As atrocidades cometidas pelo Estado Islâmico no Iraque em 2014 deram origem, cinco anos mais tarde, ao Dia Internacional em Memória das Vítimas da Violência Baseada na Religião ou Crença, estabelecido pela Assembleia Geral da ONU. A data assinala-se amanhã, dia 22 de Agosto. A polaca Ewelina Ochab, advogada e defensora dos direitos humanos, que teve a ideia da criação desta efeméride, falou à Fundação AIS e deixa um alerta: “O dia pode ajudar a educar, mas é preciso agir”.
Em Setembro de 2017, Ewelina Ochab participou numa conferência internacional organizada pela Fundação AIS, realizada em Roma, sobre a reconstrução da Planície de Nínive após a destruição de aldeias cristãs pelo Estado Islâmico durante a ocupação de grande parte do Iraque.
Nesse mesmo ano, inspirado pelo testemunho e estimulado pelas contínuas atrocidades cometidas pelo Estado Islâmico contra minorias religiosas (incluindo cristãos, yazidis e outros) na Síria e no Iraque, Ewelina Ochab tomou a iniciativa de chamar a atenção para as violações da liberdade religiosa e apelou à acção da comunidade internacional. “Redigi a proposta de resolução e comecei a contactar os Estados para que a apoiassem e a concretizassem”, recorda.
O caminho foi árduo, exigindo uma investigação exaustiva e depois a formação de coligações para reunir os votos necessários. Referindo-se à informação e ao apoio da Fundação AIS nos primeiros tempos, Ewelina Ochab recorda que a fundação pontifícia “apoiou-nos desde o início, abordando também os Estados e os políticos, e tentando criar um consenso sobre a necessidade desta resolução”.
OS PRIMEIROS APOIOS
Os membros da ONU dos EUA, Canadá, Brasil, Egipto, Iraque, Jordânia, Nigéria e Paquistão foram os principais patrocinadores que trabalharam no projecto antes de o apresentarem na Assembleia Geral da ONU. Ewelina Ochab recorda:
Enquanto trabalhávamos para estabelecer o dia, os membros ainda tinham muito presentes não só as memórias das horríveis atrocidades cometidas contra os yazidis, os cristãos e outras minorias religiosas, mas também estavam cientes que em muitas outras partes do mundo continuavam a ocorrer ataques semelhantes. É evidente que é necessário fazer mais para garantir que reflictamos e nos concentremos na violência, que é omnipresente.”
A proposta de resolução acabou por ser apresentada à Assembleia Geral das Nações Unidas pela Polónia, o país natal de Ewelina Ochab. Com o apoio de mais de 80 países, os Estados-membros da Assembleia Geral das Nações Unidas reconheceram a necessidade urgente de se concentrarem mais na questão da violência baseada na religião ou crença e foi instituído o Dia Internacional em Memória das Vítimas da Violência Baseada na Religião ou Crença, a 22 de Agosto de 2019.
Ewelina Ochab observa que, ao estabelecer a data comemorativa, a Assembleia Geral da ONU reconheceu a dor e o sofrimento das vítimas de violência devido à sua religião ou crença: “deixaram de ser vítimas/sobreviventes invisíveis. Este dia pertence a todas as vítimas/sobreviventes da violência baseada na religião ou crença – passadas, presentes e futuras. Este dia deve encorajá-las e fortalecê-las para que sejam agentes de mudança”.
FUTURO SOMBRIO PARA AS MINORIAS
Já passaram cinco anos desde a instituição da comemoração, mas Ewelina Ochab adverte que ainda não foram tomadas medidas concretas suficientes. “A situação não melhorou e, a nível mundial, continuam a existir demasiados exemplos de violência baseada na religião. Do Darfur à RDC, da Nigéria aos Camarões, ao Nagorno-Karabakh, e a lista continua. Também no Iraque, hoje, 10 anos após as atrocidades do Daesh, a situação das minorias está a piorar e o futuro parece sombrio.”
Tal como documentado no Relatório sobre a Liberdade Religiosa no Mundo 2023, uma publicação da Fundação AIS que celebra o seu 25º aniversário, a violência baseada na religião ou crença continua a aumentar no mundo.
Tal como a Fundação AIS referiu aquando do anúncio inaugural das Nações Unidas, a celebração do dia 22 de Junho deverá ser o primeiro passo de um processo que conduza a um plano de acção coordenado a nível internacional pelas Nações Unidas e pelos Estados-membros para pôr fim à perseguição religiosa. Ewelina Ochab concorda e apela a que a comemoração seja acompanhada de acções. “O dia internacional, por si só, pode educar, mas os Estados têm de fazer mais para impedir efectivamente este tipo de violência. Isto não acontecerá sem acção.”
E continuou: “Temos de dispor de mecanismos fortes para garantir a identificação de sinais de alerta precoce e de factores de risco, bem como de estratégias abrangentes de resposta, temos de garantir que todos estes crimes são investigados e julgados e temos de garantir que as vítimas/sobreviventes recebem a assistência de que necessitam. Cinco anos depois, muito pouco foi feito nesse sentido. Precisamos de um plano de acção, com resultados claros, com prazos claros – e de o implementar passo a passo, sem quaisquer desculpas.”
Marta Petrosillo | Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt