Sob o lema “A verdade vos libertará”, os católicos da Guiné-Bissau observaram um dia de oração e jejum na passada segunda-feira, 4 de Novembro. A jornada ficou marcada por celebrações em todas as paróquias, sendo que nas Missas celebradas nas catedrais das duas dioceses fez-se a radiografia de um país doente e pediu-se aos responsáveis do país para escutarem o “grito de socorro dos pobres da Guiné-Bissau”.
Segunda-feira, 4 de Novembro, foi um dia especial para a Guiné-Bissau. Ao mesmo tempo que a Igreja Católica convocava os fiéis para uma jornada de oração e jejum pela paz e estabilidade no país, o presidente da República, Umaro Sissoco Embaló, publicava um decreto para o adiamento das eleições legislativas antecipadas que estavam agendadas para 24 deste mês.
Um adiamento que surge depois de Embaló ter dissolvido o Parlamento no início de Dezembro do ano passado, alegando uma tentativa de golpe de Estado. Foi neste cenário que decorreu a jornada de oração e jejum que mobilizou a comunidade católica um pouco por todo o país, mas com destaque para as missas celebradas nas catedrais de Bissau e Bafatá.
Em ambos os templos se escutaram palavras de preocupação pela situação em que se encontra a Guiné-Bissau, apelando-se aos responsáveis para uma boa gestão dos bens comuns e para acudirem aos mais necessitados, às famílias que “não têm o suficiente para comer”.
A missa na Catedral de Bissau foi presidida pelo Vigário-geral da Diocese, padre Davide Sciocco. “Vamos parar, a situação é difícil, temos de rezar, jejuar e lembrar o lema do nosso primeiro bispo Dom Septímio no seu centenário, ‘A Verdade vos Libertará’, que é o lema deste dia de oração e jejum pela Guiné-Bissau. A verdade tem o poder de libertar a Guiné-Bissau, especialmente no momento delicado quanto actual”, sublinhou o sacerdote. “O povo da Guiné-Bissau está cansado de divisões, lutas, violências, ameaças, brutalidades”, referiu ainda o Vigário-geral.
“HÁ MUITA FOME NAS ALDEIAS…”
Por sua vez, na Catedral de Bafatá, o administrador diocesano, padre Lucio Brentagani, fez um retrato duro do país em que há pessoas que passam fome e em que o acesso ao ensino e aos cuidados de saúde é muito difícil.
Há muita fome nas aldeias da Guiné-Bissau, há muitos doentes que estão a procurar médicos ou técnicos de saúde mas não os encontram, porque estão em greve, estão com muitos problemas internos e organizacionais, há muitos alunos que querem ir à escola, mas não há escola para eles porque o sistema educativo na Guiné-Bissau está bem complicado, e perante toda esta situação, o Evangelho de hoje convida-nos a abrir o nosso coração para que possamos acolher estes nossos irmãos pobres, com dificuldades, cegos, e que estão à procura de uma vida digna.
Padre Lucio Brentagani
“Neste dia de oração e jejum pela Guiné-Bissau, vamos também lançar aos governantes, aos políticos, aos militares, aos magistrados, à polícia, não fechem os olhos perante o grito de socorro que vem dos pobres da Guiné-Bissau. Não fechem os olhos e os ouvidos perante o pedido de ajuda que vem de muitas famílias que não têm o suficiente para comer”, acrescentou o administrador diocesano de Bafatá.
Na segunda-feira, em resposta à iniciativa da Igreja, todas as escolas católicas suspenderam as suas actividades, como forma de incentivo para que alunos e professores participassem na jornada de reflexão e oração. Esta iniciativa da Igreja teve uma cobertura especial pela Rádio Sol-Mansi. A emissora católica da Guiné-Bissau, que tem recebido apoio da Fundação AIS para o seu funcionamento, nomeadamente através da oferta de um veículo todo-o-terreno, desempenha um papel insubstituível na coesão nacional.
GRUPOS TERRORISTAS
A Guiné-Bissau vive tempos de instabilidade política, de que o adiamento no passado dia 4, pelo Presidente da República, das eleições antecipadas é apenas um indicador. Mas há outros sinais preocupantes. Na memória de todos está ainda a vandalização da igreja católica da Paróquia de Santa Isabel. Foi em Julho de 2022 e os atacantes destruíram imagens religiosas, um crucifixo, e a imagem de Nossa Senhora de Gebra foi também esmagada.
Como refere o Relatório da Liberdade Religiosa, editado em 2023 pela Fundação AIS, “este foi o primeiro ataque do género, o que chocou o país, especialmente depois de terem sido publicadas imagens nas redes sociais. O Relatório da AIS dá conta também de um agravamento da situação não só dos direitos humanos na Guiné-Bissau como da ameaça que poderá vir da actuação de grupos terroristas.
“Mais preocupantes para a liberdade religiosa são as ligações entre grupos armados na Guiné-Bissau e os grupos terroristas AQIM, MUJAO e Ansar al-Din. Isto reflecte-se internamente em sinais de um crescimento do extremismo entre alguns muçulmanos guineenses, nomeadamente no apoio financeiro de grupos radicais a mesquitas e escolas locais. Juntamente com o ataque à Igreja Católica no Gabu a 2 de Julho – o primeiro ataque deste tipo a qualquer local de culto na Guiné-Bissau – estes factores sugerem uma ameaça crescente ao Islamismo tradicionalmente moderado da Guiné-Bissau e às relações positivas entre as principais tradições religiosas do país. A reforçar esta preocupação estão formas ocasionais de evangelização agressiva por parte de alguns grupos pentecostais independentes, nomeadamente a Igreja Assembleia de Deus”, conclui o Relatório da Fundação AIS.
Paulo Aido e Casimiro Cajucam
Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt