Fundação AIS avançou, em Portugal, com uma campanha de ajuda de emergência, a que se deu o nome de “SOS Líbano”.
É neste contexto complexo e duro que sobressai o trabalho da Igreja junto das populações mais carenciadas, que dependem de ajuda para as coisas mais básicas do dia-a-dia, como a alimentação, os cuidados de saúde, a educação dos filhos. E no trabalho tantas vezes silencioso da Igreja, é fundamental o papel das religiosas, das irmãs, das mulheres consagradas que oferecem todas as horas dos seus dias junto dos mais necessitados. É o caso da Irmã Marie Akl, da Congregação do Bom Pastor, que desenvolve um valioso trabalho no centro de protecção para jovens mais vulneráveis em Nabaa.
Assinalando o Dia Internacional da Mulher, que se comemora amanhã, dia 8 de Março, a Fundação AIS falou com esta religiosa para compreender os desafios e dificuldades da sua missão no Líbano. “Ajudamos jovens vulneráveis, especialmente as que nasceram em famílias pobres. Estas jovens são vulneráveis devido à sua exposição à violência doméstica, aos abusos, à pobreza, ao tráfico e aos maus-tratos. Estes problemas conduzem à violência, que tem um efeito devastador na sua saúde mental e física. Estas raparigas estão a crescer num ambiente muito difícil”, explica a irmã.
Para se desenvolveram, estas jovens precisam de protecção e apoio psicológico. No entanto, para compensar o facto de o acesso aos serviços de saúde mental ser complicado no Líbano, as religiosas promovem sessões de consciencialização sobre os direitos das jovens e também com as famílias, procurando apoiar os pais e ajudando-os a proteger os seus filhos.
TRAUMAS MUITO PROFUNDOS
A Irmã Marie não tem dúvidas em afirmar que o trabalho realizado pela sua congregação é crucial, pois estas raparigas “vêm de meios desfavorecidos, com pobreza extrema e abusos a todos os níveis”. “Muitas vezes, estas raparigas não têm acesso à educação. No entanto, é precisamente o acesso à educação que lhes permitirá adquirir as competências necessárias para saírem da pobreza e se tornarem mulheres independentes, íntegras e responsáveis. Nas aulas de defesa pessoal, aprendem técnicas para se defenderem se forem atacadas, enquanto a dança e a pintura as ajudam a desenvolver a sua autoestima”, afirma, acrescentando: “Elas adoram dançar”.
Se o trabalho destas religiosas não existisse, se não fosse facultada a atenção que a Igreja dedica a estas jovens vulneráveis, a realidade seria ainda mais dura. “Se não receberem apoio, ficarão expostas às drogas, à delinquência, à prostituição ou a grupos criminosos”, explica a Irmã Marie. “Elas sofrem muitos traumas, ansiedade, depressão e dificuldade em confiar nos outros. Os traumas são muito profundos e têm impacto em muitas coisas: por exemplo, na aprendizagem. Proporcionar-lhes este tipo de espaços é muito importante para que possam crescer como mulheres fortes e estáveis. Elas não têm estabilidade. A maior parte delas não tem um espaço seguro e tranquilo, e é essencial poder dar-lhes isso”, acrescenta.
“AGRADECEMOS À FUNDAÇÃO AIS”
A crise económica em que o Líbano está mergulhado é mais um factor que desestabiliza o trabalho nesta área. Infelizmente, como explica a Irmã Marie à Fundação AIS, os serviços de saúde mental são muito limitados e dispendiosos no país, pelo que as organizações não-governamentais desempenham um papel importante, mesmo essencial, no apoio a este tipo de população mais vulnerável.
Estamos a falar de raparigas que enfrentam diariamente a delinquência e a criminalidade. É por isso que as ajudamos, para reduzir o risco deste tipo de desvio. Muito poucas pessoas trabalham com esta abordagem.
Irmã Marie Akl
“Em princípio, o papel do governo é tomar conta destas raparigas vulneráveis e, infelizmente, muitos centros fecharam as portas devido à crise económica, enquanto o número destas jovens vulneráveis está a aumentar! Esta missão é muito cara ao nosso coração e ao coração de Jesus”, diz a irmã. “Nada disto teria sido possível sem o apoio da Fundação AIS, especialmente nos últimos dois anos. Sabemos que abriram uma excepção para apoiar esta missão, e agradecemos-lhes por isso. Agradecemos à Fundação AIS pela ajuda, especialmente nesta região”, afirma a irmã Marie Akl.
LUGAR DE CONFORTO E CONFIANÇA
Todos os dias, as irmãs assumem o seu papel não só como religiosas, mas também como terapeutas procurando ajudar estas raparigas. “Não podemos mudar o ambiente em que vivem, mas podemos ajudá-las a aumentar a sua autoestima e a quebrar o ciclo do trauma. Trata-se de uma abordagem holística baseada na escuta, no apoio, no acompanhamento e também na protecção. Pelo menos estas raparigas estão num ambiente protegido durante a tarde. Podem encontrar-se com psicólogos, comum terapeuta da fala, com um assistente social e também podem obter ajuda nos estudos.
“A orientação espiritual é também uma grande ajuda. O nosso centro oferece um lugar de conforto e confiança para ajudar estas raparigas a expressarem-se livremente e a fazerem as escolhas certas para o seu futuro. Tentamos dar-lhes ferramentas que lhes permitam ser um modelo de mudança para os outros no futuro”, desenvolve a irmã.
UMA HISTÓRIA DE SUCESSO
Estes projectos de apoio nunca estão terminados verdadeiramente. Mas é sempre possível ir fazendo um balanço. “Nunca podemos falar de um sucesso absoluto, mas tentamos sempre melhorar. Temos visto muitas melhorias nestas raparigas. Encontram [agora] um sentido para as suas vidas e conseguem lidar com tudo o que lhes acontece. Algumas obtiveram já os seus diplomas e estão na universidade com excelentes notas.
Eu trabalho com elas e gostaria de partilhar um exemplo: durante um ano, acompanhei uma delas. Tinha 14 anos quando a conheci. Sofria abusos terríveis do pai e não era a única na família…. Trabalhei com esta jovem durante um ano e não se pode imaginar o quanto ela mudou num só ano. Ela e a mãe fugiram de casa porque o pai queria matar a mãe. De facto, a mãe tinha mudado o nome da filha com medo de que o pai as encontrasse e as magoasse. Esta jovem nem sequer conseguia estar em frente a um espelho para se ver. Nunca saía de casa, etc… Agora está diante do espelho, diante de si própria, já não tem medo, sai, faz amigos… Sente-se segura.
O apoio e a terapia são realmente notáveis e estamos muito satisfeitos com os resultados que estamos a ver. É um lugar de confiança e calor onde estas raparigas se sentem confortáveis e seguras”, relata a irmã.
A Fundação AIS apoiou 936 projectos de religiosas em 2024, no valor de mais de 10,4 milhões de euros. O apoio destinou-se principalmente a projectos de construção (3 milhões de euros), veículos (1,4 milhões de euros), formação religiosa (2,9 milhões de euros) e ajuda à sobrevivência (2,5 milhões de euros). Entre as ajudas de emergência, destacam-se os projectos com escolas de congregações femininas no Líbano e o apoio a religiosas em zonas muito pobres e negligenciadas da América Latina.
Paulo Aido, com base na entrevista de Charlotte Halle e Lucia Ballester
Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt