ÍNDIA: Nacionalismo hindu, apoiado pelo governo, esteve na origem dos graves incidentes em Manipur

ÍNDIA: Nacionalismo hindu, apoiado pelo governo, esteve na origem dos graves incidentes em Manipur

O estado de Manipur no nordeste da Índia foi palco, no início de Março, de confrontos entre cristãos e hindus que causaram cerca de uma centena de mortos, mais de 50 mil deslocados e mais de duas centenas de igrejas destruídas. Fontes da Igreja local dizem à Fundação AIS ter poucas dúvidas de que esta violência faz parte de um plano para “desestabilizar a harmonia inter-religiosa” e para aumentar o apoio ao partido nacionalista no poder.

O conflito étnico entre a comunidade predominantemente hindu Meitei e os cristãos tribais no estado de Manipur, na Índia, já provocou desde o início de Março cerca de 100 vítimas mortais e a destruição parcial ou total de centenas de casas e igrejas, muitas delas incendiadas. Toda esta violência poderá fazer parte de um plano para desestabilizar a harmonia inter-religiosa e aumentar o apoio ao partido nacionalista hindu Bharatiya Janata [NJP]no poder, de acordo com fontes locais da Igreja contactadas pela Fundação AIS Internacional. Um bispo, que pede para não ser identificado por questões de segurança, explicou, ao telefone, à AIS, que o número de vítimas pode ser até bem maior. “Perderam-se muitas vidas. O que os jornais publicam são os casos confirmados, mas perderam-se muitas mais vidas do que aquelas que são oficialmente publicadas. As actividades violentas nas periferias, fora da capital, estão muito mal documentadas”, disse o prelado.

Problemas sem fim à vista

“A verdadeira razão do conflito é a dimensão da população cristã. Os Kukis e os Nnagas ocupam em conjunto uma grande parte do território. O que os hindus ou os Meiteis pensam é que deveriam ser autorizados a ocupar terras pertencentes às tribos. É esse o verdadeiro problema. O BJP [o partido no poder] dirige tanto o governo federal como Manipur, pelo que há uma autorização tácita para [a violência] seguir em frente”, comentou o bispo ao telefone com a Fundação AIS. Entretanto, a Fundação AIS Internacional recebeu um relatório da Arquidiocese de Imphal em que se dá conta da existência de mais de 50 mil deslocados devido também à violência que irrompeu na região. Apesar de a narrativa oficial governamental justificar os incidentes como uma disputa étnica, o bispo disse que já se transformou também num problema inter-religioso. “Há cristãos entre os Meiteis, e muitas das suas igrejas também foram destruídas, o que é uma prova clara de que não se trata apenas de [uma questão de] terras”. E acrescentou, sem esconder o desânimo: “O fim disto tudo não está à vista. A desconfiança criada entre os dois grupos não desaparecerá facilmente”.

Mais de 240 igrejas destruídas

De acordo com relatórios locais obtidos pela Fundação AIS Internacional, 249 igrejas cristãs de Meitei foram destruídas desde o início do conflito e registaram-se ataques também em mais de 200 aldeias Kuki , com a destruição de inúmeras casas. Também tem sido referido o papel das autoridades na defesa das populações. O relatório da Arquidiocese de Imphal refere que a ausência dos agentes de segurança nos locais onde eram mais necessários “levanta questões”. “Por que razão lugares vulneráveis foram deixados desprotegidos mesmo após tentativas de ataques?”, é uma das perguntas que fica, para já, sem resposta. Os incidentes ocorridos agora em Manipur ajudam a compreender o ambiente de intimidação em que vivem estas comunidades cristãs na Índia. Na memória de todos está o trabalho desenvolvido por exemplo pelo Pe. Stan Swamy, um jesuíta que dedicou a sua vida aos povos tribais, aos ‘dalits’, e que morreu no hospital, a 5 de Julho de 2021, embora a enfermaria em que se encontrava na altura tivesse sido apenas a sua última cela, pois estava detido sob acusação de terrorismo.

Recordar o Padre Stan

De facto, apesar do reconhecimento internacional do seu trabalho como activista dos direitos humanos, nomeadamente dos povos indígenas, o Pe. Stan Swamy estava preso desde 8 de Outubro de 2020, tendo o seu estado clínico vindo a deteriorar-se depois de ter contraído na prisão a Covid19, o que levou as autoridades a permitirem o seu internamento hospitalar a 28 de Maio de 2021, mas negando-lhe a libertação sob fiança. Para as autoridades ele foi sempre visto como um criminoso. Para as populações tribais, que defendeu durante toda a vida com notável energia, era, porém, um amigo. Muitos dos ‘dalits’, dos intocáveis que o Pe. Stan defendeu ao longo de mais de 40 anos são cristãos. A sociedade indiana continua em grande medida a ignorá-los, como se não existissem, como se fossem invisíveis.

Quando o Pe. Stan foi preso, o presidente executivo internacional da Fundação AIS alertou o mundo para a situação dramática dos que procuram defender os direitos humanos na Índia, dizendo que haverá “outros casos de padres e catequistas que foram injustamente acusados com o objectivo de espalhar o medo e de os intimidar”. Para Thomas Heine-Geldern – que era então o responsável máximo pela Ajuda à Igreja que Sofre – o caso do Pe. Stan era apenas “a ponta de um icebergue” da criminalização dos que defendem os direitos humanos, dos que procuram dar “melhores condições de vida”, aos ‘dalits’ e às populações tribais na Índia. Populações tribais que continuam a viver tempos de medo e de incerteza, como agora se tem visto em Manipur.

PA | Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt

Relatório da Liberdade Religiosa

Embora a Índia possa ser geralmente vista como uma democracia multi-religiosa com uma história rica de diversidade religiosa e pluralismo, incidentes religioso-nacionalistas crescentes colocaram-na numa lista de observação global por violar as liberdades religiosas básicas de uma grande parte dos seus cidadãos. O nível crescente de restrições aos Cristãos e outras minorias religiosas não hindus, é profundamente desconcertante.

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